18 DE MARÇO DE 1944 259
As vizinhas, as comadres e amigas calam-se por conveniência e o crime fica impune.
Só assim se explica que, havendo tantos abortos e as enfermarias de puérperas infectadas sempre cheias, os processos por crime de abôrto, julgados nos tribunais criminais, sejam tam poucos.
Em 1928, por exemplo, "foram distribuídos na comarca de Lisboa vinte e quatro, dos quais catorze se arquivaram, por falta de elementos de prova; um foi julgado, oito encontravam-se na fase de instrução e num outro caso a ré fôra pronunciada". Esta estatística, colhida no precioso livro do Professor Costa Sacadura O abôrto criminoso, pode ser confrontada, por isso a escolhi, com o número 764 representativo das mulheres que, nesse mesmo ano, deram entrada na Maternidade Magalhãis Coutinho por abôrto.
Segundo a estatística judiciária de 1940, nesse ano, em que os abôrtos continuaram a aumentar apenas incorreram em penalidades, por abôrto, 2 homens e 14 mulheres!
Nas estatísticas oficiais de óbitos matemos é difícil avaliar a percentagem real que os abôrtos ocupam dentro das variadas rubricas de acidentes da gravidez, complicações do parto, septicémias e infecções puerperais.
Numa estatística pessoal e recente, em 1:000 mulheres que observei referem-se 2:473 gestações anteriores àquela que levaram as mulheres à consulta. 262 dessas mulheres, ou seja 26,2 por cento, dizem ter tido gravidezes interrompidas por abôrto, num total de 485 abortos nâo contando com aqueles de que as mulheres, por serem muitos, dizem ter-lhes perdido a conta!
Apesar destas franquezas, esporádicas, das 262 mulheres que abortaram apenas 134, ou seja 13,4 por cento, confessam ter provocado manobras abortivas.
Se a justiça humana deixa impunes tais crimes, outro tanto não sucede com a natureza e, mais cedo ou mais tarde, a comunidade conjugal é sempre afectada, como veremos, às vezes até quebrada a sua união, em virtude de uma esterilidade subsequente.
Até nos países em que o abôrto legal está instituído, como na Rússia - para combater os perigos do abôrto criminoso, segundo dizem - e onde portanto, feito em hospitais próprios - os abortários -, a operação mutilante se reveste dos maiores cuidados de assepsia, deixa sempre sequelas graves que alarmam os médicos e sociólogos, quer pela baixa de natalidade que ocasionam, quer pela responsabilidade que a êles é atribuída na percentagem de nascimentos patológicos e doenças do puerpério, segundo Zomakion, Lapten, Kirillof e outros.
Zomakion vai até mais longe quando afirma que não há "processo algum de enfermidade do organismo feminino em cuja etiologia - ou origem - não desempenhe um papel importante o abôrto artificial". Nos países ocidentais e entre os mais ilustres nomes da medicina campeia idêntica opinião.
Lutar contra o abôrto e os profissionais de tal crime é, pois, lutar pela vitalidade da Pátria, pelo melhor bem-estar das famílias e impedir que os filhos, ulteriormente nascidos de tais mais, sofram, física e moralmente, dessa herança criminosa, desse acto ou actos, aparentemente individuais mas que, na realidade, são de tremenda repercussão social e pelas despesas de assistência que originam muito vão pesando também sôbre os encargos do Estado, sôbre a economia nacional.
Apoiados.
Considere-se o abôrto doença de declaração obrigatória, institua-se uma séria polícia de costumes, bem regulamentada, reforme-se a insuficiente brandura do § 4.º do artigo 351.º do Código Penal, e bem assim o seu artigo 358.º, criando enérgicas penalidades para tais crimes, especialmente quando o seu autor tiver responsabilidades profissionais, defina-se melhor o que é o crime de abôrto, e haverá mais camas livres e consultas menos pejadas de doentes nos serviços hospitalares, menos mulheres sempre queixosas e mal dispostas - verdadeira tortura dos maridos -, mais lares felizes, infância mais sadia e melhor natalidade em Portugal.
Emquanto não forem tomadas rigorosas medidas de repressão contra este flagelo, que assalta hoje todas as castas sociais, urge que nas diferentes modalidades dos serviços de assistência lhe prestem mais atenção e que nas várias obras de assistência à primeira infância se faça a profilaxia do abôrto, elucidando as mais contra os perigos que dêles podem resultar.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: em todas e55as obras deve intensificar-se a puericultura pre-natal, prestando à grávida a assistência que êsse estádio requere, tratando a mulher grávida nas suas manifestações mórbidas, alimentando-a, se preciso fôr, emquanto gera ou amamenta, socorrendo-a com agasalhos, obrigando ao cumprimento do que já se encontra legalmente estabelecido acêrca de trabalho de grávidas puérperas, intensificando a sua vigilância sanitária, criando-lhes, se possível, melhor situação económica na época em que, para repouso, devem ser obrigadas a suspender o trabalho.
Se a maioria dos abôrtos é fruto do egoísmo dos pais, alguns há feitos com receio da fome e do escândalo, muitos com medo dos senhorios, que se negam a alugar partes de casas e casas a famílias pobres com filhos.
Sob êste aspecto sofrem dolorosos transes as famílias numerosas - as que mais interessam à Nação: todos as repudiam e algumas conheço que têm dormido ao ar livre. Vêde todo o prejuízo que dai advém para as crianças! Para a deshumanidade desta atitude chamo a atenção de quem de direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Dizia eu que a protecção à mulher grávida que trabalha ainda é deficiente e os patrões exploram essa circunstância.
Quando a criança nasce redobram as atribulações da mãi, por ter que a entregar a mãos mercenárias. Não poucas vezes impõe-se o desmame, e, em regra, o menino, se não morre de enterite, por culpa da entidade patronal, que não permitiu que a mãi o amamentasse, é porque foi inscrito a tempo num posto de puericultura, em cujo orçamento fica a pesar!
Caberá no âmbito do Estatuto em discussão a resolução cabal de todos os problemas enumerados, de todas as deficiências apontadas? Julgo que sim.
O articulado das bases dá margem a todas as realizações práticas necessárias para ser possível orientar e dar execução à campanha de defesa da primeira infância há muito delineada e a que o Estado Novo está dedicando a melhor atenção.
Vários são até os diplomas que, através do Ministério do Interior, e quási todos partidos do Sub-Secretário de Estado da Assistência Social, se integram completamente dentro dos princípios que informam o Estatuto. Os óptimos resultados que se estão colhendo no campo a que êsses diplomas dizem respeito são a melhor prova de que o Estatuto há-de satisfazer às aspirações e necessidades prementes da assistência infantil. Alguns já aqui foram enunciados, por exemplo:
Decreto-lei n.º 25:936, que em 17 de Outubro de 1936 cria a Organização Nacional Defesa da Família;
Decreto-lei n.º 31:666, de 22 de Novembro de 1941, que insere as disposições atinentes à remodelação dos serviços de assistência;