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262 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 63

plexo e transcendente problema de interêsse nacional como é o da assistência social.
Enfrentá-lo, começando por definir prudentemente os princípios basilares, marca, sem dúvida, depois da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional, um dos objectivos de maior alcance no avanço glorioso da marcha da Revolução, que continua a pugnar pelo nosso "bem viver". E é, ao mesmo tempo, aluir os alicerces de um dos mais fortes pilares a erguer para a sustentação do monumento grandioso que ficará a transmitir ao futuro o anseio da nossa valorização pelo engrandecimento da Nação.
Desta tribuna, onde outrora brilharam fulgurantemente os nossos melhores oradores, seria uma afronta à sua venerável imortalidade ter a pretensão de proferir um discurso sôbre assistência social. Neste tema encontra-se incluída a caridade, onde a riqueza da linguagem, engalanada em seu maior esplendor, mais profundamente tem penetrado no coração humano e melhor tem levado as almas a receberem a luz e a graça da misericórdia divina.
Assim, limito-me a produzir o meu breve depoimento, que outra virtude não terá senão a boa intenção de bem servir ao colaborar neste debate.
Sr. Presidente: como introdução, começarei por reconhecer tratar-se de um assunto muito sério e palpitante no momento actual.
O próprio Govêrno já assim considera, porque desde há muito o vem estudando, como se deduz dos bem elaborados relatórios dos decretos referidos nos fundamentos da proposta, publicados, por necessidade urgente de reformas parcelares, sob a inspiração dos mesmos princípios e certamente em obediência a um plano de conjunto previamente concebido.
Também a Câmara Corporativa lhe deu particular relêvo ao firmar o seu excelente parecer de 25 de Março de 1943, com personalidade de pensamento, precedido de um extenso e circunstanciado relatório (peça-base de um plano nacional de assistência).
Dadas estas condições, deviam o projecto de lei sôbre o Estatuto da Assistência Social e aquele parecer ter sido publicados de modo a permitir por mais tempo uma cuidadosa reflexão.
Foi apresentado na sessão de 24 de Fevereiro findo e entrou em sessão de estudo em 4 do corrente.
Sr. Presidente: a assistência social é um dos capítulos essenciais da política social da Revolução e como tal não pode ser encarada fora do conjunto do seu sistema, que tem a dominá-lo o princípio corporativo: unidade moral, política e económica da Nação.
Assim nos diz o Estatuto do Trabalho Nacional, no seu artigo 1.º, como síntese admirável dos preceitos constitucionais informadores da doutrina:
"A Nação Portuguesa constitue uma unidade moral, política e económica", cujos fins e interêsses dominam os dos indivíduos e grupos que a compõem".
Deste princípio derivam os fins de ordem económica, política e moral definidos no artigo 2.º do mesmo Estatuto, e que é a reprodução do artigo 29.º da Constituição:
"A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelece uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre todos os cidadãos".
Na ordem económica, o máximo de produção e riqueza socialmente útil; na ordem política, poderio para o Estado, e na ordem moral ou fim ético, justiça entre todos os cidadãos.
A assistência social é uma consequência lógica destes princípios. No seu sentido mais amplo, hoje dignificado de serviço social (Estados Unidos, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Checo-Eslováquia e Suécia),
tem por fim assegurar a cada indivíduo o seu pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral adentro dos seus agrupamentos naturais. E, num sentido mais restrito, propõe-se não só auxiliar o indivíduo nos seus agrupamentos naturais quando são abaladas as bases normais da sua existência, como principalmente oferecer as condições necessárias à sua readaptação.
O homem não só tem direito à vida (artigo 8.º da Constituição) como tem obrigação de viver para servir os desígnios da natureza (Rerum Novarum).
Essa vida só pode ser digna e própria da sua qualidade de ser humano.
Mas o homem, para viver, tem de satisfazer as necessidades normais e permanentes da sua existência e, consequentemente, precisa do fruto do seu esfôrço para tirar dos recursos que lhe são oferecidos pela natureza o alimento bastante.
Daqui deriva o direito ao trabalho, o dever do trabalho e o salário suficiente (artigo 21.º do citado Estatuto).
Ao iniciar a sua vida, êle apresenta-se ligado pela sua natureza ao primeiro agregado ou célula social que é a família. De tal modo que sente adentro de si balbuciar a voz misteriosa do sangue a atraí-lo como íman forte e indissolúvel.
E o amor e carinho com que a Providência presenteará o homem e lhe indica que deve ser êste o seu rumo.
É na família que começa por encontrar os primeiros recursos que têm de estar à sua disposição, porque não está logo apto ao exercício da sua finalidade e depois no seu trabalho.
Alterada a normalidade do seu viver, pela falta dos meios de existência necessários, tem de estar presente a organização capaz de o fazer regressar à mesma.
É então o momento de surgir a actividade assistencial.
Mas a vida do homem não se interrompe e, abalado na sua saúde, não pode esperar pela actividade assistencial e, sim, esta deve resultar pronta e automàticamente da própria orgânica da sociedade - previdência e assistência.
"L'Assistance a cependant des racines profundes dans le coeur humain" remonta aos tempos primitivos da humanidade.
A fatalidade da sua necessidade impõe-se não só no princípio da sociedade como também existe entre certas espécies animais.
A história indica-nos a sua prática de carácter familiar na civilização antiga. Já em Antigona "se manifesta como uma forma de piedade filial".
Diz Fustel de Colanges que "antigamente, quando cada homem pertencia a uma gens e tinha o seu senhor, quási se desconhecia a miséria. O homem era sustentado pelo seu chefe; aquele a quem prestava obediência devia em troca ocorrer a todas as suas necessidades".
Só com o cristianismo aparece a dominar a moral a prática da caridade.
Na época de intensa devoção religiosa, como foi a Idade Média, encontramos desenvolvida a caridade em sistema de auxílio mútuo nas corporações e confrarias.
Pode dizer-se que foi S. Vicente de Paulo o fundador da assistência social, instituindo em 1620 a ordem religiosa que tinha a altruísta missão de fazer assistência no domicílio.
É curioso registar que entre nós tal idea já se executava com a ternura sublime da caridade cristã a partir de 1516, como se pode verificar no compromisso da Misericórdia de Lisboa, cuja fundação data de 1498, graças ao genial pensamento do frei Miguel de Contreiras, transformado em realidade viva pela virtuosa Rainha D. Leonor.