1032 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 81
nadas da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Irlanda, Luxemburgo, Noruega, Suécia e Suíça 16.
7. Depreende-se desta classificação que os métodos ou sistemas fundamentais a que obedece a disciplina das situações lesivas da concorrência podem resumir-se essencialmente a dois: a) o método da condenação a priori dos acordos e posições dominantes, seja qual for a sua forma e independentemente da averiguação dos resultados da sua actividade, ou método preventivo, fundado sobre a estrutura do mercado 17; e b) o método da licitude, em em princípio, das diversas modalidades de organização das empresas, intervindo as autoridades competentes apenas para reprimir as práticas restritivas da concorrência que lesem o interesse geral. É o método a que pode chamar-se correctivo, baseado sobre o comportamento dos agentes económicos 18.
Nesta ordenação bipartida dos sistemas legislativos, dir-se-á que os países do 2.° grupo adoptam um critério misto, aplicando a fórmula "preventiva" a certas estruturas empresariais (acordos, concentrações, monopólios) e a "correctiva" a determinados comportamentos abusivos.
A estes dois critérios básicos se reporta, aliás, o preâmbulo do projecto, ao mencionar os sistemas do "dano potencial" e do "dano efectivo" 19 ou, para usar terminologia da jurisprudência norte-americana, os sistemas de per se condemnation e da rule of reason 20.
8. Após este rápido esboço de direito comparado, convirá tentar fazer um juízo muito genérico acerca das legislações percorridas, tendo em vista os critérios em que se baseou a respectiva classificação.
O sistema do dano potencial ou da intervenção preventiva, fundado sobre a estrutura do mercado, tem, como se viu, as suas raízes na legislação anti-trust americana e explica-se perante o condicionalismo próprio da época e do país em que surgiu. Viviam-se então, muito intensamente ainda, os ideais do liberalismo económico, da concorrência pura e da livre empresa. Nesse ambiente processava-se o desenvolvimento espectacular da economia americana, a expansão industrial e dos transportes, a abertura de mercados de dimensão continental.
A formação de grandes coligações monopolísticas, dominando a produção e o comércio de muitos bens e serviços essenciais, por vezes com manifesto abuso do poder económico, provocou intensa e generalizada reprovação pública e levou o Governo Federal a procurar reprimir enèrgicamente tais abusos.
A Lei Sherman, de 1890, reflectiu semelhante estado de espírito. Isso explica a sua condenação apriorística de todas as formas de concentração do poder capitalista ou tomadas de posição dominantes na actividade económica.
Os restantes países que aplicaram o sistema do dano potencial, embora limitado, em regra, aos acordos, coligações ou "ententes" - França, Inglaterra, Alemanha - são igualmente países de grande desenvolvimento industrial, pouco dependentes do comércio externo e nos quais o movimento de concentração industrial tivera influência preponderante na respectiva estrutura económica. Daí a tendência para seguirem na esteira da legislação americana 22.
9. O sistema do "dano potencial" ou sistema preventivo assenta numa concepção acerca dos benefícios da concorrência pura que já não corresponde às condições em que na generalidade dos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, se processa em nossos dias a actividade económica.
Efectivamente, o progresso tecnológico e as suas exigências em matéria de custo dos equipamentos, de volume de capitais, de qualificação dos quadros e, paralelamente de produção em série e de extensão dos mercados, conduz irresistìvelmente ao aumento da dimensão das explorações, a fim de se obterem as convenientes "economias de escala" e a correlativa redução de custos - numa palavra o aproveitamento racional dos meios humanos, técnicos e financeiros disponíveis.
Tudo isto alterou profundamente a noção clássica da concorrência, baseada sobre o modelo teórico da presença no mercado de uma multiplicidade de vendedores e compradores, em perfeita paridade de poder contratual (atomicidade e fluidez do mercado).
A concorrência no mundo dos nossos dias tende cada vez mais a ser uma competição entre unidades de dimensão técnica e econòmicamente viável, o que, frequentemente, confere ao mercado uma estrutura oligopolística e até, em certos casos, monopolística 23.
Neste contexto, não são, pois, as formas de organização empresarial ou de centralização do poder económico que em princípio, devem considerar-se lesivas da concorrência, mas sim os seus eventuais excessos abusos, isto é, as práticas que se revelem inconvenientes para o crescimento equilibrado da economia nacional e para
16 É típica deste agrupamento a lei belga, de 27 de Maio de 1960, "relativa à protecção contra o abuso do poder económico". Depois de definir, no artigo 1.°, o que entende por "poder económico", aquela lei estabelece, no artigo seguinte, que "há abuso, para os efeitos da presente lei, todas as vezes que uma ou mais pessoas, detentoras de poder económico, atentem contra o interesse geral mediante práticas que falseiem ou restrinjam o jogo normal da concorrência ou que entravem a liberdade económica dos produtores, distribuidores ou consumidores, assim como o desenvolvimento da produção e das trocas".
17 O. C. D. E., La puissance économique et la loi, cit., p. 209.
18 O. C. D. E., ob. cit, ibidem.
19 Estas designações são as utilizadas pelo Dr. Alberto Pinheiro Xavier no seu excelente estudo "Subsídios para uma lei de defesa da concorrência", Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 95, Lisboa, 1970.
Da limitada bibliografia portuguesa sobre a matéria é justo salientar, no aspecto económico, o bem elaborado trabalho do Dr. António Labisa "Política da concorrência - Algumas notas sobre objectivos e instrumentos", Gabinete de Investigações Económicas do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Lisboa, 1969; e, sob o ponto de vista jurídico, a dissertação sobre "Concorrência desleal" apresentada pelo Dr. Jorge Fernando de Castro Patrício Paul no Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de Lisboa, no ano lectivo de 1962-1963 (Coimbra Editora, 1965).
20 Bernini, ob. cit., I, pp. 2-3.
21 Eugene M. Singer, Antitrust Economics, Prentice-Hall Me., New Jersey,1968, pp. 3 e segs.: "Antitrust policy", escreve Singer, "has a heritage which in includes a distate for concentrated economic power groups, a respect for equality of opportunity and a hope for a strong productive economy." Veja-se também Perspectives on Antitrust Policy, editado por Almarin Phillips, Princeton University Press, 1965, e Richard. E. Low, Modern Economic Organization, editado por Richard D. Irwin, Inc., Illinois, 1970.
22 Não deve, em todo o caso, perder-se de vista que as próprias leis antitrust dos Estados Unidos admitem certas excepções à per se condemnation, em casos especiais. No mesmo sentido, a rule of reason utilizada pela jurisprudência americana tem moderado, como se disse, o rigor da lei.
As legislações europeias acima referidas também frequentemente inserem cláusulas de salvaguarda e excepções àquela regra geral. Cf., entre outras: lei alemã, artigos 2.° a 11.° e 16.º; lei espanhola, de 1963, artigos 4.° e 5.°; decreto francês de 1945, artigos 37.°, n.° 4, 59.° ter. e 62.°
23 Bernini, ob. cit., I, pp. 14 e segs.