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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 170
E isto é completado por uma série de medidas que tendem a desviar para o caminho de ferro parte do tráfego da concorrência de automóveis.
Em troca, o Govêrno promoverá, e espera, o aperfeiçoamento técnico e comercial dos transportes ferroviários.
Sr. Presidente: vejamos, em primeiro lugar, a posição do Estado.
Conhecem-se os prazos das actuais concessões. A mais valiosa — a do norte e leste — termina daqui a catorze anos, em Maio de 1959.
Qual é o valor desta concessão? Partindo da base das suas receitas líquidas, digamos nos últimos dez anos, e considerando que ela caduca e reverte para o Estado apenas com o pagamento do material circulante e que há-de haver aumento do tráfego por virtude da sua posição geográfica, além do natural desenvolvimento da vida económica que resultará de leis já aqui votadas e de outras, partindo de tudo isto, qualquer actuário pode calcular o valor da concessão durante o período a que aludi. Êle é muito grande, se traduzido em cifras.
Temos de considerar, porém, o sistema ferroviário em conjunto e sabemos haver outras concessões deficitárias no momento presente, tanto de via larga como de via estreita, que caducaram muito mais tarde do que aquela.
Duas cousas se podem dar: ou o País se não desenvolve e mantém a fraca, fraquíssima, circulação económica de agora e essas linhas poderão continuar a ser deficitárias, ou então, como tudo leva a crer, haverá sensível melhoria nas condições de vida económica, com aumento de tráfego, e essas linhas poderão vir a equilibrar-se e até dar lucro. E quem examinar o coeficiente de exploração, nos últimos anos, verifica logo que bastou um aumento de tráfego, relativamente pequeno em números absolutos, para, melhoria sensível no coeficiente de exploração, embora em certos casos haja necessidade de fazer correcções, no que diz respeito às despesas de manutenção, que podem ter sido insuficientes, mas que têm contrapartida em maiores despesas nos custos de materiais e outros por virtude da guerra.
Vê-se, pois, que o alargamento de prazos de concessões pode vir a dar-se nalgumas muito valiosas e noutras de muito menos importância, até agora francamente deficitárias. Mas pode também prever-se, neste último caso, a melhoria apreciável na exploração por virtude do desenvolvimento económico do País.
Essa melhoria será consideràvelmente acentuada se forem introduzidos os aperfeiçoamentos técnicos e outros há muito exigidos e que, com capitais obtidos por influência do Estado, podem agora ser realizados.
Assim, a primeira grande conclusão que se extrai do exame das condições em que vive o sistema ferroviário é que se torna indispensável, em qualquer projecto de remodelação, acautelar o interêsse do Estado, que é representado, em prazo de tempo curto, pelo valor da concessão norte e leste, que para êle reverte dentro de catorze amos, sem qualquer espécie de pagamento além do material circulante, e pelas suas próprias linhas, que hoje são exploradas em regime de arrendamento e, parece, com deficits avultados.
E a segunda grande conclusão é descobrir a fórmula que permita incluir em qualquer organismo ou sociedade exploradora do sistema ferroviário português, como comparticipação do Estado, o valor das concessões que lhe pertence, por virtude de contratos. O que equivale a transferir para o Estado, no fim dos prazos, os direitos e obrigações de linhas concessionadas.
Sr. Presidente: seguindo o caminho trilhado por outros países, a proposta aponta, como melhor meio de resolver o problema ferroviário, a concentração de todas as linhas e aconselha a fusão das actuais emprêsas. Admite, por isso, o princípio da unidade de exploração.
Parece ser idea de muita gente que esta unidade trará grandes economias. Em meu entender, e isso desejo acentuar, o que dela poderá advir não há-de corresponder às opiniões mais optimistas sôbre esta matéria. As economias que hão-de derivar da unificação, sem outras medidas, não resolveriam o problema. Êle é, como já disse, um problema de tráfego, de administração e organização e de finanças.
As próprias circunstâncias em que funciona o sistema ferroviário, a falta de ligação entre certos troços, a diferença de bitola de linhas independentes e outras razões reduzem os benefícios da concentração. Deve, porém, dizer-se que a rêde não é extensa — uns parcos três milhares e meio de quilómetros — e que é possível fazer economias na sua exploração depois de unificadas. Muitas ou poucas, elas ajudam a situação financeira. É, pois, de aprovar a unificação numa só emprêsa dotada dos meios financeiros indispensáveis ao reequipamento e a obras inadiáveis em muitos troços das linhas.
Mas isto leva-nos logo ao exame de outra disposição de alta importância contida na proposta de lei, que diz respeito ao financiamento das melhorias que é indispensável introduzir na exploração.
Não é fácil, Sr. Presidente, e pode até dizer-se ser impossível no momento presente, juntar os capitais indispensáveis à reconstrução e ao equipamento da rêde ferroviária sem auxílio do Estado.
As somas são vastas, podem alcançar cifras que se contam por milhões de contos a despender numa dezena de anos, e o regime das actuais emprêsas é deficitário na sua maior parte. Por outro lado, a mais valiosa das concessões deverá ser entregue ao Estado dentro de catorze anos. Se o principal e mais valioso instrumento de transporte passa para a posse do Estado em tam curto espaço de tempo e se os meios financeiros necessários para a melhoria da exploração são muito grandes e ultrapassam as possibilidades da iniciativa, particular, vê-se logo o papel de primeira grandeza e responsabilidade que compete ao Estado.
Êle deve entrar na nova aventura dentro de anos com o principal elemento de exploração — a linha norte e leste — e tem de entrar agora, directa ou indirectamente, com parte dos capitais necessários aos progressos exigidos, os quais se podem calcular em alguns milhões de contos, a despender em curto prazo de tempo. Há necessidade, por isso, de claramente acautelar o interêsse do Estado, tanto no que diz respeito ao método de transferência para a emprêsa exploradora unificada das concessões que venham a caducar como ao emprêgo dos dinheiros obtidos pela directa ou indirecta influência do Estado e sob sua, responsabilidade. Há vantagens, por isso, também em verificar qual o melhor meio de aplicar os capitais obtidos por interferência do Estado.
Em meu entender há um só — que é o delineamento de um plano minucioso, a executar em prazo de tempo largo, embora limitado, que estude e dê solução às questões de natureza económica, técnica e financeira suscitadas por um programa concreto de realizações.
E o financiamento dêsse plano só deverá ser uma realidade depois de reunidas todas as emprêsas numa única exploração, na qual o Estado irá ocupar o seu lugar, progressivamente, à medida que forem expirando as concessões.
Vozes: — Muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): — Como?
0 Orador: — Isso vem apontado no parecer; portanto, se V. Ex.ª se quiser dar ao trabalho de o ler...