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DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 89

religiosa, reconhecendo assim a distinção entre os dois poderes.
Nos últimos tempos, do império romano a situação modifica-se algum tanto. No Império do Oriente, o imperador, embora reconheça a autoridade da Igreja, entende que a sua autoridade v superior e não consente que a Igreja publique medidas sem o seu consentimento: é o regime do césaro-papismo. No Império do Ocidente é reconhecida n autonomia cios dois poderes, mas o Papa declara o seu superioridade, pois diante de Deus é responsável pela própria pessoa do imperador.
No reino dos francos, os merovíngios manifestam a tendência de tomar para ai unia parte das atribuições da Igreja e Carlos Magno consegue submeter ao Estado a Igreja, a qual aceita esta submissão porque o imperador a defende por toda a parte. Os seus sucessores, porém, abusam destas concessões e querei u sobre a Igreja exercer rigorosa tutela. O princípio da liberdade da Igreja tomará, por isso, a dianteira das preocupações religiosas. A tese de Santo Agostinho, que defende a unidade de poderes, vai dominar durante a Idade Media. Mas como esta unidade só era possível pelo domínio de um poder sobre o outro a Igreja reclama a superioridade e obtém-na, no século XIII com Inocêncio III. A época esplendorosa desta autoridade política do Soberano Pontífice é marcada pela luta entre Bonifácio VIII e Filipe O Belo, e a história está cheia das benemerências desta situação jurídica, reclamada aliás pelo condicionalismo da época.
Vem depois o declínio do poder político da Igreja, poder que ainda exerce na divisão das possessões portuguesas e espanholas. Mas a destituição de Henrique VIII e os protestos contra os tratados de Westfália já não produzem efeito.
Os príncipes esforçar-se-ão por se libertar do poder da Igreja e marcar sobre o poder espiritual a sua superioridade.
O protestantismo provoca a rotura da unidade do mundo cristão. Mas embora Lutero defendesse arduamente o princípio do dualismo fie poderes, os príncipes protestantes apoderam-se, de farto da autoridade religiosa e negam praticamente a distinção entre a Igreja e o Estado.
O liberalismo político nascido do racionalismo - defendendo a soberania popular, nega a existência de qualquer outro poder superior e pretende submeter a Igreja ao Estado e aniquilá-la, para finar apenas o povo, único soberano, embora, em nome dos princípios da liberdade, reconheça aos indivíduos o direito de terem uma religião.
Como a tendência para a submissão da Igreja encontrou fortes reacções, caminharam os Estados para o regime de separação hostil, como termo intermédio paru a supressão da autoridade religiosa.
O socialismo, partindo do materialismo histórico, não reconhece na Igreja senão uma manifestação da infra-estrutura económica - manifestação que tende a desaparecer com a evolução da técnica da produção.
Foi neste ambiente geral de ideas que o Estado Português de 1910 decretou a separação hostil, com o firmo propósito de suprimir a autoridade da Igreja.
Mas o movimento de supremacia do poder civil pelo aniquilamento do «poder religioso tinha feito a sua época nos países não dominados pelo marxismo; e os Estados, depois da guerra de 1914-1918. reagem e realizam concordatas com a Santa Sé para delimitarem as esferas de acção de cada um dos poderes.
Sendo uma realidade incontestável mesmo para os não crentes - a existência da Igreja e o aumento sempre crescente do número de fiéis por todo o mundo, a única atitude razoável e o único regime sensato sem o do acordo mútuo entre os dois poderes para que se completem, se auxiliem e deixadas de parte lutas prejudiciais, sobretudo ao Estado, realizem obra de paz e de progresso.
Bastaria esta simples consideração para que déssemos ao Governo Português os nossos aplausos mais calorosas, não só por ter realizado este entendimento prestigioso para si próprio, mas também por ter tido a inteligência suficiente para se enquadrar no movimento são das ideas que dominam as nações civilizadas no momento actual, tendente a reconhecer os direitos das consciências e dos princípios morais em crise e que, só a Igreja tem força suficiente para defender e fazer finalmente respeitar.
Mas a Concordata. Sr. Presidente, não e uma inovação nas situações internas que vem criar. Tudo o que ela fixou, ou quási tudo já estava, determinado ou esboçado mi nossa legislação, e estava-o já certamente nos nossos costumes. O próprio reconhecimento da indissolubilidade do
matrimónio católico, que a tantos pareceu arrojada temeridade, mais não é do que o reconhecimento jurídico de um facto real: um católico não se divorcia. No dia em que o tenha feito por culpa própria repudiou uma das verdades fundamentais da sua fé e já não pode ser enumerado entre os católicos fiéis. Ao receber voluntariamente o sacramento do matrimónio repudia publicamente o divórcio e reclama por esse mesmo facto que o Estado lhe reconheça este repúdio e respeite os direitos da sua consciência.
A situação existente até agora era socialmente perigosa porque desacreditava o Estado e indisciplinava os indivíduos. O Estado afirmava que o único casamento legítimo era o casamento realizado perante o oficial do registo civil. Mas quási 80 por cento dos casamentos é feito perante a Igreja, e estes 80 por cento de portugueses não reconhecem validade ao casamento civil, considerando-o ilegítimo. E sendo certo, segundo confessa o Anuário Demográfico, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística c referente ao ano de 1937, «o aumento progressivo do número cie casamentos, religiosos», verificasse que um número sempre crescente de portugueses descria da tese do Estado, provocando assim o seu desprestigio:
Reconhecendo a validade do casamento religioso e a sua indissolubilidade, acabou o Estado com uma situação desprimorosa para ele próprio, satisfez a consciência católica da Nação «entrou, mais uma vez, na política de verdade, mais tio que nunca necessária hoje, num mundo que começa a prestar culto à força da mentira.
Não quem demorar a Assembleia com considerações desnecessárias. O País deve alegrar-se com a realização da Concordata e a Assembleia Nacional deve dar-lhe todo o seu apoio.
Por mim, como português e como sacerdote, alegro-me sinceramente. E minha alegria sobe de ponto ao lembrar-me que a Igreja foi generosa e grande renunciando aos bens que legitimamente lhe pertenciam e violentamente lhe foram arrancados, ao ver com que nobreza de ânimo não pediu nem um ceitil no Estado para realizar a sua obra de pacificação - dos espíritos e das consciências e bem da Nação.
Eu sinto-me orgulhoso, Sr. Presidente, ao afirmar nesta tribuna n glória dos milhares dos meus irmãos no sacerdócio que por esse Portugal além, nas mais remotas aldeias, servem a Pátria com dedicação e heroísmo, multando « fome dos corpos e a fome das almas, criando, com o seu esforço cotidiano e obscuro, a estabilidade da Pátria pela estabilidade das famílias e da disciplina, sem pedirem ao Estado nada daquilo que paru muitos deles seria necessário para não passarem fome.