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6 DE JULHO DE 1943
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O artigo 20.° diz:
Nenhum guardador de gado ou pastor poderá fazer-se acompanhar por mais de um cão por cada rebanho ou por cinqüenta cabeças de gado que conduzir ou guardar e tais cais não poderão pertencer a qualquer das raças dos vulgarmente utilizados na caça.
Vê-se claramente qual é o espírito do decreto.
Mas como tem sido interpretado pelos fiscais ou guardas da caça?
Tenho conhecimento de vários abusos praticados ao abrigo dêle. Dentre êles cito um que mais detalhadamente conheço.
Um proprietário de duas herdades que distam 3 quilómetros uma da outra tem de deslocar, freqüentemente, o gado de trabalho, bois e parelhas, por caminho, de uma herdade para a outra, a fim de cultivar as terras.
Êsse gado é sempre acompanhado de vários ganhões e muitas vezes de um cão de guarda, que não é de raça dos vulgarmente utilizados na caça.
O caminho atravessa uma propriedade sujeita ao regime florestal, onde estão dois guardas da caça.
Há tempo recebeu o proprietário um aviso para pagar na câmara municipal 68$ pela transgressão do artigo 19.° dêste decreto.
Informando-se junto do seu encarregado, soube o proprietário que a intimação lhe fôra entregue por um dos guardas da propriedade sujeita ao regime florestal, acompanhada do cão de guarda preso e que o guarda dizia ter sido apanhado na referida propriedade.
Mandou pagar a multa, e passados alguns dias recebeu o mesmo proprietário novo aviso para fazer novo pagamento de mais 68$ pelo mesmo motivo, mas agora já não apareceu o cão que pachorrentamente guarda a propriedade do dono.
Esta multa baseou-se na última parte do artigo 19.°, em que a multa é sempre devida ainda que o cão não seja apanhado.
E isto repetiu-se com o desconhecimento absoluto do encarregado da propriedade e continuará sempre que os dois guardas se lembrem de tirar dos bolsos do proprietário algum dinheiro, visto êles terem participação na multa.
Sr. Presidente: não será forçar a lei interpretando-a desta forma?
Não será abuso ou, melhor, uma violência, para não lhe dar o verdadeiro nome, o que se está a fazer?
Estará vedado aos proprietários de terras terem cãis de guarda nas suas propriedades?
Como poderá evitar-se que um cão de guarda, que não é da raça dos vulgarmente utilizados na caça, entre numa propriedade sujeita ao regime florestal, mas que não está vedada e onde estão guardas zelosos pelos seus interêsses, como estes que acabo de citar?
Eu sei, Sr. Presidente, que o decreto está claro, mas é interpretado por quem apenas sabe ler e escrever, quando sabe, e que propositadamente confunde cão de caça com cão de guarda.
Não peço, portanto, ao Govêrno que o esclareça, mas julgo que bastariam umas instruções, dimanadas dos serviços de que dependem estes guardas, esclarecendo o decreto para que tudo se normalizasse.
É isto que peço aos Srs. Ministros da Economia e do Interior, com a certeza de que estas violências terminarão e o espírito do decreto será cumprido.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Prossegue a discussão, na generalidade, da proposta de lei sôbre alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes de Matos;
O Sr. Mendes de Matos: — Sr. Presidente: a leitura desatenta ou precipitada da proposta em discussão pode induzir em êrro de apreciação, não só contrário à sua finalidade mas ao espírito da Constituïção que vem melhorar. Parece, na verdade, haver na sua contextura disposições que colidem, doutrinalmente, entre si mesmas e se opõem ao sentido da política consignada no estatuto fundamental.
Assim, uns verão na proposta um movimento orientado no sentido de reforçar os direitos do Govêrno, inclinação mais ou menos disfarçada para um absolutismo de Estado; outros a julgarão uma transigência com o falsamente chamado movimento de democracia inorgânica, que estaria dominando o mundo depois da guerra. E parece que uns e outros encontram na proposta fundamento em que apoiem as suas opiniões. Por um lado a proposta reconhece ao Govêrno poderes legislativos que a Câmara Corporativa julga ficarem os poderes normais; por outro torna mais numerosa a composição da Câmara e reforça o seu poder de fiscalização. Estamos em face de um ousado movimento para o absolutismo? Ou descemos medrosos para a forma demagógica? Num e noutro caso seria renunciar à nossa doutrina e julgá-la incapaz de vencer as emergências criadas pela paz; nós, que com ela lográmos vencer a guerra, não poderíamos com ela vencer a paz.
Felizmente não é êsse o sentido da proposta. Há uma escola que afirma a espontânea e progressiva participação das sociedades políticas na sua própria governação.
Qualquer que seja o juízo que se forme desta doutrina, a verdade é que a proposta representa uma mais larga e eficiente participação do País no seu próprio Govêrno. Creio que êste é o sentido fundamental da proposta; perante ela, somos conduzidos a três problemas que interessam à sua economia e aceitação: Integra-se a proposta no pensamento da Constituïção? Vem ela no momento oportuno que as exigências ou conveniências nacionais reclamem ou aconselhem? Traz ela elementos que lhe dêem a eficácia que procura? Mais resumidamente: A proposta é constitucional, oportuna, eficaz?
Antes de respondermos ao primeiro problema, exponhamos alguns princípios que comandam toda a matéria. A ordem das sociedades políticas implica, essencialmente, três elementos, absolutamente necessários e inseparáveis: a pessoa humana, o Estado organizado e a autoridade pública. O modo como estes três elementos se organizam deu, ao veio do tempo, origem a três regimes especificamente diversos: a monocracia, a aristocracia e a democracia.
A sua distinção específica define-se, não tanto pela maior ou menor quantidade de liberdades públicas que conceda, ou pela disciplina pública mais ou menos severa que imponha, mas pela origem que cada um assinala ao Poder. E com razão, visto que o Poder é a forma da sociedade, no sentido aristotélico do têrmo, o que quere dizer que o Poder informa e especifica a sociedade. Preguntamos agora: Qual é o sentido da proposta? Digamos primeiro o que ela não é, para depois dizermos com clareza e exactidão o que ela é. Fundamentalmente, a proposta reforça o poder de fiscalização.
Isto basta para dizer o que ela não é. Não é movimento claro ou disfarçado para o absolutismo do Estado