18 DE MARÇO DE 1944 257
adquiridas" também não haverá alguém que possa persistir com gerações marcadas por indeléveis estigmas hereditários, depauperadas, deminuídas no seu valor intrínseco - medíocres.
Há vinte anos a V Assemblea da Sociedade das Nações aprovou com entusiasmo um conjunto de normas atinentes à preservação e salvaguarda dêsse capital de prêço inestimável para a prosperidade dos povos e sua economia nacional, que é a criança.
Chamou-se a "Carta de direitos da criança" e, como todas as cartas escritas dentro do sentimento de dignidade e responsabilidade de quem as escreve, não foi
anónima; assinaram-na alguns países e Portugal firmou-a também.
Como muito bem o fez notar um dos mais ilustres apaixonados e autorizados defensores e batalhadores dos nossos problemas sociais - o Sr. Doutor Fernando da Silva Correia -, não precisamos de aprovar a declaração, feita em Genebra em 26 de Setembro de 1924, para "ter elementos legais e eficazes de protecção à infância, desde o berço".
Leis, obras de protecção infantil, algumas das quais, como o hospital de Santarém, remontando a 1321, provam que, desde sempre, pode dizer-se, só pensou em assistir às crianças da nossa terra e que, para elas, já antes do compromisso tomado na Sociedade das Nações, possuíamos medidas de protecção que, não poucas vezes, mereceram o aplauso dos países mais civilizados, quer antes, quer depois dessa data, e até mesmo de serem ulteriormente completadas por esclarecidos e bem ordenados regulamentos.
Pelo exame directo dos factos e constantes solicitações em favor da necessidade de criar e desenvolver uma profícua assistência infantil, deduz-se que as medidas em vigor nos códigos, embora consideradas perfeitas, não foram suficientes.
É que não basta só o frio articulado de leis infantis para valer às crianças e para as colocar ao abrigo dos perigos que traiçoeiramente as espreitam e assaltam a cada passo; é preciso que essas leis se actualizem e não estejam isoladas de outras medidas que possam suprir-lhes as deficiências e lacunas, cavadas pelas circunstâncias da constante mutação social, e, ainda; que todas se completem por regulamentos elaborados para serem cumpridos e que haja penalidades rigorosas que lhes sancionem as transgressões.
Um só exemplo - o que se está passando com a lei que condiciona a entrada de menores nas casas de espectáculos, aqui votada em 1939, e que continua a ser letra morta, não obstante se ter verificado que da sua falta resultavam graves riscos para a infância.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Mas... não é tudo... Para que as leis vivam é necessário que haja devotados obreiros do campo social - bons técnicos sim, mas sobretudo técnicos humanitários e humanizados a quem se possa aplicar aquele cântico do profeta: "A misericórdia e a verdade encontraram-se; a justiça e a caridade beijaram-se". Se não os há de sobejo, dentro dêste espírito, é preciso descobrir-lhes as vocações, formá-los, para que trabalhem sob as mesmas directrizes, numa unificação de doutrina e princípios que, pela sua coesão, seja o segrêdo do êxito.
O Estatuto que estamos a analisar sintetiza a orientação a seguir no campo da assistência social.
Não é, como muitos erradamente o crêem lá fora, a resolução imediata de cada um dos seus casos individuais, é sim a idea mestra, o fio condutor de outros diplomas que hão-de seguir-se e que, pela sua pluricotomia, descerão então até às mais pequenas realidades.
Com a aprovação desta proposta, é bom advertir-se, não irão pois resolver-se já os problemas do pauperismo, da filiação ilegítima e de tantas outras chagas sociais que a cada passo ferem a nossa sensibilidade meridional e nos fazem apelar para uma "assistência social completa e perfeita", que logo resolva aquele caso - o nosso caso -, aquele que para nós de momento é urgente em merecer a atenção das entidades oficiais.
O que a proposta de lei pretende é - repito - "marcar o lugar" que a assistência social "deve ocupar no conjunto das actividades públicas e o sentido social do seu exercício, em ordem à maior perfeição da nossa estrutura política", conforme consta do relatório que a acompanha.
Satisfaz ou não esta proposta àquilo que esperamos de uma assistência social bem organizada, quando vemos os problemas de assistência à luz das suas verdadeiras necessidades e num absentaísmo de partidos, simpatias ou interêsses pessoais?
Antes de nos pronunciarmos vejamos os factos.
Dêles dependerá a resposta.
Sr. Presidente: no aspecto que trago à consideração da Assemblea, eis a crua verdade:
Em Portugal a mortalidade infantil é "fortíssima", segundo a classificação da S. D. N., a morti-natalidade assustadora. A baixa crescente da natalidade ainda mais, conforme se pode verificar no movimento fisiológico do anuário demográfico, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística em 1941, onde, em grito de alarme, se encontra escrito, ao apresentar a taxa do balanço populacional do referido ano, "acentuou-se a deminuição dos nascimentos e aumentou o número de óbitos".
Dentro do total dos óbitos é muito elevada a percentagem que diz respeito aos lactantes.
Como lògicamente deduz o parecer da Câmara Corporativa, êste número, acrescido do representativo dos nado-mortos, elucida-nos sôbre uma perda de crianças que corresponde a 18 por cento - quási um quinto dos nascimentos!
Das crianças que ultrapassam a meta da lactação quantas não sucumbem nos primeiros anos de idade? Não apresento cifras nem vou desenvolver cada ponto de per si: fá-lo com minúcia o parecer da Câmara Corporativa e, no espírito dos que o leram, ficou certamente bem vincada a idea de que, perante tais factos, é preciso mobilizar médicos, sociólogos e educadores e agir sem perda de tempo.
De facto assim é, mas vejamos ainda agir sob que forma, pois parece-me que não basta acarinhar crianças, edificar creches e lactários, desenvolver jardins de infância, abrir cantinas e dispensários, para ter resolvido o problema da assistência infantil em Portugal, para não enumerar outras obras de assistência infantil, visto serem estas em regra as mais gratas ao público, aquelas para onde mais se canaliza a generosidade particular e por cuja multiplicidade erradamente se julga resolver o problema da assistência infantil em Portugal.
Também são necessários sim, mas não são tudo; é preciso mais, um mais que é retrocesso, é preciso ir atrás - à família - e aí com afinco fazer a profilaxia e o tratamento da tuberculose.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Só no ano de 1941 êste terrível flagelo vitimou 12:454 pessoas, das quais 10:313 com lesões do aparelho respiratório. É preciso fazer a educação sanitária das famílias no que respeita ao perigo venéreo, mostrando-lhes as suas consequências e a necessidade de tratamento, e providenciar para que o sigam. Segundo o Professor Rocha Brito, o número de sifilíticos deve orçar por 600:000, só em Portugal.