258 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 63
A p. 272 do livro Portugal Sanitário, do Dr. Fernando Correia, lá vem a classificação de sífilis como uma «das doenças mais espalhadas em Portugal».
Ao fazer assistência infantil é preciso ir até à família e ensinar-lhe o que é o alcoolismo, as taras que origina e estabelecer-lhe medidas de repressão.
Em suma: emquanto não forem supridas as deficiências do agregado familiar no que respeita à salubridade da habitação, à sua educação cívica, moral e higiénica; emquanto não forem depurados os seus costumes, resolvidos os seus problemas económicos, não terá alicerces o lindo edifício das obras da assistência infantil em Portugal e nunca poderá ser completo o rendimento social nelas colhido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - A criança que passou o dia na escola, ou em qualquer outro abrigo, limpinha e asseada, sente-se mal à noite, deitada numa enxovia e mal coberta. Quem sabe até se não irá perdendo algo da imunização adquirida para os agentes patogéneos do seu meio!
De pouco servirá o lactário se a falta de iniciação puerícola da mãi deixar adulterar o leite aí recebido, não souber preparar um biberão ou cozinhar umas papas!
Como resistirão a educação recebida pela criança durante o dia e a sua saúde quando esta viver na promiscuidade de casas que mais parecem, formigueiros humanos e onde à noite, cheia de temor e fome, assiste ao doloroso espectáculo da embriaguez do pai ou ouve palavras obscenas e conversas impróprias entre a mãi e as vizinhas?
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - De que servirá o menino ir ao dispensário, ser cuidadosamente observado e aí gastarem punhados de dinheiro em radiografias, análises, medicamentos, se em casa nem sempre a mãi sabe -ou pode- prestar-lhe os devidos cuidados, porque, na sua ignorância, dá mais crédito aos conselhos das vizinhas do que às prescrições do médico, porque o salário do chefe da família não chega para suportar sozinho os encargos do lar, porque está doente ou desempregado, sem qualquer espécie de previdência, e a mãi se vê obrigada a abandonar os filhos, e então ir ela angariar-lhes o pão que escasseia?
¿Vem isto a propósito, Sr. Presidente, para dizer que em tais circunstâncias se devam afastar os filhos de casa, pondo-os exclusivamente ao abrigo dos mais variados tipos de obras de assistência infantil actuais e futuras?
De forma alguma. «Se nada substituo o leite e o coração materno», como só afirmou num congresso de assistência à infância, por melhor e mais perfeita que seja a instituição de assistência nunca substituirá cabalmente a família.
A solução há-de - pela força das circunstâncias - ser esta: quando a família não estiver apta ao desempenho da sua missão, é mester colocá-la em condições de a poder e sabor cumprir - campo vastíssimo para o exercício da caridade e dos benefícios dás actividades assistenciais de iniciativa privada, que a todos os males, dentro dos princípios da solidariedade humana, deve procurar remédio, auxiliada pelo Estado, que, no seu papel supletivo, lhe remediará as faltas, as imperfeições sempre que a fisiologia da vida familiar e individual for alterada, a prevenção dos males deficiente, improfícua, impossível.
É, pois, «em ordem à família e aos outros agrupamentos sociais que toda a assistência deve orientar-se», e a infantil mais do que qualquer outra. E ir ao encontro da família não significa deminuí-la na sua dignidade própria nem suplantá-la. Assim como a sociedade familiar na sua autonomia tem deveres de inter-auxilio, também entre ela e o Estado há deveres e direitos que a este
- ao Estado - cumpre respeitar, porque lhe foram conferidos, pelo facto de a família «já existir», claramente definida e firmemente consolidada, «por direitos naturais, numa época em que o Estado apenas existia sob débeis formas - e como função da própria família - nas reuniões dos seus chefes». É a autoridade indiscutível de Guilherme Schmidt que o afirma. Não é um favor que o Estado faz à família quando se ocupa dela- é a prática de um dever de justiça social, pois é na família que se encontra «a fonte primária da conservação e desenvolvimento da raça» (artigo 12.º da Constituição) e dela «procedem» - além de outras virtudes - «os mais antigos fundamentos da autoridade para mandar, assim como da disposição para obedecer, duas condições sem as quais nenhum estado pode subsistir.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - O Estatuto da Assistência reconhece tais princípios e a eles subordina a sua doutrina - a única verdadeiramente aceitável por um estado cristão.
Sr. Presidente: ainda em ordem à criança, é necessário que, dentro da família, incida especial cuidado sobre a mãi - ser respeitável por excelência, onde todos os atributos da pessoa humana como que se divinizam só polo facto da comparticipação que dá ao acto da criação.
A assistência infantil nunca pode desinteressar-se da assistência maternal. São dois aspectos de um grande e único problema social; estudar e resolver um é ter quási estudado e resolvido o outro. A desarticulação do conjunto mãi-filho não é possível, senão vejamos:
¿Quais são as causas da morti-natalidade e da mortalidade infantil? Responde-nos ainda o parecer da Câmara Corporativa, para não me referir a mais documentos: «em 1940 em 6:573 crianças mortas com menos de um mês, 4:382 morreram pôr debilidade congénita, vícios de conformação congénitos e nascimentos prematuros. Perto de 6:000 crianças com menos de um ano - aproximadamente 25 por cento da mortalidade respectiva - sucumbiram ao perigo congénitos.
Porquê? preguntar-se-á.
Porque, salvo raras excepções, as suas mais foram vítimas do alcoolismo dos pais, dos maridos e dos irmãos, porque foram portadoras da sífilis ou outras doenças venéreas mal ou não tratadas, porque tiveram gravidezes ao abandono, sem cuidados de higiene e clínicos, sem a alimentação suficiente, porque nas classes menos abastadas, para não abandonarem a casa, o marido, os filhos, aí tiveram os seus partos a maioria das vezes sem quaisquer cuidados profissionais, assistidas por «curiosas», ou por si próprias, com risco da sua saúde, e às vezes até da vida, e logo se levantaram e andaram a pé, trabalhando e dando aos filhos seios flácidos, vazios, onde a fome e as canseiras minguaram e enfraqueceram o leite.
Os débeis, os prematuros, por falta da necessária assistência maternal ou dos cuidados das mais para com eles são vidas perdidas, como perdidas são todas essas vidas que por teorias ou práticas despopulacionais não chegaram, na verdade, a ser vida a florescer e são ainda perdidas as mais tenazes, as que, teimando em ser vida, saltando diques, fizeram tábua rasa da limitação dos nascimentos, germinaram, para afinal acabarem por ser assassinadas no «tabernáculo» da própria mãi.
O número de abortos é inapreciável - fazem-se clandestinamente, fazem-se abertamente, às claras, numa rendosa indústria, onde, infelizmente para a classe a que pertenço, se amalgamam médicos sem escrúpulos, parteiras, enfermeiras e não profissionais.
Quando os primeiros assim descem tam baixo, não cansa estranheza que estejam dispostos a salvaguardar o insucesso das manobras dos outros e - nos casos fatais - passem inocentes certidões de óbito!