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27 DE MAIO DE 1940 77

Podem reduzir-se as manifestações externas pelo terror, o que por vezes dá aos demolidores das religiões a ilusão de que caminham para a sua almejada extinção.
É precisamente quando mais se afervora o sentimento religioso - é quando ele se vê confinado na própria consciência e por isso mais perto de Deus.
Ou mais cedo ou mais tarde não tardam êsses estadistas a aperceberem-se de que êsse ataque às consciências vem a ser a causa primordial da falência dos seus planos políticos, tam enérgica é a fôrça espiritual que irradia das almas opressas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A lei da separação tal como foi concebida primitivamente não podia viver, sobretudo num país cuja história chegou quási a atingir os limites do inverosímil, precisamente porque a sua epopeia foi realizada com duas grandes forças espirituais intimamente enlaçadas - o sentimento religioso e o amor da Pátria.
Progressivamente foram-se demolindo todas as arestas.
Foi, sobretudo, a legislação do Estado Novo que veio colocar a lei quási no mesmo pé da actual Concordata, no dizer do douto parecer da Câmara Corporativa, que muito judiciosamente faz notar que a principal virtude da Concordata foi ampliar extremamente o seu alcance, transformando a lei, de diploma jurídico interno, em instrumento jurídico internacional e, acima de tudo, sob a égide do chefe espiritual da cristandade.
Sr. Presidente: devo confessar que por vezes tenho preguntado a mim próprio se a obra feita no campo moral não estará profundamente distanciada da colossal transformação material realizada pelo Estado Novo.
Hoje já tenho uma resposta, e bem consoladora - dá-a a Concordata.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pela minha, parte, pelo que a Concordata deve realizar em benefícios para a nossa instituição fundamental - a família -, pelos frutos que não deixarão de se produzir na educação da gente portuguesa, no robustecimento do prestígio do Império Colonial, etc., pela minha parte, digo, considero a Concordata uma poderosíssima alavanca para o progresso e grandeza de Portugal.
Ainda há um outro aspecto no Acôrdo, e não é dos que menos me impressionou. Uma simples leitura dos textos deixa-nos imediatamente uma impressão nítida de que as duas Altas Partes Contratantes são de facto entidades de bem.
Vê-se o espírito de lealdade que presidiu às negociações, observa-se a nobre isenção da Santa Sé e o seu espírito de conciliação com relação às questões de ordem material.
Por todos êstes fundamentos é com o mais vivo prazer que eu dou o meu caloroso voto no sentido da ratificação da Concordata e do Acôrdo Missionário, assinados na cidade do Vaticano em 7 de Maio.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Palmas nas galerias.
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: depois das autorizadas palavras que foram proferidas pelo Sr. Presidente ao Conselho e pelos oradores que me antecederam eu teria desistido de vir, neste momento, a esta tribuna se, porventura, se tratasse de esclarecer uma Assemblea já suficientemente esclarecida.
Creio, porém, que a minha missão neste momento pode ser bem diferente. Não se trata de esclarecer a Assemblea, mas traduzir o sentir da própria Nação, que oficialmente representamos.
Só por isso vim a esta tribuna dizer algumas breves palavras.
Suponho que a expressão do sentimento da Nação em face da Concordata sujeita à apreciação da Assemblea não é indiferente ao valor do próprio documento.
A Constituição prevê esta manifestação através da Assemblea.
Reclama-a o objecto da Concordata, que toca nas mais profundas raízes da alma nacional; exige-a em certo modo o próprio sentir da Igreja, respeitadora da consciência pública das nações; e creio ainda que a exigem as nossas melhores tradições representativas.
Esta Assemblea recorda-me uma outra reunida na cidade de Lisboa há seis séculos e meio. Quero-me referir às Côrtes Gerais mandadas reunir por El-Rei D. Diniz para aprovar uma outra concordata, a chamada Concordata dos 4O artigos, que eu suponho, Sr. Presidente, ter sido um dos documentos mais notáveis das relações de Portugalcom a Santa Sé até ao momento em que foi assinada aquela que está agora sujeita à nossa apreciação.
Concordata notável essa pela solenidade de que foram revestidas as negociações. Foi negociada em Roma entre um grupo de prelados portugueses representantes dos interesses da Igreja e os procuradores de D. Diniz, presidindo como juízes três cardiais nomeados pelo Papa.
O acôrdo foi assinado no palácio do Bispo de Ostia em 7 de Fevereiro de 1286 e solenemente confirmado pela bula de 7 de Março do mesmo ano.
Pela cláusula 8.ª do acôrdo, a Concordata e a bula seriam aprovadas e recebidas em Côrtes Gerais convocadas especialmente para êsse fim. As Côrtes reuniram para aprovar.
Notável essa Concordata pelo seu objecto, as liberdades e imunidades essenciais da Igreja; mas notável sobretudo porque ela constituiu um instrumento de conciliação, que preparou a colaboração entre a Igreja e a Nação Portuguesa durante o largo período de cinco séculos, que foram dos de maior valor na nossa nacionalidade.
Podemos dizer que a paz e concórdia que trouxe aos dois poderes a famosa Concordata celebrada entre o Papa Nicolau IV e El-Rei D. Diniz apenas foi virtualmente quebrada pelo absolutismo césaro-papista do século XVIII, que entendia poder governar a consciência dos fiéis mesmo contra o soberano Pontífice; e mais tarde pelo regalismo político da Carta Constitucional de 1826.
Apesar de nesta a religião católica ser declarada como religião do Estado e da aparente concórdia e união legal entre os serviços públicos e os serviços religiosos, não era no entanto difícil descobrir na realidade uma desunião moral, uma verdadeira separação.
O regalismo político permitia-se impugnar as decisões dos concílios e fiscalizar a pureza da doutrina!
Esta suspeição preparou o sistema separatista que veio a ser imposto em 1911 à Nação Portuguesa. E aqui poderemos distinguir três períodos: o período de separação perseguidora, de 1911 a 1918; o período de acalmia oficial, de 1918 a 1926; o período de preparação da paz e a proclamação da paz entre os dois poderes, realizada pela Concordata que está neste momento à apreciação da Assemblea.
Como afirmou há pouco nesta tribuna o Sr. Presidente do Conselho, por esta Concordata se regressa de facto à mais lídima tradição da nacionalidade portuguesa em matéria das relações entre os dois poderes.