572
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 171
9. A Companhia, porém, não obstante a crise em que se via envolvida desde 1930, pretendeu adquirir automotoras das melhores que no estrangeiro se fabricavam. Êste problema das automotoras seduziu-a desde o seu início, e por isso mandou lá fora, por mais de uma vez, estudar o assunto in loco. Foi assim que, em 1939, com o acôrdo do Govêrno, lançou duas encomendas, uma de 20 automotoras, à casa alemã Mann, e outra de 12 tractores para manobras com motores Diesel, à casa inglesa English Electric. E fê-lo só nesta data, porque, após longos anos de estudos, experiências e tentativas várias, se chegou então a tipos satisfatórios. Antes disso seria imprudente comprometer capitais em veículos de resultados incertos.
Se tivessem vindo essas automotoras, poder-se-iam fazer marchas com velocidades de 130 quilómetros à hora, pois tínhamos a certeza de que a linha, pelas suas condições de segurança, suportaria perfeitamente essas velocidades. Nenhuma destas encomendas pôde ser satisfeita, por ter rebentado a guerra em Setembro de 1939. Foi uma cousa que a C.P. não pôde prever: que a guerra rebentaria nesta data!
Por essa altura encomendaram-se 28 carruagens metálicas à casa americana Budd, do que havia de mais moderno nessa ocasião. Essas carruagens chegaram a tempo de ser utilizadas em transporte de passageiros para a Exposição do Mundo Português e prestam excelentes serviços, que o público muito tem apreciado.
10. Já depois da eclosão da guerra foram encomendados, em acôrdo com o Govêrno, vagões de vários tipos à casa Otto Wolff, de Colónia. Receberam-se mais de 800 vagões novos, que custaram 50:000 contos aproximadamente. Sem estes vagões não teria sido fácil dar escoamento a todo o tráfego excepcional que a guerra trouxe. É evidente que a Companhia não podia prever a guerra, e muito menos que a falta de pneus e gasolina faria regressar ao caminho de ferro o tráfego que dele tinha sido desviado para a camionagem. Mas teve a felicidade de conseguir preencher a falta de material com essa encomenda, e mais vagões receberia se as contingências da guerra não impedissem a casa fornecedora de concluir a nova encomenda que lhe fôra feita.
Além do material recebido de fora, como acima foi dito, a Companhia construiu automotoras, vagões frigoríficos e até uma locomotiva, saída há pouco das suas oficinas e já em serviço.
11. Quanto a locomotivas, foram encomendadas no ano findo vinte na América — dez destinadas ao parque da C.P. e dez ao da rêde do Estado — e, também para a rêde do Estado, foram encomendadas seis a uma fábrica espanhola. Das primeiras já foram recebidas duas, outras estão a caminho e devem ser recebidas todas até ao fim de Agosto; as espanholas estão ainda em fabricação atrasada, mas, em substituïção delas, receberam-se seis locomotivas reparadas, que nos foram cedidas por aluguer e que serão restituídas à fábrica quando vierem as novas. Todas as locomotivas acima indicadas ficaram por cêrca de 60:000 contos.
12. Ao passo que aumentava, de uma maneira sensível, o seu material circulante, não deixava a Companhia de melhorar as suas instalações fixas. Assim, prosseguiu-se com a duplicação da via entre Chão de Maçãs e Casarias; fizeram-se trabalhos para melhorar a sinalização das estações de Campolide e Lisboa-Rossio, de onde derivará a melhor e mais fácil circulação dos combóios entre estas duas estações; refizeram-se as curvas de concordância da linha do Setil com a linha do Norte, de modo a evitarem-se, de uma vez para sempre, os prejuízos periódicos resultantes das cheias; renovaram-se alguns quilómetros de via com carris de maior peso por metro; e, além de vários melhoramentos de estações, ampliação de cais, etc., iniciaram-se os trabalhos da gare de triagem de Sacavém, não só vantajosa para melhorar a exploração que actualmente se faz, mas indispensável para permitir o desenvolvimento dela.
13. Tudo isto fez a C.P. emquanto as suas receitas aumentavam, e prosseguiria neste caminho se, infelizmente, a situação não começasse a agravar-se em 1944. E fê-lo sem que lhe fôsse concedido, ao contrário do que sucedeu com os transportes por estrada, um aumento substancial de tarifas, ou um adicional sôbre as existentes, pois não podem ter-se em conta, para êste efeito, pequenos e legais retoques que algumas tarifas sofreram. E assim é lícito dizer que a mercadoria «transporte ferroviário» foi a única que não teve aumento depois de começada a guerra!
14. É certo que as dificuldades da Companhia provêm hoje não da deminuïção de receitas, mas pelo extraordinário aumento de despesa com a aquisição de combustíveis e outros artigos necessários à exploração e também dos novos encargos que lhe advieram dos aumentos de vencimentos ao seu pessoal. As despesas aumentaram mais do que as receitas.
Os seguintes números são bastante elucidativos:
Em 1939 gastaram-se em combustível 35:000 contos.
Em 1944, com menor número de combóios, 178:500 contos.
Considerando todas as despesas da Companhia, encontra-se que de 1939 para 1944 houve um aumento de 223:000 contos, ou seja 101 por cento.
Quanto ao pessoal, basta dizer que os sucessivos aumentos que lhe foram concedidos desde 1 de Janeiro de 1943 representam um encargo anual de cêrca de 63:000 contos. O que não admira, pois dado o número de agentes ferroviários, qualquer aumento de 10 por cento nos vencimentos atinge entre 15:000 e 16:000 contos.
15. Não tinha a Companhia disponibilidades para, quando rebentou a guerra, fazer larga provisão de materiais, especialmente carvão, para obviar a dificuldades futuras; nem lhe cabia a ela resolver o problema por esta forma. Além de que a guerra foi demasiado longa e não seria possível fazer provisões para todo o tempo dela. Por isso se vê agora a braços com falta de combustível, e o que pode conseguir obtém-no por preços inconcebíveis e muitas vezes de péssima qualidade.
Se isto é falta de previsão, estamos, porém, em boa companhia. Os detentores dos transportes por estrada tiveram, porventura, espírito mais previdente? Onde estão as provisões de pneumáticos, combustíveis e sobressalentes que assegurassem à camionagem uma exploração ininterrupta? Pouco tempo depois de rebentar a guerra as pequenas existências de material para a camionagem estavam esgotadas, o que fez com que muitas carreiras fôssem suspensas. Daqui veio para os caminhos de ferro um tráfego extraordinário. O que seria da economia do País se os caminhos de ferro, apesar da falta de previsão das respectivas administrações, não estivessem em condições de transportar êsse tráfego extraordinário, além daquele provocado pelo desenvolvimento de negócios derivado da guerra?
Basta dizer que os passageiros transportados em 1944 foram 25.685:489, ao passo que em 1939 foram