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426 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

ciada, e essa confusão pode ainda ser agravada pela circunstância de o Decreto com forca de lei de 13 de Dezembro de 1910 ter suprimido a primeira secção (análises anátomo-patológicas) do laboratório de análises clinicas do Hospital de S José para a integrar na Escola Médico-Cirúrgico (serviço devolvido aos Hospitais Civis mais tarde pelo Decreto n.º 4563, de 12 de Julho de 1918, artigo 76.º, e pela Lei n.º 1785, de 22 de Junho de 1925, artigo 1.º, § único). Mas também é verdade que, mesmo sem se tomar em consideração o âmbito limitado do Regulamento de 1901 e do Decreto de 13 de Dezembro de 1910, não pode deduziu-se deles qualquer doutrina sobre as autópsias promovidas directamente pelas Faculdades de Medicina, por isso que naquele regulamento se distingue sempre a hipótese de elas serem efectuadas por iniciativa da Escola Médico-Cirúrgica do caso de serem ordenadas pelos directores das enfermarias, e no artigo 4.º do citado Decreto de 13 de Dezembro de 1910 se consagra expressamente o direito de os médicos hospitalares continuarem a fazer os seus exames no laboratório que transitava para a Faculdade de Medicina, confirmando-se assim que esta legislação tem em vista duas categorias diversas de autópsias, discriminadas pela entidade que toma a respectiva iniciativa.
Parece-nos, portanto, que a solução mais correcta consiste em se distinguirem as autópsias promovidas pelas Faculdades de Medicina e que tenham por objecto os cadáveres das pessoas falecidas nos respectivos serviços clinicas, e as daquelas pessoas que morrem fora desses serviços, e quer aqueles exames sejam promovidos directamente pelos directores das enfermarias onde os falecidos se achavam internados, quer sejam devidos a iniciativa das Faculdades de Medicina a disposição das quais sejam colocados os cadáveres. No primeiro caso a autópsia pode efectuar-se ainda que o corpo dos falecidos seja reclamado pela família, no segundo caso, pelo contrário, a autópsia só será permitida se a família se não opuser e não declarar pretendei efectuar particularmente o enterramento
E, no tocante especialmente às autópsias devidas a iniciativa hospitalar, só o regulamento de 1901 parece permiti-las e - que saibamos - ele só é aplicável aos Hospitais Civis de Lisboa Os outros estabelecimentos da mesma natureza não terão direito de promover autópsia, a qual, em relação a cadáveres não entregues às Faculdades de Medicina, só poderá ser ordenada pelas autoridades judiciais e para ser efectuada pelas entidades competentes (os institutos de medicina legal nas áreas comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra).
Do ponto de vista prático, porém - e neste aspecto damos toda a razão à Procuradoria-Geral da República -, parece indiscutível que, ou por efeito de reacção espontânea dos costumes, ou em consequência da imperfeição das leis citadas e da mencionada confusão, latente em algumas delas, dos serviços do Hospital de S. José com os da Faculdade de Medicina de Lisboa, se tem generalizado, pelo menos nesta última cidade, a prática de não efectuar autópsias quando os cadáveres sejam reclamados pela família, tendo-se caído assim, em todos os casos, na orientação que, numa interpretação rigorosa, parece vigorar apenas para os Hospitais Civis de Lisboa. Acresce que, segundo consta, foi esse o regime expressamente mandado observar provisoriamente no Hospital de Santa Mana, de Lisboa, por despacho do Ministro do Interior de 25 de Janeiro de 1955, com o fundamento de, constituindo esse Hospital conjuntamente com os Hospitais Civis os hospitais centrais da zona sul, só quando devidamente justificado se poderia criar um regime especial pata qualquer deles. E, homologado o citado parecer da Procuradoria-Geral da República por despacho de 13 de Abril de 1961, do Ministro da Saúde e Assistência (Diário ao Governo n.º 119, 2.ª série, de 19 de Maio de 1961, p 3415), aquele regime tornou-se, de facto, extensivo a todos os hospitais universitários.
Para se apreender devidamente a realidade deve observar-se, no entanto, que, como é fama pública, este sistema tem dado lugar a que muitos médicos hospitalares, desejosos de proceder a autópsias de estudo, declarem às famílias que, por insuficiente conhecimento da causa da morte, só poderão passar a competente certidão de óbito depois de proceder em a autópsia. Trata-se de um simples expediente e sofisma, gerado pelas limitações impostas, de direito ou de facto, a estes actos de investigação médica.
A fim de completar esta resenha da legislação referente ao aproveitamento dos cadáveres para fins de ensino e de investigação, compete ainda mencionarem-se dois pontos especiais em primeiro lugar, que a Reforma Prisional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 26 643, de 28 de Maio de 1936, admite, no artigo 374.º, que se proceda a autópsia de reclusos falecidos em estabelecimentos prisionais, para fins de investigação científica, se o Ministro da Justiça o autorizai, ouvidas as famílias, e que o § único do mesmo artigo estabelece que os cadáveres dos reclusos poderão ser entregues à Faculdade de Medicina da localidade onde se deu o óbito, nos mesmos termos em que o são os dos hospitais, e, em segundo lugar, que as próprias autópsias judiciárias também abrangem finalidades pedagógicas e científicas, como se deduz claramente do disposto no artigo 2.º da Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899 e dos artigos 2.º, 14.º e 15.º do Regulamento dos Serviços Médico-Legais, de 16 de Setembro do mesmo ano.
Do conjunto da legislação citada podem deduzir-se os seguintes princípios de interesse para o nosso estudo.

a) O destino normal do cadáver consiste em ser consumido por meio de inumação, mas, excepcionalmente, a lei admite certas formas de aproveitamento, tais como exposição paia reconhecimento, exames, autópsias, colheita de tecidos ou vísceras pata exames laboratoriais, etc,

b) Estes aproveitamentos podem ter ou fins de investigação judiciária, ou fins pedagógicos e de investigação científica, e no próprio pensamento dite leis há certa interpenetração destas duas categorias de fins,

c) Os aproveitamentos referidos na alínea anterior são obrigatórios quando destinados a fins de investigação judiciária,

d) Quando tenham por fim a investigação científica e o ensino, esses aproveitamentos, de acordo com a interpretação rigorosa dos leis vigentes, seriam independentes da vontade das famílias, no coso de se tratar de cadáveres de pessoas falecidas em estabelecimentos universitários, enquanto só podei iam ter lugar na ausência de oposição das famílias, no caso de a morte se ter verificado noutros estabelecimentos de saúde e assistência, e, no caso de reclusos, mediante autorização do Ministro da Justiça, ouvidas as respectivas famílias,

e) 0s aproveitamentos mencionados na alínea antecedente encontram-se hoje, todavia, sujeitos sempre a condição de os cadáveres não sei em reclamados pelas famílias, e isto não só por imposição dos costumes, mas também por efeito de decisões administrativas,