9 DE JUNHO DE 1945
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nhos de ferro, visto o panorama que acabo de pôr diante dos olhos de V. Ex.as, parece que a política a adoptar é a de concentração.
Eu ia a fazer, antes das considerações anteriores, esta outra nota que me acudiu mais do que uma vez no estudo do problema e que me fez hesitar por a questão a que se refere ser posta por um homem que tem em Portugal a reputação mais bem estabelecida em matéria de caminhos de ferro: é o Sr. engenheiro Vicente Ferreira.
Sustenta o Sr. engenheiro Vicente Ferreira, no seu voto apenso ao parecer da Câmara Corporativa, que acha bem a concentração da via larga, mas não acha bem uma concentração única da via larga e da via estreita.
Uma das razões em que se baseia é a de dever evitar-se que vias férreas que não têm condições económicas de exploração venham para a concentração perturbar o equilíbrio económico da emprêsa proposta à administração da via larga.
É o mesmo argumento em que me baseio para defender a concentração única, visto de outro ângulo. Parece-me que êle não infirma a posição que tomei. Se o serviço tem de funcionar em equilíbrio ou desequilíbrio económico, do que se trata é de saber, neste último caso, se constitue um encargo mais gravoso para o Estado no sistema da concentração única se no sistema da dupla concentração. Eu continuo convencido de que é no sistema da concentração dupla e por isso voto pela concentração única.
Não é, porém, sem estremecimento que o faço, dada a especial competência que reconheço, e todos neste País reconhecem, ao Sr. engenheiro Vicente Ferreira
Ao regime de concessão não é essencial a concentração. E também o não é, como disse, o exclusivo. Deve, no entanto, dizer-se que o exclusivo é o processo normal de explorar os serviços públicos.
É o processo normal, mas não é também essencial à concessão êsse regime de exploração.
Na proposta estabelecesse um regime de exclusivo mitigado para as emprêsas ferroviárias e um regime de exclusivo ainda mais mitigado para as emprêsas de camionagem.
Não entro, visto que me quero conservar no domínio dos princípios gerais informadores da proposta, como já tive ocasião de dizer, na discussão do modo como aparece organizado êste princípio do exclusivo. Quero apenas, quanto à camionagem, dizer que êle aparece na proposta como um processo de dar saúde às respectivas emprêsas e ainda como um processo de lhes atribuir uma faculdade, um privilégio para poder exigir-se-lhes, em compensação, uma prestação. Eu esclareço o meu pensamento. Todos nesta Casa estamos convencidos de que é preciso intensificar a vida das comunicações. Todos nesta Casa estamos convencidos de que é preciso intensificar a vida dos transportes.
As comunicações, os transportes são um meio enorme de desenvolvimento económico, e nós estamos longe de ter atingido o desenvolvimento económico que poderíamos atingir. Mas já que os transportes são um meio de se caminhar nesse caminho, é indispensável trabalhar-se no sentido da intensificação dos transportes.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — É preciso fazer isto para se criar riqueza, para multiplicar o valor da riqueza já criada.
Acontece, porém, Sr. Presidente, que há muitos pontos do País aos quais fazer chegar um meio de transporte é ainda hoje uma cousa que pode interpretar-se como fonte de prejuízos que a iniciativa particular, vendo o imediato e não o futuro, se não disporá a suportar. Há então que tornar possível que, mesmo essas carreiras de camionagem que ninguém quere, que ninguém pede, porque não têm actualmente condições económicas de exploração, venham a ser estabelecidas. É preciso fechar em malhas estreitas a rêde de transportes, de comunicações do País.
Nesta orientação, a proposta utiliza o exclusivo, dando-o como privilégio a certos, para poder impor-lhes, em contrapartida, a realização de carreiras que não tenham condições económicas de exploração.
O modo como o organiza é bom? É mau? Êsse é outro problema que será discutido e considerado na especialidade. Agora, na generalidade, o que se discute é isto: são ou não são de aceitar, são ou não são — para empregar as palavras do Regimento — oportunos e vantajosos os princípios informadores da proposta?
Basta pôr a pregunta para desde logo ficar dada a resposta.
Não é, dizia eu, essencial ao regime de concessão o exclusivo, muito embora êste seja o processo normal de exploração dos serviços públicos; mas é essencial a uma concessão de serviços públicos a regulação de concorrência.
Nós que colaboramos num sistema político que entende que a concorrência levada aos seus extremos limites é absolutamente de afastar em qualquer sector, não teremos necessàriamente dúvida nenhuma em aceitar que a concorrência tem de ser fortemente regulada quando se trate de exploração de serviços públicos, tanto mais quanto é certo que isso é admitido mesmo pelos Estados - se ainda os há — que assentam os seus sistemas políticos na pureza dos princípios liberais.
Na verdade, a concessão é feita por um contrato que cria direitos e obrigações e assenta na possibilidade de fazer a exploração do serviço em regime de equilíbrio económico; ora, muitas vezes, para se atingir êste regime de equilíbrio económico é indispensável travar fortemente a concorrência.
Mesmo nos Estados liberais, em matéria de serviços públicos, foi sempre adoptado êsse sistema.
Mas ainda há uma outra consideração, que é talvez o desenvolvimento da anterior e conduz à mesma solução: é que a livre concorrência é incompatível com regimes que vão além do de polícia ou, quando muito, fiscal, e é claro que êste regime de polícia ou fiscal não obriga naturalmente à prestação de um serviço com regularidade e permanência; e são caracteres essenciais do serviço público a sua exploração regular e permanente.
Portanto, não há dúvida nenhuma de que, se a concessão de um serviço público não obriga nem à concentração nem ao exclusivo, necessàriamente obriga à regulação da concorrência.
A proposta estabelece os princípios de regulação da concorrência entre os dois sistemas de transportes, o sistema rodoviário e o sistema ferroviário, e os princípios de regulação da concorrência dentro do próprio sistema rodoviário.
Não vou mais longe nesta matéria do que lembrar a V. Ex.as o que se contém creio que na base VI, referente a acordos de repartição de tráfego entre emprêsas de camionagem e o caminho de ferro, para mostrar que realmente houve a preocupação de estabelecer a regulação da concorrência entre o sistema rodoviário e o sistema ferroviário.
Houve também a preocupação de regular a concorrência só dentro do sistema rodoviário.
Dizia eu que a exploração de um serviço público em regime de concessão supõe um sistema de regulação da concorrência. Importava agora fixar os limites em que