13 DE JUNHO DE 1945
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assunto e julgar da oportunidade de recurso à faculdade de resgate.
Ora, uma vez resgatadas as concessões e assim integradas no património nacional, não seria de admitir a sua entrega à emprêsa resultante da fusão das actuais emprêsas ferroviárias, como se diz na base I da proposta de lei, sem admitir a hipótese da administração dêste grande valor do património nacional por um organismo do próprio Estado, expurgado de complicações burocráticas, com a precisa autonomia e dotado da elasticidade reconhecidamente necessária nas emprêsas comerciais.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Já no relatório da proposta de lei sôbre electrificação se aludira à má tradição das administrações do Estado. E durante o debate na generalidade feriram-me os ouvidos repetidas afirmações naquele sentido.
Contudo, de uma maneira geral, e particularmente no caso em discussão, e vendo-o através dos relatórios da comissão liquidatária dos caminhos de ferro do Estado, verifica-se que, salvo desfalecimentos explicados pela primeira Grande Guerra e crises que se seguiram, na administração daquelas linhas do Estado no período imediatamente anterior ao arrendamento se verificara uma melhoria notável, não só nos resultados da exploração, que passaram a ser positivos, como na aquisição de material e melhoramentos realizados nas linhas.
Lamento que a Direcção Geral de Caminhos de Ferro não me tenha enviado os elementos que requeri sôbre os resultados da exploração dos caminhos de ferro do Estado nos anos que precederam o arrendamento, obras realizadas, material adquirido e outros elementos para conhecer o estado daqueles caminhos de ferro antes do arrendamento; e idênticos elementos até esta data para conhecimento da sua situação actual.
A análise dêsses números deveria ter grande interêsse neste momento, em que está em jogo o problema da administração do sistema ferroviário, depois de encorporado no património nacional, por um organismo do Estado sem excessos burocráticos e com normas adaptáveis à realização das operações comerciais relativas ao grande tráfego que ali necessàriamente se realizarão.
Se eu não confiasse na administração do Estado, e perante as condições em que algumas emprêsas se propunham explorar a rêde telefónica interurbana e a radiotelefonia, não estariam êsses importantes factores de marcada influência na posse do Estado e administrados por organismos do mesmo Estado aos quais a Nação é devedora de bons serviços. E ninguém se lembrou de ver nesses sectores manifestações de um socialismo ùltimamente muito discutido e apresentado como perigosíssimo.
Afinal, Sr. Presidente, estou convencido de que todos reconhecem que eu tinha razão quando me neguei a entregar aqueles serviços fundamentais a emprêsas privadas e os confiei à Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones.
E V. Ex.as sabem também o que representa essa rêde vastíssima de comunicações que é a da Administração Geral dos Correios Telégrafos e Telefones, que se tem desenvolvido de maneira notável nas mãos do Estado, e logo que o fim da guerra permita adquirir material indispensável poder-se-á comunicar telefònicamente com todos os pontos mais remotos do País e por taxas módicas, fazendo assim convergir para essa Administração receitas apenas suficientes para assegurar e desenvolver os respectivos serviços, o que nunca seria possível a uma administração privada, com as taxas mínimas actualmente cobradas.
O Sr. Mendes do Amaral: — V. Ex.ª considera êsse um serviço perfeito?
O Orador: — É impossível, devido às dificuldades de momento, obter perfeição, mas, dentro das dificuldades com que todos lutamos e, portanto, com que também lutam êsses serviços, devo dizer - sabendo bem a responsabilidade que pesa sôbre mim neste momento — que havia de ser muito difícil conseguir maior eficácia e perfeição por preços tam baixos como aqueles que actualmente se pagam.
É certo haver deficiências, mas sei que essas deficiências resultam da insuficiência do material, e o material que vem não chega, apesar da vontade da Administração e do Govêrno.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª está no uso da palavra já há mais de quarenta e cinco minutos.
O Orador: — Muito obrigado Sr. Presidente. Vou já concluir, embora houvesse ainda muito a dizer. Mas no decurso dos debates conto usar outras vezes da palavra, esperando que a generosidade da Assemblea me perdoe.
Sôbre o que se fez em matéria de radiotelefonia no triénio do Govêrno a que pertenci, afirmarei que a memória dos homens é falaz...
Tanto em discursos como em diplomas publicados no Diário do Govêrno já ninguém recorda (essa amnésia é-me pessoalmente indiferente, mas desvirtua a história do Estado Novo, que alguns pretendem iniciar anos volvidos sôbre o 28 de Maio, esquecendo o período difícil e perigoso dos primeiros anos).
Assim acontece esquecer-se o que representou de perseverança e coerência a defesa daqueles e de outros elementos do património nacional, a defesa das nossas ondas em congressos internacionais, a anulação de certos privilégios anteriormente concedidos, a regulamentação da radiotelefonia e a construção da Emissora Nacional.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Felizmente que, apesar dessas manifestações de amnésia, a obra realizada ficou e continua a prosseguir a bem da Nação e indiferente a que a classifiquem de manifestação de socialismo, que, aliás, nunca lograra aceitação no cérebro do Ministro que tivera a honra e satisfação de contribuir para que ela fôsse realizada pelo Estado e seja administrada por um organismo do mesmo Estado.
Sr. Presidente: sou de opinião que numa proposta do Govêrno não deve arredar-se a hipótese da administração do património do Estado por organismo do próprio Estado, fórmula por uns designada por «régie» e a que outros preferem a designação, susceptível de confusões desnecessárias e prejudiciais, de «nacionalização».
Entendo que da adopção dêsse princípio resultariam muitas vantagens para a Nação, porque só êle permitiria uma administração sem mira no lucro, o que, além de ser legítimo, é indispensável nas explorações de carácter capitalista e poderá singrar sem a preocupação constante da concorrência de outros sistemas de transporte, cuja limitação poderia ser altamente prejudicial à comunidade.
Portanto, a administração do sistema ferroviário por um organismo do Estado, sem preocupação imediata do lucro, isto é, sem que o Estado desvirtuasse as suas actuais funções para adoptar as do capitalismo de Estado, seria a maior garantia de transportes ferroviários bons e baratos sem a eliminação de carreiras concorrentes de camionagem e limitações excessivas de percursos a veículos de aluguer.