16 DE DEZEMBRO DE 1963 423
16 de Setembro do mesmo ano, mormente nos artigos 18.º a 15.º, e no Decreto de 8 de Fevereiro de 1000, cujo capitulo II estabelece os questionários a que devem obedecer os exames médico-forenses.
É de notar que nesta legislação não se prevê apenas a autópsia, mas ainda a exposição do cadáver para reconhecimento e a colheita de vísceras destinados a análises forenses.
A segunda ordem de providências excepcionais acima referida tem em vista os fins de investigação científica e de ensino, como se deixa dito.
O aproveitamento dos cadáveres para estes fins, particularmente para os estudos de anatomia, já é muito antigo, embora, como se sabe, durante muito tempo tenha sido efectuado clandestinamente Os nossos juristas do século XVI já se ocupavam da questão da licitude da entrega de cadáveres aos médicos para os estudos de anatomia, embora se referissem apenas aos despojos mortais dos condenados à pena capital O problema, que B ar tolo já debatera na Idade Média, mas deixara indeciso, é resolvido por aqueles juristas favoravelmente a concessão dos cadáveres aos médicos, e apenas se dividem as opiniões no tocante ao problema de saber a quem compete ordenar essa concessão - se ao juiz, se ao príncipe(2).
Tendo em vista a legislação especificamente respeitante a estudos universitários, deve observar-se, antes de mais, que os Estatutos da Universidade de Coimbra de 1353 ]á mandavam expressamente que o lente respectivo fizesse anatomia de membros particulares seis vezes coda ano, o três gerais (liv III, tit v, § 23)
O Compêndio Histórico aproveita esta fixação do número de sessões de anatomia para atribuir o atraso deste ramo de investigação médica aos "maquinadores" daqueles estatutos, os "denominados jesuítas", e faz, a propósito, longa história e panegírico deste sector da ciência(3).
Talvez para corresponder ao pensamento do Compêndio, os estatutos pombalinos contêm vários preceitos que são bem exemplo da legislação despótica do tempo
Assim, dispunha-se no n º 12 do livro m, pai te i, título III, capítulo II, desses estatutos.
Para uso da Anatomia servirão os cadáveres dos que morrerem nos dois Hospitais, da Universidade e da Cidade, e dos que foi em justiçados, no caso de os haver Faltando uns e outros, servi tilo os cadáveres de quaisquer pessoas, que falecerem na cidade de Coimbra. E para evitar qualquer falta, que nisto possa haver Sou servido dar ao Heitor, e à Congregação da Faculdade todo o pleno poder, e autoridade, para fazerem conduzir para o Teatro Anatómico os cadáveres necessários, e para obrigar em a consentir nisso a todas, e quaisquer pessoas, que quiserem repugnar a entrega deles Procedendo contra os rebeldes, como inimigos do bem público, e fautores das preocupações, que tanto dano têm causado ao progresso da medicina, e a saúde e vida dos homens.
A fim de reforçar estes princípios, estabelecia-se ainda no n.º 13.
Para que da abertura dos cadáveres se tirem todas as vantagens possíveis, que requer o progresso da Medicina Ordeno, que sendo o cadáver de pessoa, que tenha falecido no Hospital da Universidade, primeiramente se entregue ao Lente de prática, que lhe assistiu na enfermidade, para o abrir, ou mandar abrir pelos Discípulos à sua vista, para averiguar na presença deles a causa da sua morte, para rectificar o juízo, que tinha feito da doença, e para instruir aos mesmos discípulos no resultado, que da dita inspecção se deve tu ar, a fim de proceder com mais acerto em outros casos semelhantes, segundo o que lhe será encarregado no lugar competente.
E o n.º 14 acrescentava
Sendo porém o cadáver de qualquer pessoa, a quem não tenha assistido algum dos Lentes de Prática, o Médico, que lhe assista, será obrigado, debaixo de pena de suspensão perpétua do exercício da Arte, a dar por escrito a qualquer dos ditos Lentes a História exacta, e circunstanciada da enfermidade, e dos remédios, que lhe aplicou. Também assistirá à abertura do dito cadáver, que o Lente fizer na presença dos seus Discípulos, e à Prelecção, que sobre o resultado dela fizer na Sala das Conferências Uns, e outros cadáveres, feita a referida abertura, ficarão à ordem do Lente da Anatomia. O qual entrará no Teatro com seus Discípulos a fazer as operações preparatórias nas partes relativas ao Curso de suas Lições, e Demonstrações.
Não se pode negar ousadia a estes estatutos neles se previa, praticamente, verdadeira expropriação de cadáveres e se fixavam os meios idóneos para obrigar os interessados a consentir na entrega dos cadáveres, se foiçavam os médicos assistentes a revelar aos lentes de Prática os pormenores da doença e do tratamento, sem se atender ao segredo da profissão, e se obrigavam os mesmos médicos a assistir as autópsias e às prelecções que o lente a respeito delas fizesse.
Podem, por isso, considerar-se moderadas as disposições subsequentes.
O Regulamento das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto, de 23 de Abril de 1840, contém os seguintes preceitos.
Art. 101.º Os Professores de Clínica demonstrarão e observarão todos os casos de anatomia patológica que se oferecerem nos seus Cursos Clínicos
Art. 102.º Os Professores destas duas cadeiras devem começai as lições clínicas pela visita dos doentes, à qual seguir-se-á a parte oral, e as autópsias, se as houver, poderão todavia, junto à cama do doente, fazer aquelas observações que lhes parecerem necessárias naquele lugar. O tempo que devem demorar-se em tudo isto, é hora e meia, podendo apenas, em caso de precisão, prolongá-lo meia hora mais.
Estes preceitos parecem impor as autópsias como obrigatórias, visto neles se estabelecer, nomeadamente, que os professores de clínica demonstrai ao e observarão todos os casos do anatomia patológica que se lhes oferecerem nos respectivos cursos Esse entendimento parece ter sido claramente consagrado no Decreto de 18 de Agosto de 1910, que mantém em vigor os artigos 101.º e 102.º do citado Regulamento das Escolas Médico-Cirúr
() Podem citar-se Gaspar Vaz, no n.º 22 do seu Commmentarium in leg, imperium ff de juriditions omnurum judicum, publicado em Lião, em 1658, na compilação intitulaada Commentaria in Varia Jurisconsultorium Responsa, Manuel Soares da Ribeira, Annotationes a Commentariorum, Variaruniq Resolutionum Júris Civilis Communis et Regu de António Gomez, Veneza, 1572, António da Gama Tractatus de Sucramentis praestandis ultimo supplícro damnatis, ac de testamentis, anatomia, et corum sepultura, 1559.
Extraímos estes elementos da citada nota inédita do Dr. Nuno Espinona Gomes da Silva (supra, nota n.º 1).
(3) Compêndio Histórico, ed de 1772, parte II, cap. III, § 67, p 841.