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74 DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 89

Naturalmente ninguém ignora que a Congregação da Propaganda Fide, vista a sua missão evangelizadora, constituíra no ultramar português organizações missionárias independentes, organizações missionárias que prescindiam de qualquer contacto com o Estado Português. E, para marcar a importância de ordem internacional do Acordo Missionário, eu chamo para este último facto a atenção da Assemblea.
À Congregação da Propaganda Fide, que instalara em alguns pontos do ultramar português missões independentes que subvencionava e dirigia, missões independentes cujos missionários eram, cm geral, estrangeiros, porque' infelizmente não os havia portugueses (acabou--se com as casas de formação missionária em Portugal durante muito tempo), a Propaganda Fide, repito, representa, como direi, um dos dicastérios da Santa Sé.
Pois, não obstante, segundo o Acordo Missionário, no ultramar português só haverá, daqui por diante, missões católicas dentro da organização missionária portuguesa.

Vozes: — Muito bem, muito bem!
Palmas da Assemblea, a que as galerias se associam.

O Orador: — Isto quere dizer que a Santa Sé de boa vontade cedeu ao Estado Português uma competência que é de uma das congregações em que está dividida a organização do Vaticano. Isto quere dizer que a Santa Sé, cujo espírito de evangelização todos hão-de reconhecer, . . .

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — . . . reconheceu por sua vez que eram tais as qualidades missionárias do povo português que entregou a este toda a organização missionária católica.

Vozes: — Muito bem, muito bem!
Palmas da Assemblea, a que as galerias se associam.

O Orador: — Todos, Sr. Presidente, depois destas considerações, reconhecerão a importância que pode ter para Portugal a afirmação oficial feita pela Santa Sé, através do Acordo, da vocação missionária do Estado Português.
Quero acrescentar, além disto, que o Acordo Missionário é — como direi — uma peça original na vida de relação da Santa Sé com os Estados. E não resisto à tentação de, desde já, fazer uma alusão fugidia ao modo como se organizou o Acordo Missionário.
Aqui, foi o Sr. Ministro das Colónias quem, depois de ter conversado, com o interesse particular que a obra das missões lhe despertava na alma, depois de ter conversado com os nossos bispos no ultramar, conseguiu organizar a série de disposições que constituíram a base da qual saíu o Acordo assinado em 7 do corrente mês.
Sr. Presidente: quero agora referir os princípios essenciais que dominam a (Concordata, e alguns deles ainda podiam ser aproveitados para marcar a sua importância.
A Concordata tem, por definição, em vista resolver questões de limites, limites entre dois poderes — que ambos se afirmam soberanos e têm um objecto idêntico, pelo menos o objecto mediato: o homem — o poder espiritual da Igreja, o poder temporal do Estado. Ambos têm por objecto, pelo menos mediato, repito, o homem.
Se os dois poderes têm o mesmo objecto, é natural que se encontrem no desenvolvimento da sua actuação. E, encontrando-se, é natural que entrem em conflito.
Todos sabem, Sr. Presidente, que o conflito não é de hoje nem de ontem: é de todos os tempos; o conflito é eterno, e para êle se têm procurado, histórica e actualmente, diversas soluções.
Há a solução da absorpção do Estado pela Igreja. O conflito resolve-se reduzindo os dois poderes a um único: o da Igreja.
O conflito resolveu-se assim historicamente, mas a tendência para o resolver actualmente é da absorpção da Igreja pelo Estado.
Nesta orientação deixa de haver dois poderes, e é', assim, impossível o conflito. Não se resolve um problema: elimina-se, estrangula-se.
É claro que nenhuma destas duas soluções é solução para a Igreja Católica; especialmente a última, a da absorpção da Igreja pelo Estado, nunca foi - solução pira a Igreja Católica.
Portanto, quanto a esta, há-de haver sempre um problema de limites, um importa resolver.
Como? São possíveis várias soluções. Uma delas será esta: a de resolver o conflito unilateralmente, instituindo através do direito interno um regime gravoso para a Igreja; e esta foi a solução de 1910.
As consequências da solução de 1910 conhecem-nas V. Ex.as para eu poder perfeitamente dispensar-me de lhes fazer mais do que a' referência que acabo de fazer.
Outra solução será esta: a solução da liberdade.
Mas a liberdade não é um processo de solução de conflitos. A liberdade não é um elemento de organização, e eu aqui por sistema de liberdade entendo sistema de sujeição ao direito comum.
Não há direito excepcional gravoso para a Igreja. A Igreja é uma instituição que surge no seio da sociedade como qualquer outra instituição e submete-se como qualquer outra instituição ao regime de direito comum.
Esta é a solução que eu chamo solução de liberdade.
Esta solução pode bastar nos países novos que estão a ser conquistados para a fé, nos países novos onde a Igreja, ainda se não apresenta como uma força bastante marcada para poder solicitar a atenção dos governantes.
Mas desde que não se trata de um povo que começa a ser conquistado para a fé, mas de um povo como o nosso, que nasceu já preso à Igreja e à fé, esta solução não parece admissível, e isto porque a Igreja tem uma posição muito marcada, porque tem uma autoridade muito grande no domínio das consciências, e naturalmente há a tendência ou para lha reduzir ou para lhe criar uma situação de privilégio. Há a tendência para a tornar inofensiva como força, reduzindo-a, ou para a converter em aliada, enchendo-a de privilégios.
Esta solução conduz ou ao esmagamento da Igreja ou, em certo modo, ao ingresso da Igreja na política.
Não parece que seja solução para o ponto de vista português.
Só nos fica então outra solução: é a solução em que o problema se resolve por acordo; e ainda aqui são possíveis duas orientações: ou se faz um acordo de associação ou se faz um acordo de separação.
No acordo de associação o Estado afirma uma religião sua; há uma religião oficial.
Nós tivemos este sistema no nosso Pais durante muitos séculos, e a verdade é que êle parece não ter deixado saudades nem à Igreja nem ao Estado.
O acordo de associações era inconstitucional.
Ponho o problema prescindindo da questão da constitucionalidade.
Não deixou — dizia eu — saudades nem à Igreja nem ao Estado. Não digo que não seja um sistema aceitável, mas a verdade, repito, é que não deixou saudades nem à Igreja nem ao Estado.