6 DE JULHO DE 1945
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do Trabalho Nacional, tanto na sua doutrina como na orgânica por ela preconizada para sua realização.
S. Ex.ª louvou o Estatuto da Conferência de S. Francisco e o plano Beveridge. Sem analisar agora o seu conteúdo em relação à segurança social, eu vou mais longe: quero que se torne o trabalho participante na propriedade da emprêsa, naquela ampla e luminosa e equilibrada projecção que o Santo Padre lhe deu, há semanas, no seu memorável discurso, dirigido aos operários italianos. O problema social reside essencialmente no acesso à propriedade. Esta solução cabe muito bem no Estatuto do Trabalho Nacional. E não se tira de lá por muitas razões, mas principalmente porque a revolução legal precedeu a revolução mental, e estoutra, que Herriot, chefe dos radicais franceses, exprimiu, há dias, ao dizer que «a França — poderia dizer o mundo — não precisa de reformas políticas, mas de reformas morais».
Sr. Presidente: Virá a proposta no momento próprio, na hora em que a Nação a pede e o mundo a sugere? Não seria preferível esperar que os acontecimentos internacionais se definissem, o horizonte se clareasse, o mundo mostrasse o seu rumo definitivo, para então tomarmos a posição que êles aconselhassem? Esta «política de guarda-chuva» mostra apenas falta de confiança nos nossos princípios e esquecimento do significado da nossa tradição nacional. Pois nós, que fomos a luz do mundo, precisamos, nesta hora, em que todos nos apontam como exemplo, de pautar pela dos outros a nossa atitude? Nós, que fomos sempre condutores, não vamos agora tomar a posição de conduzidos! Só se orientam pela vida alheia os povos que não chegaram a ter vida própria ou, por desgraça sua, a chegaram a perder. Não é esse o nosso caso. Vistas as cousas à luz dêste ângulo, verifica-se que a proposta vem na hora própria e no momento preciso. No que eu continuo a chamar relatório da proposta disse o Sr. Presidente do Conselho:
A solidariedade é um facto e não uma regra de conduta.
Depois, como completando um pensamento:
As necessidades de reconstrução da Europa, os problemas políticos e sociais nascidos da guerra são de tal envergadura e urgência que a nenhum povo, e muito menos aos que foram poupados, será lícito abster-se de prestar a sua contribuïção com espírito de larga generosidade.
Isto significa que todas as transformações políticas, para serem oportunas e eficazes, devem assentar em duas realidades distintas e complementares: a personalidade colectiva dos povos e a mentalidade do ambiente internacional. Nenhuma nação se basta ou deve alhear-se do convívio e auxílio das demais, não para confundir a sua individualidade histórica mas para a aperfeiçoar e pôr ao serviço dos outros os seus recursos.
A cooperação não é só uma das notas da nossa personalidade histórica, mas uma das disposições da nossa Constituïção. Mas a solidariedade, a consideração do ambiente internacional não nos imporá uma revisão num sentido diverso do que a proposta prevê e realiza? A dar ouvidos a certas vozes, é-se tentado a crer que o ambiente político do mundo se caracteriza por um movimento progressivo e vitorioso do democratismo demagógico. Mas eu creio que se trata apenas de um êrro de observação ou talvez do um fenómeno de generalização ilícita. Têm-se dado, na verdade, nalguns povos, cuja estrutura política foi abalada ou destruída pela guerra, acontecimentos políticos esporádicos de reduzida extensão e de perfunctória profundidade, do sentido contrário ao da proposta. São os últimos arrancos dos pioneiros de sistemas que a guerra ultrapassou e que as bombas incendiárias enterraram a uma profundidade que não oferece probabilidades de exumação. A realidade política do mundo caminha por toda a parte sob o signo da autoridade. É ver o que se passa nas nações vencedoras. As potências anglo-americanas concentram-se em formas progressivas de autoridade, para, dizem, poupar os seus povos às violências da ditadura. A Rússia continua com a ditadura comunista, antiparlamentarista, antiliberal e fèrreamente absolutista. Na própria França, um homem com as tradições de Paul Reynaud propõe a De Gaule que torne o Executivo forte e lhe conceda funções legislativas, deixando para a assemblea política o exclusivo das leis fundamentais e as funções fiscalizadoras. Por fenómeno paradoxal, todos os esquerdismos democráticos se mudaram em estrénuos paladinos da autoridade. Verifica-se assim a verdade dessas palavras de Salazar:
A guerra foi por toda a parte feita com a liberdade possível e com a autoridade necessária.
Estas palavras não foram um grito profético, porque representavam uma visão clara do panorama político do mundo. Elas são hoje a expressão exacta da realidade da política dos povos. «Liberdade possível e autoridade necessária» são a medida humana do govêrno que é função da vida e por isso deve ter sempre em conta os direitos da pessoa humana, para quem vive, e, se a lei é escudo da liberdade, a autoridade é por vezes a melhor garantia da lei e da sua justiça. O contrário seria em muitos casos, para a sociedade, provocar a própria morte por uma derrocada, que arrastaria aqueles mesmos que professam a autoridade possível na liberdade absoluta, isto é, a desordem e a anarquia.
Em todo o caso, fala-se de democracia, mesmo nesses povos, e falam nela os mesmos que adensam a autoridade. É certo, mas fala-se naquela democracia orgânica e construtiva, hierárquica e ordenada, de que tam eloqüentemente falou Sua Santidade Pio XII e que é o govêrno não das massas amorfas e comandadas, mas da nação consciente dos seus direitos e dos seus deveres, em colaboração com as actividades do govêrno.
Fala-se na democracia que se manifesta pelos direitos de fiscalização, exercidos pela Nação de alto a baixo da sua vida governativa e administrativa.
Para chegarmos à proposta não carecemos de nos orientar pela conduta dos outros; bastou-nos deixar evoluir naturalmente a doutrina da Constituïção.
Mais felizes do que tantos outros, não precisamos alterar ou destruir nem doutrina nem orgânica. No fim de contas foram os outros que vieram ter connosco, talvez por sugestão do nosso exemplo, talvez pelo impulso irresponsável dos factos. O que importa é verificar que nós não precisamos de mudar nesta emergência histórica, em que o mundo revê os sistemas políticos que melhor se ajustam à grande obra de reconstrução em que anda empenhado. Proposta alguma entrou jamais nesta Câmara trazendo tam claro o signo da oportunidade e da conveniência.
Resta-nos agora saber se a proposta se mostra operante e eficaz na prossecução dos fins que visa alcançar. Propõe mais numerosa composição da Câmara, reforçado poder de fiscalização, maior período de funcionamento e novo método de trabalho. No fundo, apenas refôrço do poder de fiscalização, afirmado por maior número de Deputados, mais tempo de exercício e comissões permanentes. Importa, sobretudo, a mais numerosa composição da Câmara e as comissões permanentes. Comecemos pelos Deputados. Que significa o aumento dos componentes da Câmara em relação ao poder de fiscalização? Que cresceram os serviços, que aumentaram os Ministérios, que se multiplicaram os organismos da adminis-