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9 DE JUNHO DE 1945
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acoimadas de terem descurado o necessário apetrechamento e de se encontrarem agora, mercê dessa incúria, em sérios embaraços para obviar às exigências do tráfego: Vamos demonstrar a sem razão destas críticas.
2. Referindo-nos apenas aos tempos modernos da Companhia, isto é, depois dos anos da primeira guerra e daqueles em que ainda se sentiram os efeitos dela, verificamos que a C.P. sempre distraíu, para melhoramentos nas instalações fixas e no material circulante, uma quantia avultada. Assim, despendeu com êsse propósito:
De 1920 a 1923 — 7,30 por cento da receita bruta de exploração;
De 1924 a 1929 — 12,60 por cento da receita bruta de exploração.
Isto é, quando os saldos líquidos lho permitiram, nunca deixou de empregar uma parte dêles, e não pequena, em benefício da sua rêde. E isto com sacrifício dos seus accionistas, aos quais, nesse mesmo período, que poderemos chamar florescente, se não deu o mais pequeno dividendo.
3. Conseguiu assim a C.P. pôr as linhas em condições de poderem circular nelas rápidos com velocidades similares às dos estrangeiros e em condições de segurança não inferiores. Uma das maiores autoridades em matéria ferroviária, Mr. Dautry, viajando no Sud-Express, exprimiu a sua admiração pela excelência da linha Pampilhosa-Lisboa e pela maneira como o serviço era feito, em nada inferior ao que se via lá fora.
Faziam-se três rápidos por dia entre Lisboa e Pôrto; um rápido diário para Madrid; dois rápidos por semana para a Beira Baixa; outro, também semanal, para a Figueira, pela linha de oeste; ainda outro por semana para o sul e sueste, e, finalmente, um rápido para Sevilha, via Badajoz, duas vezes por semana. O Sud-Express chegou a circular na rêde da C.P. com a velocidade comercial de 80km,64 por hora; no rápido do Pôrto essa velocidade também atingiu 63km,40. Mas em certos troços da linha, com perfis convenientes, a velocidade dos rápidos era, por vezes, de 110 quilómetros.
4. Para se fazer êste serviço, e com tais velocidades, era necessário que a linha estivesse em magnífico estado de conservação e as locomotivas e mais material circulante, mas especialmente aquelas, cuidadosamente reparados. Por isso se pode afoitamente afirmar que até 1929 a Companhia aperfeiçoou contìnuamente os seus serviços, como aliás era verificado por todos, quer nacionais, quer estrangeiros, que nas suas linhas viajavam.
5. A partir de 1929 — último ano de boas receitas — o quadro pinta-se com outras cores. Três factores concorreram para a mudança de situação:
1.° A crise que nessa altura começou por toda a parte a tomar maior incremento;
2.º O arrendamento das linhas do Estado;
3.° O desenvolvimento da camionagem.
6. Não podíamos nós furtar-nos aos efeitos da crise, nem a ela se furtaram emprêsas ferroviárias muito mais poderosas do que a C.P. Em vários países tomaram-se medidas excepcionais para a atenuar. Em Inglaterra fez-se a concentração das emprêsas em quatro grandes companhias; em França criou-se a Société Nationale, etc.
A C.P. estava nesse momento preparando, como seguimento de realizações anteriores, um melhoramento importantíssimo: a electrificação das zonas de tranvias dos arredores da capital — Lisboa-Sintra e Lisboa-Vila Franca de Xira. O projecto estava completo. A despesa com esta obra seria de 50:000 contos e traria para a Companhia um encargo anual, durante oito anos, de 1.250:000 francos suíços, fàcilmente suportável se as receitas continuassem a ser como anteriormente. A queda das receitas, que já andava à roda de 40:000 contos, fez com que a Companhia receasse tomar o compromisso de realizar êsse grande melhoramento. Não estava na sua mão criar receitas, pois não se pode inventar tráfego onde o não há, nem aumentar tarifas sem o acôrdo do Govêrno. Mas com estes importantes trabalhos a C. P. respondeu antecipadamente, sem o ter previsto, às críticas que ora lhe são feitas por não ter cuidado a tempo do aperfeiçoamento dos seus serviços.
7. O arrendamento das linhas do Estado, que a C.P. tomou mais por brio profissional do que na mira de lucros, foi outro desengano para a Companhia. Após quatro anos de saldos positivos — dos quais a C.P. não recebeu um centavo, pois a parte que lhe competia a entregou ao Estado — entrou no regime de deficit, de que até agora só saiu uma vez, em 1942. Como o Estado não permitiu o tribunal arbitral, nem a modificação do contrato, apesar de lhe ter sido solicitado, nos termos do mesmo contrato, a C.P. tem ainda por liquidar todos êsses deficits, que montam agora à cifra de 140:000 contos. A falta de tam avultada importância na sua tesouraria obrigou-a a contrair, empréstimos, cujos encargos lhe absorvem grande parte das receitas.
8. Mas o factor que mais prejudicou as emprêsas ferroviárias foi o aparecimento da camionagem. Não pròpriamente pela concorrência de um novo meio de transporte, que não pode nem deve ser contrariado, porque representa manifesta comodidade do público; mas pela forma como irrompeu, sem disciplina e sem método, parecendo que o seu fim era mais pròpriamente arruïnar-se a si própria e indirectamente os caminhos de ferro do que bem servir a economia nacional. Ninguém pareceu convencer-se de que a melhor maneira de servir o público é conseguir-se uma boa colaboração entre os caminhos de ferro e a camionagem.
Com as estradas modelarmente reparadas, a camionagem expandiu-se à larga; escolhia para si a mercadoria mais remuneradora e deixava para os caminhos de ferro os transportes das grandes massas de mercadorias, feitos a tarifas reduzidas, sangrando assim, numa larga medida, as receitas ferroviárias. Ninguém sabe a que ponto chegariam estas se a guerra, dificultando o abastecimento de pneus e gasolina, não fizesse paralisar, em grande parte, o transporte por estrada.
Muita gente ignora que as tarifas ferroviárias são estabelecidas tendo em conta vários elementos, entre êles o valor da própria mercadoria. Por esta razão a mercadoria pobre paga muito menos por quilómetro do que a mercadoria rica. A camionagem, que conhece, porque estão publicadas, as tarifas do caminho de ferro, só procura, em regra, os transportes da mercadoria rica, nos quais concede um pequeno benefício sôbre os preços do transporte ferroviário. Desta forma, se a camionagem não fôr submetida a uma regulamentação adequada, em futuro mais ou menos próximo será impossível ao caminho de ferro manter as tarifas da mercadoria pobre, por não ter a compensação que o transporte da rica lhe proporcionava. É por isto que na Bélgica, país altamente industrial, o director dos caminhos de ferro belgas, Mr. Rulot, disse numa conferência que o desenvolvimento excessivo da camionagem é um luxo que só podem permitir-se os países notàvelmente ricos.