1030 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 81
2. Não é esta a primeira vez que a Câmara é consultada sobre diplomas de finalidade análoga à do projecto em análise.
Há cerca de quatro décadas - em 1935 - emitiu esta Câmara dois pareceres acerca de matéria muito próxima da que neste momento reclama a sua atenção. Tratava-se dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 1936, sobre as coligações económicas 2, que veio a ser publicada em 18 de Março de 1936 3. Adiante haverá ensejo de fazer mais detida referência àqueles trabalhos e a este diploma.
Em 1964, de novo foi presente à Câmara um projecto governamental sobre a defesa da concorrência 4. Chegou a ser designado o respectivo relator 5, mas, tendo o projecto sido entretanto retirado pelo Governo, não pôde o mesmo ser apreciado pela Câmara nem pela Assembleia Nacional. Em todo o caso, ao historiar os antecedentes do projecto em apreço, não deixará de ser feita àquele documento a devida referência.
3. Nos sistemas de economia predominantemente de mercado, como o português, a concorrência entre as empresas representa corolário lógico dos princípios da iniciativa privada e do direito de propriedade, em que assenta aquele sistema, e constitui, por isso, condição essencial do seu funcionamento.
Saber quais as formas que a concorrência reveste nas circunstâncias presentes da vida económica é questão que, neste momento, não interessa abordar. Importa sim, por agora, reter que, no mundo actual, a concorrência não se projecta apenas nos mercados internos, mas, cada vez mais, no plano externo, dada a crescente interdependência das economias nacionais, a expansão contínua do comércio internacional e o movimento irreversível para a integração de cada país em espaços económicos mais vastos.
Por isso, ao analisar a oportunidade de uma lei de defesa da concorrência, cumpre ter presentes, além dos condicionalismos próprios da economia nacional, que hão-de constituir os alicerces da regulamentação em causa, as realidades e experiências alheias sobre o assunto, bem como as obrigações eventualmente resultantes de compromissos internacionais, a fim de que a solução proposta, embora ajustada, como deve ser, às circunstâncias de ordem interna, não deixe de corresponder às exigências da vida internacional em que se integra.
Nesta perspectiva, examinar-se-á, sucessivamente: o panorama das principais legislações estrangeiras, as regulamentações internacionais aplicáveis e, por último, a experiência portuguesa na matéria.
§ 2.º
A defesa da concorrência nas legislações estrangeiras
4. As leis sobre "defesa da concorrência" - entendendo-se por esta expressão toda a gama de providências legislativas destinadas a prevenir e reprimir as várias formas de concentração do poder económico e os diversos tipos de
práticas comerciais restritivas - existem, hoje em dia, na generalidade dos países de economia de mercado 5.
Considera-se como nação precursora deste movimento legislativo, na época contemporânea, os Estados Unidos da América, com a Lei Sherman (Sherman Act), de 2 de Julho de 1890, seguida pela Lei da "Federal Trade Comission" e pela Lei Clayton, ambas de 1914, bem como pela Lei Webb-Pomerene, de 1918.
Na Europa, a publicação de leis contra as práticas anti-concorrenciais data, sobretudo, do período posterior à 2.ª Guerra Mundial. Podem, no entanto, encontrar-se antecedentes remotos de normas protectoras da concorrência segundo o conceito da época, nos antigos estatutos corporativos de alguns países, antes do advento do liberalismo;
Na Inglaterra, datam da Idade Média disposições regulamentares contra certas actividades restritivas da concorrência. No século XVII, os tribunais ingleses condenavam a outorga de privilégios monopolísticos pela Coroa. O "British Statute of Monopolies" foi publicado em 1624. E, no século seguinte, uma regra da common law estabelecia o princípio de que os acordos entre comerciantes para limitar produções, repartir mercados ou impor preços eram considerados "conspirações para restringir o comércio" (conspiracies in restraint of trade) e podiam motivar o pagamento de indemnizações aos lesados 8.
Em França, a lei de 1791, que suprimiu as corporações, proclamou a liberdade de comércio e indústria. Mas, no mesmo ano, outra lei proibiu aos que exerciam o mesma comércio ou profissão concertarem-se para defesa dos seus "pretensos interesses comuns". E o código penal francês de 1810 reprimia, no artigo 49, a especulação ilícita e a procura de benefícios que não resultassem da livre concorrência 9.
No mesmo sentido, e também já no século XIX, a legislação comercial e os códigos penais dos principais estados europeus continham, em regra, normas destinadas a combater os monopólios e a concorrência desleal.
5. Foi, no entanto, a partir de 1945, como acima se disse, que na Europa ocidental e noutros países se desenvolveu um rápido movimento legislativo com vista à publicação de diplomas específicos contra os abusos do poder económico, movimento a que não foi estranho o ambiente de renovada fé na liberdade de comércio e na livre concorrência gerado pela guerra, a par de certos factores de ordem social, e, do mesmo passo, a influência do exemplo americano na matéria.
O primeiro país a promulgar disposições actualizadas sobre a defesa da concorrência foi a França, embora apenas
2 Diário das Sessões, n.° 44, de 8 de Abril de 1935, pp. 931 e segs., e suplemento do n.° 66, de 20 de Janeiro de 1936.
3 Diário do Governo, 1.ª série, n.° 64, de 18 de Março de 1936.
4 Projecto de proposta de lei n.° 508/VIII, subscrito pelo Ministro da Economia, Prof. Doutor Luís Teixeira Pinto (Actas da Câmara Corporativa, n.° 90, de 7 de Janeiro de 1965).
5 O Digno Procurador Dr. Mário Malheiro Reymão Nogueira.
6 Uma excelente compilação das leis sobre defesa da concorrência em vigor nos principais países é a publicação da O. C. D. E., Guide de la législation sur les pratiques commerciales restrictives, 4 volumes, Paris, s/d. Veja-se também: O. C. D. E. Résumé comparatif de législations sur les pratiques commerciales restrictives, doc. DAF/RBP/70.68, Paris, 16 de Dezembro de 1970, e ainda O. C. D. E., La puissance économique et la loi, Paris, 1970.
7 Os estatutos ou regimentos das antigas corporações de artes, e ofícios, em vigor nos principais países europeus entre o século XI e os fins do século XVIII, continham frequentemente normas reguladoras do exercício das profissões, bem como da produção e do comércio, fixando preços, garantindo a qualidade dos produtos, proibindo a acumulação de oficinas e locais de venda, reprimindo a concorrência desleal, etc., no interesse não apenas dos profissionais, mas também dos consumidores. Veja-se, a este respeito, Prof. Doutor Pires Cardoso, Corporativismo, Lisboa, 1950, vol. I, p. 77 e segs.; Prof. Doutor Soares Martinez,
Manual de Direito Corporativo, 2.ª edição, Lisboa, 1967, P. 25.
8 O. C. D. E., Guide de la législation, cit., vol. IV; La puissance économique et la loi, cit., p. 13.
9 O. C. D. E., Guide, cit., vol. II.