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17 DE NOVEMBRO DE 1971 1035

produtos de substituição que, em virtude do progresso técnico, constitui ameaça permanente.
Por outro lado, os autores do Tratado de Roma parece terem permanecido fiéis à noção tradicional de concorrência, partindo do pressuposto de que no mercado europeu ainda continuam em presença uma pluralidade de empresas que oferecem o mesmo produto, com poder económico semelhante. Ora, tais pressupostos não correspondem já às realidades presentes e muito menos ao horizonte económico que se depara à Comunidade.
E conclui:
Toda a regulamentação rígida e abstracta à base de proibições está destinada ao fracasso, ou a servir de entrave à evolução das estruturas das empresas, determinada pelas necessidades económicas e técnicas 33.

No mesmo sentido, outro economista francês, o Prof. Jacques Austruy, observa não ser possível avaliar a priori os efeitos, favoráveis ou nefastos, de uma concentração ou acordo entre empresas. E é precisamente este equívoco acerca da natureza das ententes e dos seus efeitos que explica "o carácter sibilino das disposições do Tratado de Roma" 34.
Esta ambiguidade resulta do facto de o Tratado representar, no fundo, um compromisso entre duas concepções opostas: a dos que consideram que a Comunidade europeia deve formar-se pela via dos "mecanismos do mercado" e a dos que pensam dever ela, pelo contrário, ser construída mediante a criação das condições necessárias à sua integração 35. Ora, tal integração não pode deixar de ser "voluntarista" e esta pressupõe acordos entre empregas privadas, entre estas e os Estados, e entre organismos públicos 36.

18. A Convenção de Estocolmo adoptou, como se viu, fórmulas mais flexíveis e coerentes do que as dos tratados da C.E.C.A. e do Mercado Comum, em matéria de defesa da concorrência. Não perfilhou o sistema da proibição per se, antes se orientou no sentido de fazer depender as providências repressivas da verificação de prejuízos para o comércio entre os Estados membros e, apenas, na medida em que este venha a ser afectado com práticas ocorridas num desses Estados 37.

§ 3.°

A defesa da concorrência em Portugal

19. Do preâmbulo do projecto em apreciação poderia talvez deduzir-se não ter a regulamentação projectada antecedentes na ordem jurídica portuguesa, dado nenhuma referência lhes ser feita. Apenas, na parte dispositiva, se alude a legislação sobre delitos antieconómicos (base VI) e se revoga expressamente a Lei n.° 1936 (base XV).
Na realidade, já muito antes do advento do liberalismo, os regimentos das antigas corporações de artes e ofícios, tal como em outros países da Europa (ver supra, n.° 4), continham normas sobre o exercício das profissões, com vista a disciplinar a concorrência, entre os seus membros e a defender os consumidores ("para proveito do povo", como se dizia nalguns estatutos), em matéria de preços e de qualidade dos produtos 38.

20. Abolidas as corporações em 1834, e instaurado em Portugal o liberalismo económico, a tutela da livre concorrência foi relegada para a lei criminal. Efectivamente, o Código Penal de 1852 e, depois, o de 1886, consideravam delitos puníveis com multa certas práticas restritivas da concorrência. Assim, o Código de 1886, ainda em vigor, punia como crime de monopólio a recusa desvenda de "géneros necessários ao sustento diário" (artigo 275.°), bem como a alteração dos preços "que resultariam da natural e livre concorrência nas mercadorias, géneros, fundos ou quaisquer outras coisas que forem objecto de comércio" (artigo 276.°). E se o meio fraudulento usado para a alteração dos preços fosse "a coligação com outros indivíduos", o delito seria punível logo que houvesse começo de execução (§ único do citado artigo 276.°).

21. A Constituição de 1933 e o Estatuto da Trabalho Nacional, de harmonia com os princípios do sistema corporativo, estabeleceram normas gerais nesta matéria.
No artigo 8.°, n.°7.°, a Constituição inclui entre os direitos e liberdades individuais a de "escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio", consagrando assim, implìcitamente, o princípio da livre concorrência entre indivíduos ou empresas. E o Estatuto do Trabalho Nacional, no seu artigo 4.°, expressamente declara que "o Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação".
Além disso, ao enunciar os poderes económicos do Estado, o artigo 31.° da nossa lei fundamental, na redacção vigente, insere, entre eles, o de "defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário" (n.° 2.°), bem como o de "conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da produção" (n.° 3.°), "impedir os lucros exagerados do capital" (n.° 4.°), e "estimular a iniciativa privada e a concorrência efectiva"(n.° 6.°).
E no artigo 34.° acrescenta que "o Estado promoverá a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa, visando a que os seus elementos não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade e deles próprios..."
Dos citados preceitos constitucionais pode extrair-se, como princípio fundamental do sistema corporativo português nesta matéria, o de que o Estado reconhece a iniciativa privada e a concorrência efectiva como instrumentos básicos de progresso do País, desde que não conduzam a explorações parasitárias, a formas desregradas de competição ou a níveis de preços e lucros incompatíveis com os interesses superiores da economia e da justiça social.
A Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional deixaram, assim, para o legislador ordinário o estabelecimento das normas destinadas a dar execução àquele princípio fundamental.

33 A. Marchal, art. cit., pp. 855-874.
34 J. Austruy, "La réglementation des ententes et les pouvoirs compensateurs dans le Marché Commun", Revue Économique, Setembro de 1960, pp. 770 e segs.
35 A. Marchal, "Marché Commun et zone de libre échange", Revue Économique, Março, 1958, pp. 255 e segs.
36 J. Austruy, art. cit., ibidem, p. 790. Acerca da apreciação dos preceitos do Tratado de Roma em matéria de concorrência, pode ver-se também: "La C. E. E. face à la concentration des entreprises", Bulletin Économique de la Société Générale de Banque, Junho 1966, pp. 2 e segs.; "La loi antitrust européenne sur la sellete", in Communauté Européenne, n.° 128,Março 1969.
37 Dr. Alberto Xavier, ob. Cit., pp. 60-61.
38 Cf.: Prof. Doutor Marcelo Caetano, Lições de Direito Corporativo, 1935, pp. 34 e segs.; Prof. Doutor Pires Cardoso, Corporativismo, cit., pp. 89 e segs.; Prof. Doutor Soares Martinez, Manual, cit., pp. 35 e segs.