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8 DE JUNHO DE 1945
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O Sr. Clemente Fernandes: — Sr. Presidente: a lei em discussão é sem dúvida das que mais interessam ao desenvolvimento do País.
Sem bons meios de comunicação não é possível desenvolvimento económico, o que justifica e explica o interêsse com que o País a aprecia.
A Câmara Política tem por obrigação traduzir as aspirações e necessidades dos povos, para, pesadas e medidas, discutir a forma de lhes dar realização.
Se a hora que passa, atenta a pobreza e penúria a que chegaram os meios de transporte, é, no dizer de alguns, o momento oportuno para definitivamente os orientar, eu, cheio de receio, talvez fôsse de opinião que melhor seria aguardar mais algum tempo, para, depois de conhecidos os progressos técnicos que a guerra nos proporcionou, melhor avaliarmos da solução do problema.
Como me falta a autoridade de técnico, não farei de tal modo de ver questão fechada o, concordando em princípio com a coordenação, direi ao de leve e sôbre alguns aspectos o que sôbre ela se me oferece.
Estão em causa o carril e o volante, e ao Estado, mesmo em matéria económica, não é indiferente a luta de classes ou emprêsas, pelo que lhe compete providenciar no sentido de conseguir o desenvolvimento de tudo quanto represente utilidade para a Nação.
É à luz dêste critério que o problema tem de ser visto, é em obediência a êle que a Câmara tem de se pronunciar.
Se o caminho de ferro representa uma massa de riqueza pública, que bem pode classificar-se das grandes valias do património nacional, a verdade é que essa riqueza e essa valia só para nós têm interêsse emquanto corresponderem às necessidades económicas do País, emquanto satisfizerem cabalmente o interêsse que o País tem de, por meio rápido, cómodo e económico, transportar pessoas e mercadorias.
No dia em que o progresso descobrir outro meio mais célere, no dia em que o progresso descobrir outro meio mais completo para neste capitulo satisfazer as necessidades da Nação, embora represente prejuízo sério abandonar uma grande riqueza, a realidade da vida impõe-nos a actualização, sob pena de cristalizarmos em situação que nos deprime, envergonha e depaupera.
Os defensores do carril, agarrados ao argumento de que foi com êle que nos encontrámos na guerra, pretendem valorizá-lo a ponto de lhe reclamarem situação de vantagem, que em meu modo de ver se não explica.
Isto não quere dizer que eu seja contra as medidas que tendam a conservá-lo e valorizá-lo, embora com sacrifício pecuniário da Nação, porque no momento que passa reconheço-o ainda necessário e útil, mas insurjo-me contra a idea de que essas medidas só serão eficazes se eliminarem a concorrência dos outros meios de transporte.
Ao carril compete o seu lugar e tem de lutar actualizando-se; à camionagem compete o seu lugar e tem de trabalhar desempenhando a função que a colectividade lhe reclama.
Sair dêste dilema e dar preferência legal a qualquer dêles significaria dar-lhe uma protecção que a Nação repudia, significaria comprometer o desenvolvimento da economia nacional.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — De facto, um olhar retrospectivo mostra-nos que não vai longe o tempo em que a maior aspiração local se traduzia em caminho de ferro à porta, e nesse sentido se orientaram a política, forças vivas e realidades económicas de então.
Hoje é outra a aspiração das gentes.
O progresso demonstrou que um outro meio de transporte, mais rápido, mais cómodo e até certo ponto tam eficaz, era capaz de substituir o velho mastodonte, a ponto de ao público proporcionar a vantagem de, com menor risco e mais celeridade, satisfazer as necessidades presentes.
E à aspiração do carril sucedeu-se a da boa estrada, porque ela, melhor do que aquele, lhe dava estímulo a que se desenvolvessem a agricultura, o comércio e a indústria.
O assunto é tam palpável e evidente que o próprio Estado abandonou algumas obras já iniciadas, muitas despesas já feitas.
Em raciocínio sereno, temos de reconhecer que muitos produtos só podem convenientemente circular desde que, mesmo em concorrência com o caminho de ferro, se permita e ampare a livre circulação da camionagem. Estão nestas condições o peixe, as frutas, as hortaliças e todos os géneros que fàcilmente se deteriorem. Continuam nestas condições todos os objectos que, não podendo transportar-se pelo caminho de ferro sem grave risco, vêem êsse risco muito atenuado ou eliminado fazendo-se o transporte com o cuidado, interêsse e carinho que no automóvel se lhes pode dispensar, já reduzindo ao mínimo os trasbordos, já caminhando de harmonia com as circunstâncias que cada caso especial aconselhe.
Contrariar estes princípios parece-me contrariar a ordem natural das cousas, pelo que não posso aceitá-los.
Se estes e idênticos argumentos servem para demonstrar a necessidade da camionagem, mesmo em concorrência com o caminho de ferro, em relação às regiões mal servidas por êste e onde êle não é capaz de satisfazer as necessidades actuais, o argumento colhe por maioria de razão.
De facto, só há concorrência onde dois ou mais elementos sejam capazes de, cada um por si só, satisfazerem as necessidades da região.
Por isso, embora em certa e determinada região haja caminho de ferro, se êste fôr insuficiente não podemos dizer que a camionagem lhe faz concorrência, pois ambos são precisos como elementos essenciais ao progresso o ao desenvolvimento económico da Nação.
Como, sabendo nós que no País há regiões em franco progresso e insuficientemente servidas do caminho de ferro, podemos admitir que venha a ser fixada uma regra imutável, um princípio que necessàriamente tem de levar à ruína quem quere trabalhar em benefício próprio e da colectividade?
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Trás-os-Montes, região afastada dos grandes centros de consumo, está presentemente servida por linhas de via reduzida, absolutamente incapazes de darem escoante às necessidades actuais, quanto mais às que o futuro lhe oferece.
De facto, antes e durante a guerra, no período da safra intensa, a linha do Corgo foi sempre insuficiente para, na época normal, exportar a batata da região, o que ocasionava grandes apreensões e maiores prejuízos.
No período da economia liberal, em que o preço se formava através da lei da oferta e da procura, a região nortenha, atentos os encargos com que a mercadoria chegava ao consumo, só podia ir buscar compensação para o seu produto — a batata — desde que com paciência esperasse que se esgotassem ou deteriorassem os stocks da beira-mar e conseqüentemente se pudesse verificar uma alta no preço que lhe pagasse o transporte e a perda em peso que é normal verificar-se.
Até então era antieconómico vendê-la.
Como, no geral, esta circunstância só se verificava de Dezembro em diante, necessário se tornava exigir ao