19 DE MAIO DE 1945
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as nações como entre os homens públicos, é às vezes um grande favor estar quieto, contanto que se seja atento e fiel. (Vozes: — Muito bem!) (Palmas). Não pode ser contestado que um interêsse positivo da nação aliada foi não nos envolvermos no conflito nem aumentarmos com actos de impensada dedicação as suas dificuldades, contanto que velássemos pela nossa própria segurança e respondêssemos pela segurança das nossas posições no Atlântico. (Vozes: — Muito bem!). Quando a situação estratégica mudou tam completamente os dados do problema que uma posição diversa era possível sem grandes riscos, já o tempo tinha de tal modo consolidado a situação inicial que, à falta de grandes interêsses — e todos estavam devidamente acautelados —, sentimentos de decoro, de dignidade, de humanidade se opunham a qualquer mudança. (Vozes: — Muito bem!) (Palmas).
E nem era necessário, sob o aspecto do funcionamento da aliança ou do jogo das nossas amizades, visto que não partilhámos nunca, e pelo que se lhes poderia referir, do conceito de uma neutralidade egoísta ou estéril. A guarda activa das posições-chaves do Atlântico, a concessão de bases nos Açores, com muitos outros serviços anexos e aliás recíprocos, a maior e melhor parte da nossa economia ao serviço dos aliados, o apoio financeiro, os transportes marítimos para além Atlântico fizeram desta neutralidade uma neutralidade colaborante. (Vozes: — Muito bem!). (Apresento o adjectivo como traduzindo a realidade, seja qual fôr a dificuldade dos internacionalistas em proceder à classificação). (Risos).
Do mais não há que falar. Quaisquer outros na nossa situação acolheriam refugiados, salvariam e agasalhariam náufragos, ajudariam a suavizar a sorte dos prisioneiros, enviariam donativos a necessitados, por dever de solidariedade humana e também para manter no mundo convulsionado por ódios mortais o que poderia ser chama, embora ténue, de caridade, antevisão, embora pálida, da justiça e da paz. Pena foi não termos podido fazer mais.
Não sei se diga alguma cousa das dificuldades e preocupações passadas no meio de um silêncio que nem sempre as traïria. E sem dúvida as houve.
Umas teriam nascido de um sentido porventura exagerado de independência, outras de uma noção porventura excessiva de correcção ou dignidade externa. Mas a principal fonte de dificuldades estava no choque, aliás natural e inevitável, de duas concepções — a do beligerante que pretende instituir e fazer aceitar o seu direito de guerra e a do neutro cuja situação só pode defender-se com o direito da paz. (Vozes: — Muito bem!). Não obstante, foi exactamente a adesão firme a êste principio - a guerra, não cria direito — que nos levou a não reconhecer nem conquistas, nem ocupações, nem govêrnos que não tivessem por si o cunho da legitimidade anterior, e a todos estes nos mantivemos ligados, mesmo quando reduzidos a pura expressão simbólica de uma soberania. (Vozes: — Muito bem!).
Por essa e por outras formas muitas dificuldades se resolveram, muitas. Agora alguns dos meus bons portugueses, precisamente muito amigos do seu sossêgo e comodidades, pretendem que tivéssemos estado na luta, assim como quem deseja neutralidade na guerra e beligerância na paz (Risos) — mas isto não pude consegui-lo. (Grande ovação).
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Finda a guerra, acabou também a neutralidade, e Portugal é, como outro qualquer, um País membro da comunidade internacional; nem a nós nem a ninguém é possível desconhecer o facto e deixar de tirar dele todas as conseqüências. Em virtude do critério seguido, e que deve ter a sua justificação, não estamos entre aqueles que se consagram, neste momento à delicada tarefa de definir o estatuto regulador da comunidade das nações. Nestas circunstâncias, somos o «homem da rua», que tem uma idea, porventura infundada, mas sincera. Os juízos que emitimos, menos que noutras condições, poderiam ser definitivos.
Rendamos em primeiro lugar homenagem às intenções com que tantos homens eminentes, ainda sob a impressão dos horrores acabados de viver, buscam ansiosamente normas de convivência entre as nações, consentâneas com a dignidade do homem, os interêsses da colectividade e a paz geral. Consideremos ainda a grandeza do empreendimento e a dificuldade de conciliar os interêsses divergentes opostos, de ajustar os particularismos egoístas e a solidariedade geral. Por fim, para tranqüilidade da nossa própria consciência, admitamos que na vida o óptimo é impossível e o absoluto também.
No entanto, parece que já se pode, sem grande êrro, deduzir do conjunto dos textos e declarações públicas um pequeno número de grandes princípios de orientação. Assim, admite-se como base da organização o princípio nacional, ou seja, a existência de nações diferenciadas, independentes e livres, organizadas em Estados soberanos e iguais. Ao mesmo tempo faz-se uma concessão à realidade da vida internacional em admitir, com base numa diferenciação de funções, um princípio aristocrático na direcção efectiva da sociedade. E para que desta forma se não resvale na constituïção de hegemonias exclusivas ou coligadas, não só a actividade das grandes potências é temperada pela de outras menores, mas entender-se-á que a sociedade tem de inspirar-se nas suas decisões pelo princípio da justiça devida a cada um.
Tenho no meu modesto passado tanta afirmação concordante com estes pontos que nem para ser agora original me atrevo a discordar. (Risos). Seja qual fôr a evolução futura das sociedades humanas, que convêm deixar entregues ao pendor natural das suas tendências e necessidades, as nações serão a perder de vista no tempo a base natural e mais simples de uma organização mundial. Nem federações artificialmente decretadas ou impostas, nem super-Estados hegemónicos com seus Estados-vassalos, nem organizações de interêsses em quadros acima das nações poderiam exceder em simplicidade, eficiência e colaboração pacífica uma organização dos agregados nacionais. (Palmas).
Assente e respeitada a igualdade jurídica dos Estados e a plena independência na direcção da sua vida interna, a outros, não a nós, pode parecer inaceitável uma hierarquia de interêsses, de valores, de sacrifícios ou de funções e conseqüentemente de responsabilidades. Se a vida internacional tem de ser coordenada e superiormente dirigida, tem não só de admitir-se com lealdade órgãos capazes de deliberar com rapidez e eficiência, mas que nas deliberações sejam parte os que mais podem ser afectados por elas.
Quem, como nós, proclama e aceita que o Estado é limitado pela moral e pelo direito achará que a sociedade internacional deve igualmente considerar-se limitada pelos imperativos de uma justiça superior. Ainda quando os homens errem na sua aplicação aos casos concretos, ao invocá-la rendem preito ao espírito de que são dotados e ao último fim da sua actividade na terra. (Vozes: — Muito bem!).
Até aqui julgo que só se sacrificou a novidade ao bom senso e que se não deseja fechar os olhos a algumas realidades, aliás palpáveis, da vida internacional. Simplesmente, ao buscar-se o caminho da colaboração amigável das nações, pode parecer a um estranho que a obsessão da segurança é maior que a preocupação da paz. E seria pelo menos necessário que a primeira não