1278 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 128
C) Estrutura administrativa
50. O primeiro problema quê se põe, em matéria de estrutura administrativa de um sistema moderno de segurança social, é o do lugar, que nela cabe às formas de organização tradicionalmente utilizadas na defesa contra os riscos sociais - o seguro obrigatório, a assistência social, o seguro facultativo -, cujas linhas genéricas examinámos no capítulo anterior deste parecer. Para alguns, semelhantes formas são as mesmas a que a política de segurança social terá de recorrer para. aplicar aos nus próprios dessa política os meios técnicos adequados.
Segundo esta tese, a segurança social deverá realizar uma sistematização orgânica desses métodos, integrando num plano de conjunto os sistemas de seguro e de assistência. O seguro social obrigatório será o instrumento fundamental de efectivação da política de segurança. A assistência, designadamente na sua forma pública, representará o método supletivo e complementar dessa política - visando a ocorrer a casos especiais que se mostrem carecidos de auxílio, por não haver direito às prestações do seguro obrigatório, ou por se tratar de contingências não cobertas por este 63. Outra tese, mais recente, entende que a política de segurança social, para corresponder verdadeiramente ao fundamento e aos fins que informam o seu actual conceito, deve realizar-se através de um ordenamento unitário - essencialmente diverso dos métodos clássicos do seguro e da assistência.
Quanto ao seguro social - diz-se -, embora tendo de comum com ele a função de cobrir as consequências de determinados riscos, a política de segurança distingue-se sobretudo pela. posição que no seu ordenamento assume o Estado. Enquanto, no seguro, o Estado se limita a usar do seu poder de império para tornar obrigatória a formação de organismos e a inscrição de contribuintes e beneficiários, pertencentes a determinados grupos sociais, a quem incumbo normalmente o financiamento e a gestão do sistema, a segurança social impõe ao Estado muito mais largas responsabilidade".
Diferenças ainda mais fundas separam, na tese em exame, a segurança da assistência pública. Ao passo que a, outorga, dos benefícios assistenciais pressupõe prévia avaliação das necessidades do requerente através de acto administrativo discricionário e depende das possibilidades financeiras da entidade requerida, na segurança social o Estado assume obrigações definidas para com os indivíduos, aos quais é reconhecido o direito a determinadas prestações uma vez verificados os eventos previstos.
Para esta concepção, a política, de segurança social, na sua pureza, não utiliza como instrumentos de realização nem o seguro obrigatório nem a assistência pública. Tendencialmente dirigida ao conjunto da colectividade nacional, exige, logicamente, a criação de um serviço público instituído pelo Estado e financiado pelo imposto, sem embargo de o mesmo poder ser gerido por instituições dotadas de autonomia administrativa.
A colectividade nacional assumiria, nesta concepção, a natureza de uma grande mutualidade seguradora, e a atribuição das prestações far-se-ia na base de princípios de justiça distributiva, e não de justiça comutativa, como no seguro social 64.
51. Mais do que duas teses em presença, crê-se que estas fórmulas representam, antes, duas fases na evolução da política ide segurança social.
A primeira é a que corresponde às realidades presentes, na quase totalidade dos países.
A segunda pressupõe: 1.º a possibilidade dá aplicar todos os ramos da segurança ou, ao menos, um deles, à generalidade da, população; 2.º a concessão das prestações independentemente do tempo ou volume de contribuições pagas; 3.º o financiamento do sistema pelas receitas públicas ou por um imposto especial; 4.º a administração pelo Estado ou por organismos de direito público.
O único país em que pode dizer-se haver sido instituído um sistema de segurança, para o conjunto dos riscos sociais, sob a forma de serviço publico, foi a Inglaterra. É certo que, tanto no relatório Beveridge como na legislação que se lhe seguiu, se fala em "seguro nacional" (national insurance). Mas - nota justamente Alan T. Peacock: - é difícil encarar o sistema inglês como de genuíno "seguro", pois, "não existindo qualquer ligação directa entre prémios e riscos, ele assume, antes, a natureza de um serviço público financiado por um pool-tax e pelos impostos gerais" 65.
Nos restantes países, sòmente pode falar-se em "serviço público" quanto aos ramos da segurança social que reunam os requisitos acima, enunciados.
Estão neste caso, para os serviços de saúde, os países, atrás referidos, em que as prestações médico-sociais são comuns à generalidade da população, sem outra condição que não seja o eventual pagamento de certos bens ou serviços prestados: Austrália, Canadá (hospitalização), Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Rússia e Suécia.
No que respeita às pensões, têm serviços públicos de "pensões nacionais", além da Inglaterra: o Canadá, a Dinamarca, a Finlândia, Israel, a Nova Zelândia e a Suécia. Na Holanda, Noruega, Suíça e na lei inglesa de 1959 sobre pensões complementares o sistema é mais propriamente de "seguro nacional", pois o quantitativo das pensões varia proporcionalmente ao número de anos de contribuição.
Nenhum país estabeleceu, para o subsídio de doença, o regime de serviço público nem o de seguro nacional. A fórmula generalizada continua a ser, na maior parte das legislações, como se referiu, o seguro obrigatório para determinados grupos sociais (trabalhadores por conta de outrem, em todos ou só alguns ramos de actividade; trabalhadores independentes). Em certo, número de países, aquele subsídio é concedido principalmente sob o regime de assistência pública 66.
52. A propósito das várias formas de organização dos sistemas de segurança, e quanto ao emprego do mé-
63 Neste sentido: B. I. T., Approaches to social security, Genève, 1948. pp. 83 e seguintes; Gascon y Marin, ob. cit., log. cit.; P. Laroque, Revue Internationale du Travail, Junho, 1948, cit. É também a orientação de Beveridge, National insurance and allied services, Report, cit., pp. 120 e 121: "A Plan for social security is outlined below, combining three distinct methods: social insurance for basic needs; national assistance for special cases; voluntary insurance for additions to the basic provision".
64 É a tese sustentada por A. Venturi, ob. cit., pp. 270 a 274, e 596 e seguintes. Em sentido semelhante: P. Durand, ob. cit., pp. 162 a, 165; Manuel de Torres, Teoria de la política social, Madrid, Aguilar, 1949, pp. 212 e seguintes; Prof. Eugenio Minoli, "Dal principio assicurativo contratuale alla sicurezza sociale", Atti della XXIII Settimana Sociale dei Cattolici Italiani, Bolonha, 1949, pp. 56 e seguintes; J. Perez Leñero, Fundamentos de la seguridad social, Biblioteca de Ciências Sociales, Madrid, 1956, pp. 147 e seguintes.
65 Alan T. Peacock, "The finance of British national insurance", Institut International de Finances Publiques, 6ème session, Mónaco, Setembro de 1950, p. 341.
66 Sobre este número: Social security programs, cit., passim.