15 DE JUNHO DE 1945
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dorias terão necessàriamente de seguir até aos respectivos mercados de abastecimento ou de consumo. As populações servidas pela via estreita já estão em manifesta desigualdade em relação às servidas pela via larga, porque "os veículos utilizados nestas últimas oferecem maior comodidade aos passageiros e melhor arrecadação de mercadorias.
É portanto justo que as dispensem, agora que se caminha para a unificação tarifária, do pagamento de trasbordos, que as colocaria em situação manifestamente inferior à das que só precisem de recorrer à via larga.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Joaquim Saldanha: — Sr. Presidente: sôbre a base III da proposta, concordo com a unificação, para toda a rêde ferroviária, do sistema tarifário, com base na distância quilométrica. É êsse para mim um dos grandes benefícios da concentração, pois dele deriva a igualdade para todas as regiões do País actualmente servidas por linhas férreas e das regiões que no futuro venham também a usufruir novas linhas em projecto. Dominado por êste princípio, não posso, porém, dar o meu voto à excepção aberta na mesma base sôbre o custo dos trasbordos das linhas de via reduzida para as linhas de via larga e vice versa.
Tal excepção vem destruir, em grande parte, quanto ao transporte de mercadorias, o princípio de igualdade, que todos nós calorosamente aplaudimos, em prejuízo de algumas regiões do País, como são as da Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral, Trás-os-Montes e a região duriense quanto às linhas afluentes da linha do Douro (via larga).
E não é justo que, encontrando-se essas regiões já numa situação de inferioridade com o serviço de combóios de via reduzida (a que devia corresponder tarifa mais baixa) — quanto à capacidade dos vagões, quanto à velocidade das suas locomotivas, quanto à duração das viagens e mesmo quanto à comodidade e confôrto — ainda por cima tenham de suportar a despesa ocasionada com os trasbordos!
Já não basta serem os passageiros dessas regiões privados sempre de carruagens directas para os grandes centros e serem forçados a mudar de combóios com os seus volumes de mão, quantas vezes ao frio e à chuva e com o risco de não encontrarem lugar nas carruagens para onde se mudam.
Neste desamor com que são tratadas essas regiões do País, era preciso lançar-lhes ainda o contrapeso dos trasbordos!
Nesta discordância não me anima qualquer propósito de desagrado para as emprêsas de caminhos de ferro, e muito longe está o meu espírito de entrar no côro de popularidade contra a actividade e administração dessas emprêsas.
Reconheço, pelo contrário, não só os enormes e transcendentes benefícios que sempre prestaram ao País, especialmente no século passado, quando os caminhos de ferro se construíram, e às quais se devem, em grande parte, a grande época do fomento nacional do Govêrno de Fontes Pereira de Melo e a grande massa dos transportes, antes de haver o transporte automóvel, como também o único recurso de salvação ao dispor do País, durante a grande calamidade que foi a outra guerra, em que o automobilismo estava na infância, e durante a enorme desgraça da guerra que há pouco findou, em que, havendo já camionagem, faltaram os combustíveis, os pneus e sobressalentes para reparações, que não podiam vir do estrangeiro.
Foram os caminhos de ferro o único meio de transporte que, embora em ritmo mais lento, por falta de carvão de pedra, trabalhou sempre, mercê da produção nacional, com a prata da casa, como se costuma dizer, porque inclusivamente trabalhava com a lenha das nossas matas...
E, bem ou mal, com dificuldades ou sem elas, os caminhos de ferro nunca deixaram de transportar os produtos mais indispensáveis à vida nacional.
E a propósito dêstes serviços sinto o dever de prestar aqui a minha homenagem ao pessoal ferroviário, que com a maior dedicação e sacrifícios bem serviu o público, dentro das condições possíveis. Não deixará por isso a nova emprêsa exploradora de tomar em consideração quem com tanta abnegação e disciplina cumpriu o seu dever.
No aspecto social a classe dos ferroviários não é menos considerável do que o pessoal da camionagem.
E no futuro ainda, noutras emergências semelhantes, no caso de o estrangeiro não querer ou não poder fornecer-nos o que precisarmos para os nossos transportes, é ainda com os caminhos de ferro que teremos de contar, emquanto se não descobrir dentro da produção nacional qualquer sucedâneo eficaz do petróleo, indispensável para os motores, tanto dos automóveis como da aviação.
E felizmente temos dentro do País uma enorme riqueza hidráulica produtora de electricidade, que virá —esperamos que seja dentro de poucos anos — suprir a inferioridade da lenha como combustível das locomotivas.
São, pois, até ao presente, pelo menos, os caminhos de ferro os únicos transportes eficientes que podem funcionar com combustível de origem nacional.
Não achamos, por isso, descabida e desnecessária a protecção que a proposta do Govêrno concede aos caminhos de ferro, antes a reputamos indispensável para o seu levantamento e para a grande missão de progresso nacional que o País tem direito a esperar dêles.
O Sr. Presidente: — Pedia a V. Ex.ª o favor de cingir as suas considerações apenas à matéria da base em discussão.
O Orador: — Sim, senhor. Eu já vou entrar concretamente na apreciação dessa base.
Quanto à administração dos caminhos de ferro, reconheço e aceito as circunstâncias difíceis e imprevistas que os relatórios e as exposições, vindos a esta Assemblea por parte das emprêsas dos caminhos de ferro, sucintamente desenvolveram e documentaram; ainda não vimos que fôssem apontados como inexactos, nem os seus fundamentos refutados.
Portanto, Sr. Presidente, estou à vontade para discordar da questão do custo dos trasbordos, que poderá talvez desagradar à emprêsa única dos caminhos de ferro que foi votada ontem por esta Assemblea, ao aprovar a base I.
E digo talvez, porque se me afigura que, mantendo-se o custo do trasbôrdo como sobretaxa da respectiva tarifa, êsse facto irá justificar a concorrência da camionagem, tanto de carreiras como de aluguer, quando essa camionagem ultrapassar as regiões servidas por vias reduzidas, entrando nas regiões servidas por vias largas.
Na verdade, se nessa camionagem não há trasbordos, além da vantagem de que ela goza de carregar a mercadoria na casa do seu dono e colocá-la na casa do seu destinatário, acrescerá também a grande vantagem de não pagar o custo do trasbôrdo.
E positivamente que o benefício para a emprêsa de receber o custo do trasbôrdo não compensará o prejuízo da concorrência, e, se esta concorrência, quanto ao preço do trasbôrdo, fôr proïbida pela coordenação, parece-me que nesse caso se pratica a injustiça e até a violência de