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1036 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 81

22. Nesse sentido, logo em 12 de Fevereiro de 1935 foi apresentado à Assembleia Nacional, por iniciativa do Deputado Dr. João Garcia Pereira, um projecto de lei (n.° 31)acerca das "concentrações económicas" 39.
O projecto autorizava o Governo a "dissolver as concentrações económicas de qualquer espécie ou ramo de actividade quando lhes reconheça uma acção contrária aos objectivos da mesma actividade" (artigo 1.°).
No parecer desta Câmara sobre o mesmo projecto, de que foi relator o Prof. Doutor Fezas Vital. 40, considerou-se que os abusos deviam ser reprimidos, mas não se condenou, em si mesmo, o fenómeno da concentração.
Lê-se no citado parecer:
A Câmara Corporativa não condena, em princípio, as coligações, generalizadas na economia actual e impostas tanta vez pela necessidade de corrigir os inconvenientes de uma concorrência desregrada, etc., e antes se convence de que a colaboração, em certos domínios económicos, e a formação de grandes empresas, noutros, representam um progresso da economia capitalista...

E mais adiante:

Supomos não errar escrevendo que é na tendência de certos complexos económicos, particularmente dos cartéis, para o monopólio, que se encontra a mais perigosa das suas actuações e que deve ser, portanto, contra os seus abusos de índole monopolista que o Estado, intérprete e supremo defensor do interesse geral, deve sobretudo precaver-se 41.

Na conclusão do parecer, a Câmara deu a sua aprovação ao artigo 1.° do projecto, com nova redacção, tendo, nomeadamente, substituído a expressão "concentrações económicas" por "coligações económicas", de modo a abranger todos os agrupamentos (trusts, grupos, cartéis) que "não destruindo a individualidade económica ou, pelo menos, a individualidade jurídica das empresas coligadas... podem por isso ser dissolvidos sem a concomitante dissolução destas" 42.
Da discussão do projecto e do parecer na Assembleia Nacional resultou a apresentação de uma "proposta de substituição" pelo Deputado Dr. Garcia Pereira, e de um "contraprojecto" pelo Deputado Doutor Artur Águedo de Oliveira.
A proposta de substituição acrescentava à faculdade de o Estado dissolver as coligações ainda a de "estabelecer uma fiscalização temporária ou permanente sobre as actividades económicas particulares -- cartéis, sociedades anónimas, trusts, etc. - com o fim de evitar os abusos do seu poder económico".
Por seu turno, o contraprojecto não falava em dissolução de coligações, mas considerava "ilegais todos os acordos, combinações e coligações de empresas que tenham por finalidade restringir abusivamente, sob a forma de monopólio, açambarcamento ou especulação fraudulenta, a produção, o transporte e o comércio dos bens de consumo". Noutra disposição sujeitava "ao mesmo regime e sanções os industriais, agricultores e comerciantes que, por meio de acordo, combinação ou coligação, provoquem um aumento exagerado nos preços dos bens de consumo essenciais à vida humana ou uma diminuição fraudulenta na qualidade dos mesmos bens".
Em novo parecer 43 com o mesmo relator, esta Câmara deu a sua aprovação, com emendas, à proposta e ao contraprojecto, os quais, depois de nova apreciação pela Assembleia Nacional, vieram a converter-se na Lei n.° 1936, de 18 de Março de 1936 44.

23. Em matéria de defesa da concorrência, a Lei n.° 1936 define os seguintes meios de intervenção:

Organização do regime de publicidade e fiscalização da actividade das coligações (base II);
Dissolução das coligações que actuem por forma contrária aos objectivos da economia corporativa (base III);
Ilegalidade dos acordos, combinações e coligações que tenham por fim restringir abusivamente a produção, o transporte ou o comércio dos bens de consumo, elevar ou baixar exageradamente os preços ou diminuir fraudulentamente a qualidade dos mesmos bens, sendo os promotores e contraentes punidos com multa e, em certos casos, também com prisão correccional (bases IV e V).

Destas bases depreende-se que o diploma se inclinou para um sistema de proibição ou de "dano potencial", embora mitigado pela referência expressa a determinados tipos de condutas ilegais.
Seguidamente, a base VI declara que "os crimes punidos nas bases III e IV serão julgados por tribunais especiais ou por tribunais ordinários determinados, conforme em decreto-lei for estabelecido, mas sempre, no segundo caso, com a intervenção de peritos competentes".
E acrescenta:

As disposições das bases acima referidas só entrarão em vigor após a publicação do mencionado decreto-lei.

É manifesto o lapso da referência à base III, pois nesta não se prevê nem pune nenhum crime. A remissão devia ser para as bases IV e V, e, consequentemente, só a vigência destas deveria ter ficado dependente da publicação do decreto-lei ali referido, que viria definir quais os tribunas competentes para o julgamento desses crimes 45.
Cumpre, assim, concluir que as bases II e III da Lei n.° 1936 devem considerar-se como estando em pleno vigor independentemente da publicação de diploma regulamentar, embora se reconheçam as dificuldades que, sem este diploma, teria a efectiva aplicação daqueles, preceitos. E também é certo que nunca chegou a ser publicado o decreto-lei previsto na base VI.

24. A Lei n.° 2005, de 14 de Março de 1945, ao promulgar as bases a que deveria obedecer o fomento e a reorganização industrial do País, definiu como objectivo fundamental o de se obterem dimensões das empresas que assegurassem a respectiva viabilidade técnica e económica. Para tanto, consignou como modalidades de reorganização, entre outras, a da "concentração de fábricas e oficinas em unidades fabris de maior rendimento económico e per-

39 Diário das Sessões, n.° 14, de 13 de Fevereiro de 1935, p. 263.
40 Diário das Sessões, n.° 44, de 8 de Abril de 1935, pp. 931 e segs.
41 Diário das Sessões, n.° 44, cit., p. 935.
42 Diário das Sessões, cit., pp. 934-935.
43 Diário das Sessões, suplemento ao n.° 66, de 20 de Janeiro de 1936.
44 Diário do Governo, 1.ª série, n.° 64, de 18 de Março de 1936.
45 Sobre esta questão, veja-se o bem elaborado estudo do Dr. Pedro Geraldes Cardoso, "Da actualidade da lei sobre coligações económicas", em Estudos Sociais e Corporativos, ano IV, Dezembro de 1965. n.° 16, pp. 65 e segs.