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76 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 80

Há que tentar uma experiência, e, ainda prestando em certo modo homenagem à tal lógica da desorganização individualista, deixou-se aos próprios nubentes a liberdade de optarem pelo divórcio ou contra o divórcio. Se casam religiosamente, optaram pela solução contra o «divórcio; se optarem pela solução-divórcio, não casam religiosamente.
É claro que a solução da Concordata é esta: quem depois da sua vigência casar catòlicamente não pode divorciar-se.
A disposição da Concordata que se refere à matéria foi propositadamente mal redigida - sou o primeiro a reconhecê-lo - para não deixar lugar a dúvidas.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, V. Ex.ª sabem todos que realmente não se atingiu o intento que se desejava.
Foi propositadamente mal redigida essa disposição, porque há lá um renunciarão onde a redacção pedia - renunciam.
Foi para que não se duvidasse de que só se aplicava aos casamentos católicos celebrados depois da Concordata que a disposição foi assim redigida.
Eu entendia, e entendo ainda, que para isso era suficiente renunciam; escreveu-se renunciarão e não obstante não se atingiu o intento que se desejava.
Não há dúvida, porém, de que só aos casamentos celebrados depois da Concordata a disposição se refere. Porque o fundamento da inclusão do divórcio é a renúncia e esse fundamento não existe quando nem sequer se podia renunciar. É indiscutível.
É indiscutível que foi isto que se quis e que é isto que está na disposição. Reconheço, porém, de boa vontade que a doutrina é o mais discutível possível.
Uma cousa é o que é, outra o que devia ser.

O Sr. Carlos Borges: - Então está bem redigida ...

O Orador:- Não. Está mau português. Se estivesse renunciam, que é o que eu entendo devia estar, a solução era a mesma, sem dúvida. Para evitar toda a possibilidade de dúvida redigiu-se mal.
Estou chegado ao fim das minhas considerações. Fico-me por aqui, Sr. Presidente, não sem referir à Assemblea um facto. E por êle concluirei.
Há dez anos um certo Ministro da Justiça, fazendo exclusivo trabalho de interpretação do direito vigente, publicou uma portaria na qual se considerava o toque dos sinos como um acto do culto público que não estava sujeito a determinada regulamentação. Isto foi há dez anos.
Correu pelo País, relativamente a êsse Ministro, um vento de ridículo que quási o chegou a asfixiar.
Não apoiados.
A cousa não tinha importância; mas foi bastante - repare V. Ex.ª, Sr. Presidente - para derrubar um Govêrno. Não foi só um Ministro, foi um Govêrno.
Há dez anos, depois de constituído êsse novo Govêrno, foi consultada a Procuradoria Geral da República sôbre se realmente a portaria consagrava o direito existente ou, ultrapassando a competência do Ministro, criava direito novo.
Eu, com a responsabilidade que quero assumir de professor de direito que estudou a questão, asseguro a V. Ex.ª que não podia haver dúvida nenhuma de que a portaria era pura interpretação do direito existente.
Pois há dez anos a Procuradoria Geral da República não pôde dizer isto.
Passados dez anos - vejam V. Ex.ªs como isto tudo está tam mudado - já não é uma portaria, é uma Concordata e um Acôrdo Missionário. É um trabalho em que aparece direito interno velho e direito interno novo, e na portaria não aparecia senão direito velho.
Não sei se os sinos deixaram de tocar; o autor da portaria é que não ouviu, de qualquer lado, nem da direita nem da esquerda, quaisquer palavras que significassem que os sinos deviam continuar a tocar ...
Tenho dito.

Palmas prolongadas da Assemblea e das galerias.
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Schiappa de Azevedo:- Sr. Presidente: serei muito breve. Não me proponho vir demonstrar o grande alcance político-social e, quero mesmo dizer, renovador da Concordata recentemente concluída entre a Santa Sé e o Govêrno Português.
Que contribuição poderia eu dar, após as notabilíssimas palavras do Sr. Presidente do Conselho, que ainda ecoam nesta sala, ao notável, direi mesmo, formoso parecer da Câmara Corporativa e ao brilhante discurso que acabamos de ouvir do nosso ilustre colega Dr. Mário de Figueiredo, bem mais qualificado do que eu para versar êste assunto?
Sr. Presidente: vim a esta tribuna tam sòmente para exprimir o meu voto e seus essenciais fundamentos, como sempre sincero, como sempre ditado pela minha consciência.
Também me senti obrigado a vir saudar daqui o Govêrno da Nação e exprimir-lhe as minhas felicitações pelo magnífico resultado obtido.
Englobo na mesma saudação os ilustres portugueses que tiveram a suprema alegria de ligar os seus nomes ao histórico e transcendente instrumento diplomático.
Mas de entre êles seja-me permitido especializar o general Eduardo Marques, ilustre Presidente da Câmara Corporativa, como tal nosso precioso colaborador, e que naquela qualidade tem prestado à Nação mais de uma vez relevantes serviços, como igualmente lhos prestou nas sinas funções militares, onde se revelou sempre um bravo e distinto oficial, e bem assim o nosso querido e distinto colega o Dr. Mário de Figueiredo, a quem todos nós tributamos uma grande admiração pelos seus dotes de carácter, pela sua brilhante inteligência e pelos seus dotes oratórios e cuja persuasiva eloquência cheia de lógica tanto tem contribuído para esclarecer espinhosos problemas com que bastas vezes temos de nos defrontar.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador:- Resta-me proferir umas breves palavras de justificação, quero dizer, de esclarecimento do meu voto.
Antes disso, porém, quero declarar que essas considerações não significam de maneira alguma uma profissão de fé religiosa. Creio que seria descabida neste lugar.
Uma das causas principais da impopularidade do partido detentor do poder quando se proclamou a República e de nunca ter conseguido criar raízes na alma popular foi, sem dúvida, e intolerante perseguição religiosa (em nome da liberdade!), que teve a sua expressão máxima na lei da separação, promulgada a breve prazo, após a sua subida ao poder.
Além das intoleráveis violências que a lei continha havia a perseguição directa a todos aqueles que patenteassem sentimentos religiosos.
Grave êrro psicológico, em que aliás têm caído outros estadistas de outras nações.
E chamo-lhe êrro porque é impossível esmagar a consciência humana, onde predomina sempre com mais ou menos intensidade um sentimento religioso - isto em todos os tempos e seja qual fôr a raça.