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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.° 171
transportes terrestres, verifica-se que ela marra como meios de consecução dos seus fins de coordenação: a fusão das emprêsas ferroviárias; o agrupamento, em grau conveniente, das emprêsas exploradoras de carreiras de automóveis; a regulamentação dos transportes automóveis em regime de aluguer e transportes particulares.
Quanto à prevista fusão das emprêsas ferroviárias de toda a rêde geral de via larga e estreita, eu não tenho dúvidas acêrca das suas reais vantagens e dos eficientes resultados que de tal solução é justo esperar. Julgo mesmo que essa fusão é condição indispensável para a valorização dos caminhos de ferro portugueses.
E não é difícil fundamentar êste parecer, desde que se verifica o que em outros países se fez para remediar um mal semelhante.
Assim, em Inglaterra, após a primeira guerra mundial e perante os funestos resultados da concorrência e da inviabilidade de algumas tentativas de acôrdo, uma lei de caminhos de ferro, a Railways Act, determinou a fusão obrigatória de todas as companhias, com uma extensão total de 31:000 quilómetros, em quatro grandes emprêsas.
Nos Estados Unidos, onde actualmente as linhas de caminho de ferro excedem 400:000 quilómetros, isto é, uma extensão superior ao total de todas as linhas europeias, já nos começos dêste século se reconheceu a vantagem do agrupamento voluntário das várias emprêsas em dez poderosos sistemas de exploração. Mas depois da Grande Guerra de 1918 os caminhos de ferro americanos foram de novo organizados e agrupados em quatro grandes rêdes.
Em França, a unificação da exploração das suas cinco grandes rêdes, com um total de 43:540 quilómetros, fez-se depois de algumas tentativas frustradas, com o fim de atenuar o deficit crónico dos caminhos de ferro através da Société Nationale des Chemins de Fer, em 1938. No caso da solução francesa, as antigas companhias preexistem até à expiração normal das concessões, que deve verificar-se entre 1950 e 1960, mas desde 1938 deixaram de assegurar a exploração das linhas em favor da nova sociedade, que, conforme fora previsto, exercerá essa função até 1982.
Em outros países soluções semelhantes de concentração e de unificação foram encontradas para idênticos problemas.
Ora, se é necessário estabelecer um sistema de tarifas baseado em distâncias quilométricas, combinar os horários, organizar de maneira mais perfeita o tráfego, assegurar a exploração de linhas deficitárias pelo processo da compensação de receitas e, além disso, reequipar os caminhos de ferro, modernizá-los, vencendo o seu atraso, electrificar alguns troços — o que exije umas segundas despesas da grandeza das de 1.ª estabelecimento — não vejo outro meio para atingir aqueles fins senão o da unificação da nossa rêde numa única emprêsa exploradora — apenas uns escassos 3:582 quilómetros, quando a média por emprêsa na Inglaterra é de cêrca de 8:000 quilómetros, na América 100:000 e na França, caso da unificação total, é de 43:000 quilómetros. Se examinarmos a extensão da nossa rêde ferroviária em função da superfície do País e do número de habitantes, verifica-se, segundo as estatísticas publicadas por Waggemann, que a longitude das vias existentes é de 5,7 por 10:000 habitantes e 3,7 por 100 quilómetros quadrados, quando na Inglaterra os índices respectivos são 7,5 e 14,2; na América, 33 e 5,1, e em França, 12 e 9,7.
Qual a solução a adoptar? Não possuo os elementos necessários nem conheço tam vasta e profundamente as realidades da vida económica, como alguns dos meus ilustres colegas que me precederam nesta tribuna, para me pronunciar sem dúvidas a êsse respeito. No meu humilde entender parece-me contudo que não devemos fechar ou ratar ao Govêrno qualquer possibilidade de solução dêste magno problema.
O Sr. Ângelo César: — V. Ex.ª dá-me licença?... Mas é que, mesmo votando no sentido contrariado por V. Ex.ª, nunca impedimos o Govêrno de buscar outra solução, pois que êle tem a plenitude do Poder Legislativo.
O Orador: — Não conheço suficientemente os dados do problema para preferir ou eliminar qual quer solução, mas repito: o que me parece é que não devemos fechar ao Govêrno qualquer possibilidade justa e legítima de solução.
O Sr. Ângelo César: — Nós não proïbimos ao Govêrno que, mudadas as circunstâncias, mude também a solução.
O Orador: — Uma única solução me parece extremamente perigosa, embora a alguns se afigure, pelas falsas ideas claras que a esmaltam, pela sua rápida e fácil compreensão e pela ilusória perfeição que a romantiza, a mais fulgurante, espectaculosa e de miríficos resultados — é a da nacionalização.
Manifesto os meus receios por tudo o que pode levar-nos ao plano inclinado do socialismo.
E, embora pareça a alguns paradoxal, tomo esta atitude em defesa das mais legítimas, autênticas e possíveis liberdades do homem. Não só o exame das doutrinas e ideologias em voga, mas também a das realidades dêste mundo, nos mostram que à medida que o Estado se sobrecarrega com funções de gerência de emprêsas fabris' e comerciais, isto é, se hipertrofia, ou se cai numa estagnação da vida económica e se cria um vastíssimo parasitismo social, quando o Govêrno é fraco e talado pelos partidos, ou se torna cada vez mais coactivo, totalitário e tirânico, a fim de fazer cumprir com rendimento económico e benefício colectivo os seus gigantescos planos de produção.
O socialismo é impossível sem o totalitarismo e a tirania. Tal é a opinião de Elie Halevy, professor da Escola de Ciências Políticas de Paris, e sem dúvida um dos mais penetrantes historiadores do socialismo europeu, quando em 1936, numa exposição à Sociedade Francesa de Filosofia, depois de assinalar as contradições em que se debate o socialismo, afirmou que o mundo, em 1914, tinha entrado na era das tiranias com a tendência marcada para a nacionalização e estatização dos meios de produção, distribuïção e troca.
O que seria em Portugal, conhecida a forma de ser dos portugueses e a brandura dos nossos costumes, a nacionalização dos caminhos de ferro? Eu, Sr. Presidente, peço licença para manifestar o meu sincero pessimismo a tal respeito. E ainda bem que o Govêrno propõe que nos afastemos da possibilidade dessa solução.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: eu sou daqueles que acreditam no futuro dos caminhos de ferro. Julgo mesmo exagerada a tendência dos que já o amortalharam, enterraram e lavraram o seguinte epitáfio: Aqui jazem os restos do caminho de ferro. Parece-me que cometem um êrro semelhante ao daqueles que, no tempo da euforia dos caminhos de ferro, consideravam dispensáveis os canais, porque tudo seria mais fàcilmente transportado pelos carris do progresso. Mas nós vimos, Sr. Presidente, em plena era da concorrência dos transportes automóveis e com uma esplêndida rêde de 54:000 quilómetros de caminho de ferro, a Alemanha abrir e construir os seus grandes canais. É que o aumento da