ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 128 1260
vés das quais, ao longo da história, se foi dando realização prática a esse mesmo anseio que, em nossos dias, inspira a política de e segurança social» - expressão nova de um velho ideal.
Durante séculos, esses processos de auxílio ou prevenção foram valendo aos males e insuficiências dos indivíduos. Mas a situação modificou-se, rápida e profundamente, com o advento do industrialismo e do capitalismo liberal, no decurso do século XIX.
As condições de existência da nova classe operária, que ia absorvendo camadas cada vez mais extensas da população, a frequência das crises económicas e tecnológicas, que lançavam milhares de famílias no desemprego e na miséria, o aumento generalizado dos acidentes e da morbilidade, por efeito das más condições de higiene e segurança do trabalho, da alimentação insuficiente, da habitação indigna de seres humanos - tudo isso evidenciou, então, a insuficiência das formas tradicionais de auxílio para combater esses males.
O próprio erário público não dispunha, na generalidade dos países, de recursos para dotar suficientemente as verbas da assistência oficial.
O Estado viu-se assim obrigado a intervir por outros meios. O primeiro de que lançou mão foi o da afirmação legal do principia da responsabilidade patronal, para o caso dos acidentes de trabalho e das doenças, profissionais.
For outro lado, ao movimento associativo das classes trabalhadoras correspondeu uma expansão do mutualismo na protecção contra os riscos sociais.
As associações operárias de socorros mútuos revelaram-se, no entanto, impotentes para resolver satisfatoriamente as situações de carência que se deparavam aos trabalhadores e suas famílias. Em primeiro lugar, os sócios eram quase sempre uma minoria em relação ao número total de assalariados. Depois, o equilíbrio financeiro das associações não assentava, regra geral, em bases técnicas e, ao cabo de algum tempo, por virtude do acréscimo de encargos, a maior parte delas via-se impossibilitada, de solver os seus compromissos.
Em contrapartida, tais associações tiveram o enorme mérito de introduzir dois princípios fundamentais que, mais tarde, haveriam de estar na base do seguro social. O primeiro foi o da necessidade de intervir antes da verificação dos riscos, criando os meios necessários para lhes fazer face - ao contrário do espírito de reparação que inspirava a beneficência e a assistência. O segundo consistiu na apreciação objectiva dos factos que condicionavam a concessão dos socorros, instituindo a certeza de um direito, e não apenas uma mera expectativa sujeita a avaliações discricionárias 11.
Apesar das suas deficiências iniciais, o movimento mutualista foi subsistindo, alargou-se mesmo a outros classes da população, e adquiriu estabilidade no aspecto financeiro quando passou a trabalhar de acordo com as técnicas do seguro, mediante o recurso à ciência actuarial (seguro social facultativo).
Não conseguiu, porém, salvo raras excepções, superar a sua primeira fraqueza - a da reduzida proporção dos associados relativamente à população total e mesmo ao conjunto da classe trabalhadora.
Tal circunstância, aliada ao propósito de aliviar o erário público dos encargos crescentes com a assistência, levou o Estado a adoptar uma segunda ordem de medidas neste campo - compelindo ao seguro certas classes da população para determinadas eventualidades.
Assim surgiu o seguro social obrigatório, que havia de constituir, até nossos dias, a forma mais eficiente e generalizada de defesa contra os riscos sociais 12.
§ 2.º
O seguro social obrigatório
A) Preliminares
9. O seguro social obrigatório utiliza fundamentalmente as técnicas do seguro privado: predeterminação dos riscos e das prestações, adequação das receitas aos encargos segundo as regras do cálculo actuarial, reconhecimento do direito aos benefícios verificadas as condições previstas, independentemente da situação económica do segurado.
Distingue-se do seguro contratual principalmente em não fazer variar o prémio (contribuição) consoante a avaliação individual do risco, pois a extensão do sistema a largas camadas da população, isto é, a própria natureza social do seguro, permite compensar entre si os riscos desfavoráveis e favoráveis e, assim, tipicizar as contribuições de modo genérico para todos os sujeitos à obrigação do seguro.
Os primeiros seguros sociais obrigatórios foram, como é sabido, instituídos na Alemanha, de 1883 a 1889. Apesar das condições particularmente favoráveis que entoo reunia este país - designadamente a prosperidade da sua economia e a rede excepcional de- associações de socorros mútuos, na sua maioria de base corporativa -, deve-se à férrea energia do chanceler Bismarck a determinação de instaurar com carácter obrigatório regimes de seguro colectivo contra os riscos sociais.
Abrangiam tais regimes, inicialmente, a doença, os acidentes de trabalho, a invalidez e a velhice. No que se refere aos beneficiários, eram restritos aos trabalhadores da indústria. Mais tarde, em 1911, foi criado o seguro por morte e codificada a legislação alemã sobre seguros sociais.
Nesse ano- de 1911, um outro país - a Inglaterra - introduziu o seguro contra o desemprego, para certo número de ramos industriais. Foi o segunde passo decisivo na história do seguro social obrigatório.
De então até ao limiar da segunda guerra mundial não mais cessaram de expandir-se, na generalidade dos países com certo grau de desenvolvimento económico e social, os regimes de previdência obrigatória, principalmente sob a influência do modelo germânico.
As diversidades nacionais traduziam-se, não tanto nos princípios e processos técnicos, em que se verificava apreciável unidade, mas Antes nos tipos de eventualidades cobertas, no âmbito dos beneficiários e no nível das prestações. Para essas diversidades contribuíam factores próprios de cada país - maxime o volume do rendimento nacional, a estrutura da economia predominantemente industrial ou agrícola, o desenvolvimento do sindicalismo, bem como as tradições históricas e os princípios ético-políticos dominantes 13.
10. No campo internacional, iniciou-se, a partir de 1919, uma actividade sistemática com vista à progres-
11 Ver, a este respeito, Augusto Venturi, I fondamenti soientifici della sicurezza sociale, Milano, 1954, pp. 54 e 55.
12 Sobre todo este número podem consultar-se: Paul Duraud, La politique contemporaine de sécurité sociale, Paris, Dalloz, 1953, pp. 31 e seguintes; J. Doublet et G. Lavau, Sécurité sociale, Paris, Presses Universitaires de France, 1955, pp. 15 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 1-78.
13 A. Venturi, ob. cit., pp. 79-101; Carl A. Farman, «Le développement dans le monde des prestations de sécurité sociale», in Bulletin de l'Association Internationale da la Sécurité Sociale, Novembro de 1956, pp. 467 e seguintes.