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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 189
assim pratiquei) que uma das funções mais úteis e mais necessárias desta Assemblea, era o exercício de uma fiscalização apertada.
Mas, Sr. Presidente, no meu espírito surge esta dúvida: Como vai funcionar a Assemblea Nacional se porventura não temos as sessões de estudo? E se não há ordem do dia, vamos então ter muitos dias em que não há sessões plenárias e em que deixa, conseqüentemente, de haver o período de antes da ordem do dia?
Parece-me que assim, Sr. Presidente, não podemos utilizar o tempo destinado a essa fiscalização, tam útil e tam necessária; além disso poderíamos dar ao público a impressão de que não estávamos a trabalhar. As sessões de estudo já atenuam um pouco essa impressão, porque o público assim sabe que estamos a estudar. Não havendo sessões de estudo suporá, e com uma certa lógica, que não estamos a fazer nada.
Polìticamente, não convém!
Ponho estas dúvidas, que me parecem fundadas, e, salvo melhor esclarecimento, não encontro desvantagens nas sessões de estudo, embora funcionassem comissões permanentes. Porém, como não é neste artigo que se estudam as comissões permanentes, não quero alargar-me em considerações a êste respeito.
Não quero deixar, porém, de frisar o seguinte ponto: as comissões permanentes funcionam durante o prazo de três ou quatro meses, isto é, em quanto funcionar a Assemblea. Ora, sendo assim, ficará pouco tempo aos Srs. Deputados que delas fizerem parte para a fiscalização, podendo apenas os mesmos dispor das manhãs.
Poderia, realmente fazer-se alguma, cousa de útil durante êsse tempo? Receio que não.
Sr. Presidente: são estas as dúvidas que apresento, esperando que alguém me esclareça, pois, a não ser esclarecido, apresentarei uma emenda no sentido de que a Câmara funcione em sessões plenárias e também em sessões de estudo.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: quando em 1933 tive a honra de votar, em plebiscito nacional, a actual Constituïção Política da República Portuguesa, julguei-a perfeita e tive mesmo a intuïção de que ela deveria satisfazer por largo tempo à grande obra que o Estado Novo tinha no seu patriótico programa, e não me enganei.
Ainda há dias, quando subi a esta tribuna para apreciar esta proposta de revisão, na generalidade, foi com uma grande e profunda convicção que declarei que entendia que, apesar do período de grandes transformações que todo o mundo atravessa, a nossa Constituïção não precisaria de ser revista, e muito menos alterada, como nesta proposta do Govêrno se pretende, por corresponder ao que toda a Nação espera do Estado Novo.
Por isso, Sr. Presidente, eu preferiria que a Constituïção permanecesse como está e a apresentássemos como grande título de glória do Estado Novo, resultante do movimento do 28 de Maio de 1926, que, sem esperar os acontecimentos que viessem a dar-se no mundo, já tinha previsto a grande obra necessária para conseguir o bem-estar do povo e o engrandecimento da Nação e elaborou o seu estatuto constitucional nessa conformidade.
Entre outros princípios constantes da Constituïção em vigor destacava-se a feliz inspiração de se constituir uma câmara política, a Assemblea Nacional, e a Câmara Corporativa, como representação de todos os interêsses de qualquer ordem e, portanto, dividida em secções especializadas, mas apenas com funções consultivas e elaborando pareceres sôbre os problemas submetidos à Assemblea Nacional, órgão de soberania nacional.
Esta, por sua vez, constituía, juntamente com o Presidente da República, o Govêrno e os tribunais, os órgãos de soberania, competindo-lhe a função legislativa, mas tendo a característica essencialmente política que os igualava, e assim incompatível com especializações que os separariam, e que afinal mais não seria que uma duplicação da Câmara Corporativa, além de que assim a sua feição especial se desvirtuaria.
Desta forma, Sr. Presidente, podemos dispensar o que de pior existe em instituïções similares do estrangeiro, isto é, comissões permanentes, como as que agora o Govêrno se propõe criar nesta Assemblea, com o mandato de estudos especializados e do fiscalização, inquéritos e outros fins, que não são isentos de riscos, como o de se burocratizarem no contacto constante com os órgãos da Administração, ou de exercerem certo grau de coacção no género da muito censurada «ditadura das comissões», verificado em assembleas estrangeiras, com gravíssimos inconvenientes para a Administração e para o próprio Govêrno, que acabaria por ser deminuído na independência que a nossa Constituïção lhe garante como elemento basilar de Poder forte.
Sr. Presidente: nunca pensei, quando foi apresentada ao País a Constituïção que actualmente nos rege, que haveríamos de vir um dia a recorrer às tais comissões especializadas.
Os nossos trabalhos iniciaram-se como disse o Sr. Deputado Melo Machado e verificámos que, se a improvisação permitia certo brilho, por outro lado arrastava a conseqüências de votações precipitadas, que se impunha absolutamente evitar.
Está na memória de todos que se apresentaram, por vezes, alterações que profundamente modificavam o texto de propostas de lei, e muitas vezes sem termos tempo de as ponderar e estudar, quando se tratava de qualquer cousa de muito grave para a vida da Nação. Então reconhecemos que seria preferível sacrificar parte do brilho de improvisação ao estudo profundo das propostas em sessões de estudo, onde a colaboração de todos poderia conduzir a uma fórmula conveniente aos altos interêsses da Nação, que todos aqui representamos e temos o maior empenho em bem servir.
A Assemblea votou, e muito bem, o princípio das sessões de estudo.
Evidentemente que uma organização desta ordem não podia desde logo dar a plenitude dos seus resultados.
Muitas vezes a Nação podia concluir, da longa série de sessões de estudo, que o tempo desta Assemblea, não era bem empregado; mas eu sei que a maior parte do País não ignora que aqui se estudam profundamente os assuntos, que não se perde tempo, quantas vezes com trabalho esgotante.
Repito: estou convencido de que a criação das sessões de estudo, com sacrifício do brilho dos discursos, sacrifício, aliás, patriòticamente aceite desde logo e por todos, tem sido indiscutìvelmente útil para o trabalho desta Assemblea Nacional e se traduz em resultados benéficos para a Nação Portuguesa.
Além disso, como muito bem disse o Sr. Deputado Melo Machado, elas dão à Nação a impressão de que, de facto, a Assemblea está em plena actividade, pois que nos proporcionam o ensejo de, no período de antes da ordem do dia, tratar dos problemas magnos da nossa administração pública e de apresentar reclamações, alvitres, etc., ao Govêrno. O Diário das Sessões arquiva muitas dessas intervenções de vários colegas nossos, as quais demonstram bem a utilidade das sessões de estudo, em que a ordem do dia é destinada a estudo de propostas de lei, mas antes nos é permitido exercer a fiscalização indis-