27 DE MAIO DE 1940 71
mais ou menos vasta e profunda, maior ou menor esplendor do culto, podemos apresentar perante o mundo, ao lado da identidade de fronteiras históricas, o exemplo raro da identidade de consciência religiosa: benefício extraordinário em cuja consecução se empenhou uma política previdente.
Da forma como despertámos para a independência, mito de religiosidade e de sentido político na luta contra o sarraceno, e da vocação apostólica e universal do catolicismo que nos estará no sangue nasceu, com o expansionismo das navegações, o ideal missionário. Pouco importa que alto pensamento de política comercial e marítima determinasse o escol dos dirigentes a buscar notas rotas e descobrir outras terras; o constante apêlo a evangelização dos povos, a par e passo das descobertas a da colonização, marcaria, senão a consciência religiosa do poder, ao menos a mobilização do sentimento público para facilitar a
empresa e tornar suportáveis, através do reconhecimento de alta missão espiritual, os sacrifícios que custara. Assim se compreende essa arrancada para a evangelização que multiplicava as forças das ordens religiosas e gerava novas cristandades; assim se compreende o espirito da nossa dominação e das relações com os indígenas, muito antes que se invocassem pela Europa as exigências do humanitarismo assim se compreende o afecto, a filiação espiritual de muitos povos e raças que não domina-mos já politicamente. Povo descobridor, povo colonizador, povo missionário - tudo é revelação do mesmo ser colectivo, demonstração ou desdobramento da menina política, nacional.
Quere dizer: não pode pôr-se entre nós o problema de qualquer incompatibilidade. entre a política da Nação e a Liberdade evangelizadora; pelo contrário, uma fez sempre parte essencial da outra.
Para quê a verificação deste princípio? Para saber se uma Concordata pode ser em Portugal apenas a conciliação precária de duas forças inimigas, a condescendência do Estado perante uma actividade indiferente à realização dos seus fins nacionais, ou a conjugação confiante de esforços para uma obra que, mesmo no sentido puramente humano, corresponde à vocação da Portugal no mundo e à sua principal directriz histórica.
II
Parece-me averiguado este ponto, e não teríamos pois daí dificuldades, se outras não pudessem, surgir da posição da Igreja ante as características, as necessidades, os interesses de um Estado moderno.
Roma não muda no dogma nem na moral evolociona lentíssimamente no culto; bastante pouco na organização interna e na disciplina. O Estado, por sua vez, quási desligado de princípios absolutos, adapta-se à variabilidade das circunstâncias, cede ás exigências dos tempos, alarga ou restringe os seus
fins, multiplica ou diversifica a sua acção, reforça ou relaxa a autoridade, e, se muito da sua actividade de hoje e passageira imposição da moda, muito corresponde também a necessidades reais da vida em sociedade, a aspirações irresistíveis do corpo social. Onde se poderá chocar esta expansão e volubilidade do Estado com a permanência do dogma e as posições tradicionais da Igreja.
O Estado tem-se visto forçado a condicionar cada vez mais a liberdade, dos indivíduos a necessidade e escopos colectivos; marca a cada passo mais e mais o carácter puramente civil da sua actividade; estende as suas exigências à formação do agregado familiar: reivindica a instrução e educação da mocidade; vigia ou dirige actividade intelectual: limita a propriedade redistribue as terras, requisita os frutos do trabalho: dá directrizes, normas, limites à economia da nação: regula o esforço, o descanso, o divertimento; por vezes
chama a si o homem, no complexo da sua personalidade; em corpo e alma, ideas e sentimentos, com exclusão da alguém, mais, como roda de máquina de que cie não pode libertar-se ou fugir; engrandece-se e diviniza-se: a sem nada que a limite pode apresentar-se como a mesma consciência, a força, a riqueza da nação. Há nestas concepções realidades e necessidades novas e há também, meras criações do espírito que a experiência costuma condenar e a história - grande coveira - vai enterrando em seu largo cemitério. Mas por vezes há mais do que isso - há o ataque a alguma cousa de superior: a verdade que resplandece sobre as contingências, à consciência humana que resiste a despojar-se de si própria, isto é, de inauferíveis direitos que derivam da natureza do espírito humano.
E certo que estes últimos pontos nada têm que ver, ou muito pouco, com a política e a organização do Estudo determinadas por muitas outras condições e circunstâncias que não só princípios abstractos; mas o conceito do homem e da sociedade, da vida e dos seus fins está no âmago da questão.
Quanto a nós, que nos afirmamos por um lado anti-comunistas e por outro
anti-democratas e anti-liberais, anti-liberais e intervencionistas, tom rasgadamente sociais quanto de nós exige o princípio da igualdade - de todos perante os benefícios da civilização; quanto a nós, três únicas questões podiam a meu ver tornar impossível o acordo, por tocarem em pontos essenciais da doutrina: o reconhecimento de uma norma moral preexistente e superior ao próprio Estado; a constituição da família a educação. A Constituição de 1933, com a clarividência que hoje podemos apreciar, arrancou o Estado português à tentação da omnipotência e da irresponsabilidade moral e permitiu atribuir à Igreja, na constituição dos lares e na formação da juventude, aquela parcela de mistério e de infinito exigida péla consciência cristã, e que só por arremedos vis poderíamos substituir. Ir além, abrindo mão de tudo mais, seria fechar os olhos a vivas realidades do nosso tempo; não ir até ali seria igualmente ter em menos conta o que f exigência de justa liberdade e necessidade da estrutura cristã da Nação portuguesa. (Vozes: - Muito bem, muito bem!). (Palmas dos Srs. Deputados e das galerias).
Se pois, com seriedade e boa fé, foi possível encontrar uma fórmula de respeito e colaboração entre um, Estado moderno equilibrado e a Igreja católica, devemos regozijar-nos - por nós, em primeiro lugar, depois também por contribuirmos para a solução de problemas postos com acuidade num mundo que se desagrega pela forca dos erros ou das armas e é preciso refazer «em espírito verdade» (vozes: - Muito bem, muito bem!): (Palmas dos Srs. Depurados e das galerias).
III
Toda a matéria, dos acordos sujeitos à apreciação da Assembleia se reduz, pode dizer-se, a três questões fundamentais: liberdade religiosa; organização missionária do ultramar português; garantia do Padroado do Oriente.
A que luz fui cisto e em que plano foi posto o problema de liberdade religiosa? A quem ler atentamente as disposições que se lhe referem, aparecerá com evidência ficar em liberdade condicionada apenas por exigências superioras de interesse o ordem, publica, pela escolha da formação patriótica do clero e pela escolha das mais altas autoridades eclesiásticas em condições de boa colaboração com o Estado. Nada mais se considerou preciso - nem certas incursões conhecidas do poder na vida da Igreja e das associações ou institutos