O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE DEZEMBRO DE 1963 431

surge-nos tratado na lei como pessoa, se se quiser, presente ou passada.
Tudo quanto se deixa dito nos mostra a razão por que a maioria dos autores, se bem que apegados à concepção do cadáver como coisa, verse os problemas respectivos não a propósito das coisas, mas dos direitos relacionados com a personalidade.
E essa é, precisamente, a conclusão a que devemos chegar seja qual for a natureza atribuída ao cadáver, visto isoladamente, o regime jurídico dele só é compreensível quando integrado no conjunto dos problemas morais e jurídicos suscitados pela personalidade humana e por toda a sua projecção na ordem jurídica.

9. IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES DO TRATAMENTO JURÍDICO DO CADÁVER COM A CONSTRUÇÃO JURÍDICA DA PERSONALIDADE, MOTIVO POR QUE NÃO PODE PROCEDER-SE AQUI AO ESTUDO DESSA MATARIA - As considerações feitas no número antecedente mostram-nos que, paia o estudo rigoroso e completo do cadáver, poderia ter muito interesse procedei-se ao prévio desenvolvimento de toda a problemática jurídica da personalidade, nomeadamente no tocante aos chamados direitos de personalidade, aos direitos da pessoa sobre o próprio corpo e aos direitos sobre a pessoa de outrem.
São bem conhecidas as controvérsias que tais problemas têm levantado, e as incertezas e dificuldades que hoje imperam em toda esta matéria. Esse estado da doutrina só revela, a nosso ver, a grande importância dos problemas em causa se pudéssemos tomar a letra a asserção, feita pelo Prof. Cabral de Moncada (23) acerca deste tema, de que tudo se pode sustentar quando se trata de construções puramente teóricas como estas, ou sequer pudéssemos dizer com De Cupis (24) que se trata de um problema de construção dogmática, de interesse essencialmente teórico, e que, quando se tenha clara consciência dos fins práticos do direito, logo se advertirá nos limites da importância de tais problemas - se pudéssemos subscrever estas afirmações, nem sequer deveríamos fazer aqui qualquer referência aos problemas em questão.
Infelizmente o tema não nos pareço assim tão desprovido de interesse e de projecção prática.
Tal como a Eltzbacher, também a nós parece incompreensível que o direito se ocupe da categoria do ter e despreze a do sor (25) - que o direito proteja o homem naquilo que ele tem, e o abandone naquilo que ele é.
E, convictos, como estamos, de que a eticidade - e com ela, a juridicidade - pertence à própria essência do homem e de que, portanto, o direito não ó simples superstrutura artificialmente sobreposta à realidade, como veste que possa talhar-se ao sabor da moda ou do capricho individual, não oremos que a missão do jurista seja apenas a de erguer construções lógicas estranhas à realidade, como quem compõe figuras geométricas com peças separadas umas das outras, a elaboração doutrinal destina-se a revelar a verdade jurídica, e, ainda que esse fim possa sei demandado por meio de técnicas diferentes ou por linhas de pensamento variáveis, o objecto em si não muda e nele há-de residir o critério para apreciar os resultados obtidos.
O problema tem tanta mais acuidade quanto não basta, em questões deste tipo, destrinçar o verdadeiro do falso, como sucederia em muitos sectores das, ciências positivas o homem não é apenas um ser natural, mas também cultural - as ideias, os hábitos, os exemplos, incorporam-se no seu sei e condicionam-lhe o comportamento, por isso os erros, em matérias deste género, uma vez difundidos e assimilados, adquirem realidade interna, instalam-se na vida do homem como vírus que lhe altera os tecidos ou neles provoca reacções anormais, e frutificam em modos de procedei contrários à realidade profunda da personalidade.
E, bem a nosso pesar, temos de reconhecer que é isto o que se tem passado com o tema que nos ocupa.
A teoria dos direitos sobre a personalidade tem estado entregue a toda a espécie de abstracções e ao mais intenso tecnicismo. Daí aquelas infindáveis controvérsias, em que a distância se aduzem os mesmos argumentos sem se consegui convencer os adversários, daí, também, aquela estranha tendência para se assimilarem realidades que o senso comum impõe como diferentes, ou para cindir outras cuja essência é manifestamente unitária - para cindir até o próprio homem, não obstante a unidade essencial do seu sei.
Não admira, pois, que Windscheid, posto que só em razoo de os conceber como direitos absolutos, aproxime perigosamente os direitos sobre a pessoa própria dos direitos leais, e diga que a vontade é decisiva quanto a pessoa própria como nos direitos reais o é quanto a coisa (26). Nem que Rogum vá mais longe e sustente que os chi eitos reais e os potestates têm a característica comum de serem poderes sobre entes considerados como coisas mortes, os homens, objectos das segundas, são atingidos por elas com abstracção da sua alma - os direitos de potestade e de família (que para este autor constituem os direitos sobre a pessoa de outrem, isto é, sobre pessoa alheia) recaem no homem encarado como coisa, e não suo mais do que direitos reais, especializados pelo seu objecto(27). Nem sequer que Carnelutti ainda seja mais ousado, e afirme que o homem funciona umas vezes como pessoa e outras como coisa, e que esta última é a posição dele quando objecto de direitos sobre pessoa própria ou sobre pessoa alheia (28).
Toda a distância que possa mediar entre estes autores, seja quanto ao valor relativo deles, seja quanto ao estado de adiantamento da doutrina jurídica nos lugares e tempo onde escreveram, só serve paia acentuar como neste terreno movediço podem brotar as mais estranhas e perigosas ideias Perigosas, sim, pois - por inócuas que sejam as intenções dos autores e por mais restritos que se apresentem os sectores em que eles se movem - é óbvio que as teses deste tipo criam um clima próprio para a prática evoluir efectivamente no sentido de o homem deixar de ser homem e passar a sei visto, na realidade, como coisa.
E a prática não se tem feito rogada. Muito longe, embora, de se descortinar qualquer nexo de causalidade directa entre cada opinião e cada facto, a verdade é que, paralelamente às hesitações e malabarismos da doutrina, as ideias correntes e os factos da vida prática têm agravado consideràvelmente a situação do homem dos direitos sobre a pessoa própria, baluartes da segurança individual, passou-se ao poder de dispor do próprio corpo e a tendência para legitimar os contratos mais estranhos e para mercadejar com o próprio corpo, e dos direitos sobre a pessoa alheia, restritos a aspectos essenciais da sociedade e do homem, degenerou-se para toda a espécie de aproveitamentos ou utilizações do homem como simples objecto.

_________________

(23) Ob. cit., vol I, nota n.º 2 à p. 74.
(24) I Diritti delia Personalita, p 26
(25) Die Handlungelahighet, I, 1901, p. 310, criado por De Cupis, ob. cit., p. 24.
(26) Diritto delle Pandette, od e vol cits , p 177
(27) La Règle de Droit, F Rouge, Libraire-Éditeur, Lausana, 1889, pp 258 o 259.
(28) Toria General o del Diritto, 3.ª edição. Soc Ed del «Foro Italiano», Roma, 1951, pp 125 e segs Mais adiante (infra, nota 85) daremos uma notícia mais completa desta teoria