4 DE JUNHO DE 1963 329
Estabelecimentos universitários de ensino de farmácia, farmacêuticos, ajudantes de farmácia e proprietários de farmácias não farmacêuticos defendem apaixonadamente pontos de vista em raros aspectos coincidentes e nem sempre de acordo com o interesse público que se deve procurar salvaguardar
Com razão se diz no preâmbulo do projecto de proposta do Governo que, «na sua aparente simplicidade, o problema da propriedade da farmácia envolve delicados questões de várias ordens, desde a económica e jurídica a moral e profissional Ele toca, n bem dizer, em toda a estrutura e funcionamento da actividade farmacêutica, se a posição que se tome num sentido ou noutro, entre os vários possíveis, decorrer de uma linha geral de orientação»
7. São dois os princípios gerais que, na maior parte dos países do Ocidente e também entre nós, presidem ou presidiam à definição do regime de propriedade farmacêutica o princípio da propriedade livre e o princípio da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica Ou se aceita que a propriedade de farmácia é livre na sua aquisição e transmissão, como acontece com qualquer estabelecimento comercial, ou se reserva o direito de ser titular da propriedade de farmácia aos farmacêuticos que sei ao também, obrigatoriamente, seus gerentes técnicos
De um modo geral, estes princípios não se encontram transformados em direito positivo em todo o seu estado de pureza, não são aplicados em todas as suas implicações lógicas à matéria que regulam Sofre várias restrições um, e abrem-se diversas excepções ao rigor restritivo do outro
Entre a propriedade livre, ao alcance de qualquer cidadão, e a propriedade exclusiva dos farmacêuticos, há uma série do posições possíveis, escalonadas, que visam, sem prejuízo dos fins principais a atingir e com respeito pelo princípio gemi adoptado, dentro de um certo conceito ordinalista da lei, salvaguardar aqueles interesses reais e justificadamente defensáveis que, pela força cega da dedução lógica do princípio geral transformado em norma reguladora, seriam fatalmente violados Mesmo na França, que se orgulha de possuir, assim como a Espanha, o direito farmacêutico que mais perfeitamente consagra o princípio da indivisibilidade, encontramos diversas excepções a este princípio, a favor dos herdeiros ou cônjuge sobrevivo do proprietário de farmácia, dos hospitais, das associações mutualistas, etc
8. De entre os dois princípios anunciados é, sem dúvida, o princípio da propriedade livre aquele que, prima facie, merece a preferência de quem seja chamado a formular um juízo de escolha. De facto, a farmácia, tal como se nos apresenta e é vista pelo comum das pessoas, ó um estabelecimento comercial afecto à venda de certos e determinados artigos, que, infelizmente, cada vez vão sendo mais heterogéneos e menos valorizadores da actividade farmacêutica. A venda de manipulados está hoje praticamente restringida a um máximo de 5 por cento (l). Ora, se a farmácia é um lugar onde se efectuam simples, actos de compra e venda, na sua maioria sem qualquer qualificação específica, pois os farmacêuticos não exercem em regia qualquer fiscalização ou controle técnico sobre as especialidades que vendem, porque não há-de ser submetida ao regime jurídico que regula a propriedade dos restantes estabelecimentos comerciais?
(*) Boletim do Grémio Nacional das Farmácias n.º 108, ano XVIII, p. 11.
Desta imediata inferência nos dá conta o Dr Martins de Carvalho, autor, como Ministro da Saúde e Assistência, do projecto de proposta de lei em apreciação, em entro vista concedida à Revista Portuguesa de Farmácia em 25 do Novembro de 1062, onde se diz
Parto da verificação de um facto, à primeira vista, restringir a propriedade das farmácias aos farmacêuticos parece ser um acto contra a boa razão. Na verdade (e o caso foi expressamente cuidado), será preciso ser-se agrónomo ou regente agrícola para se poder ser dono de uma propriedade rural? Não é verdade que as farmácias cada vez mais se transformam em simples lojas de venda de medicamentos industrializados? E não fica a saúde pública garantida pela obrigatoriedade de um director técnico farmacêutico, desde que a presença deste seja efectiva, ao contrário do que tantas vezes acontece?
A resposta a estas perguntas afigura-se evidente. E ela constitui realmente a grande argumentação a favor da livre propriedade
Esta conclusão, que, segundo o entrevistado diz, ressalta de um estudo superficial do problema e parece não resistir a uma análise cora profundidade, feita por quem se encontre integrado nas complexas implicações da actividade farmacêutica e, de forma especial, nas suas ligações com a saúde pública, é, no entanto, aquela a que chegaram as autoridades administrativas de diversos países, europeus e americanos, ao perfilharem legalmente a livre propriedade farmacêutica. Estão neste caso a Inglaterra, a Holanda, alguns cantões da Suíça, nomeadamente o de Berna, e os listados Unidos da América, para só citar aqueles onde o nível sanitário da população e as preocupações estaduais para o defenderem e propulsionarem rivalizam com as de qualquer outro país do Mundo
9. A livre propriedade e a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio são constitucional mente garantidas aos cidadãos portugueses, respectivamente pelos n.º 16.º e 7.º do artigo 8.º da Constituição Política Por força do diploma fundamental, os direitos, liberdades e garantias que acabamos de referir poderão ser sacrificados se o interesse público assim o exigir Os direitos individuais deverão ceder perante o bem comum
Pergunta-se haverá algum interesse público cuja protecção ou obtenção exija, irremediavelmente, que a propriedade das farmácias seja regulamentada por normas de excepção, violadoras dos direitos de liberdade de escolha do profissão, indústria Ou comércio e do direito de livremente adquirir propriedade e livremente a transmitir?
Aponta-se como fundamento destas restrições o interesse de proteger a saúde pública
De facto, a actividade farmacêutica está profundamente ligada a saúdo pública, pois, se a manipulação e venda de medicamentos, quando conscienciosamente feita, é fonte de saúde e vida, se praticada sem obediência rigorosa aos imperativos da ciência e às normas deontológicas, pode trazer a doença e a morte. Mas, se todos reconhecem o interesse público sanitário da actividade farmacêutica, há quem conteste que para ela poder atingir esse fim seja necessário sacrificar-lhe o princípio natural e constitucional da propriedade livre. Para estes opositores, o aspecto sanitário da actividade farmacêutica, e este é que lhe empresta o atributo de interesse público, será perfeitamente salvaguardado, em regime de propriedade livre, desde que se imponha, com carácter obrigatório, a gerência técnica, pessoal e efectivamente exercida por farma-