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15 DE FEVEREIRO DE 1946 531

Finalmente Gaia, com uma população que não atinge o dobro da população do concelho da Feira, recebeu, respectivamente, 1:335 fardos de bacalhau, 1:272 sacos de arroz, 1:413 sacos de açúcar e 1:874 lotes de massas.
Do cotejo rápido destes números tiram-se as seguintes conclusões:
A Feira, com uma população de 61:187 habitantes, mais de oito vezes superior à de S. João da Madeira, recebeu, naquelas espécies de géneros, apenas quatro vezes mais, em média, do que este concelho.
Em relação a Espinho, tendo uma população 3,4 vezes superior à deste concelho, recebeu apenas contingentes duas vezes superiores aos atribuídos a Espinho nas três primeiras espécies de géneros e ainda menos de duas vezes com referência à última espécie.
Em relação a Gaia, tendo este concelho uma população inferior ao dobro da da Feira, a Gaia, para o mesmo período e relativamente aos mesmos géneros, atribuíram-se-lhe contingentes que ultrapassam três e quatro vezes mais os atribuídos à Feira.
Finalmente a Gondomar, com uma população que não atinge a do concelho da Feira, atribuíram-se-lhe contingentes que muito excedem os que foram atribuídos ao meu concelho.
Só em bacalhau, Gondomar recebeu a mais que a Feira 181 fardos, que, multiplicados por 60 quilogramas - peso de cada fardo -, atingem a cifra de 10:860 quilogramas.
Em arroz recebeu a mais 225 sacos, que, à razão de 75 quilogramas por cada saco, dá 16:875 quilogramas, que é uni número apreciável.
E tudo o mais na mesma flagrante proporção ou desproporção e referido a cada mês.
E todavia, meus senhores, como já disse, não há diferença sensível, nomeadamente entre estes dois concelhos e o meu, do ponto de vista da sua fisionomia económica.
Sr. Presidente: pode, porém, dizer-se que houve um tratamento excepcional para o concelho da Feira? De modo nenhum.
O fenómeno repete-se com a mesma vivacidade com relação a muitos outros concelhos pelo País todo.
Por isso mesmo o assunto atinge as proporções de um verdadeiro problema nacional, a que é urgente dar solução capaz - e é essencialmente por isso que o trago ao seio da Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A tese é, pois, esta:
Na fixação dos contingentes de géneros deve atender-se às realidades económicas de cada concelho, e não apenas a uma dessas realidades, mesmo que predominante seja.
Concelhos ou, de preferência, freguesias com características iguais, embora de concelhos diferentes, devem merecer neste capítulo igualdade de tratamento.
Assim o exige o imperativo de uma justiça distributiva.
Não podem, não devem, sob pena de se cometer flagrante injustiça, que, por ser relativa, é, por isso mesmo, mais dolorosa, continuar a subsistir tão berrantes anomalias.
Urge, por isso, pôr-lhes cobro, fazendo-as desaparecer.
Evidentemente que não é a mim, não é a nós que compete ditar os meios capazes de fazer desaparecei-ta is inconsequências.
Mas porque o meu maior desejo e o meu maior empenho é colaborar para um melhor aperfeiçoamento dos serviços, permito-me apontar dois meios que muito podem contribuir para fazer desaparecer ou atenuar as injustiças que apontei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para remediar tal situação de flagrante anomalia será preciso tirar aos concelhos que tem mais e repartir com os que têm menos?
Mesmo que assim fosse era ainda fazer justiça, que ninguém poderia repudiar; mas é que os concelhos que mais recebem, afinal, ainda recebem menos do que o suficiente.
Por isso mesmo, e enquanto subsistir a impossibilidade de o País ser suficientemente abastecido, só duas maneiras práticas e possíveis se antolham para remediar ou, ao menos, obviar a tais situações anómalas: rigor nos manifestos e repressão e, sobretudo, medidas de prevenção do comércio negro.
Por um lado, fiscalizar, rigorosamente, o manifesto dos produtos, embora simplificando-se, como é desejo da Câmara, a burocracia desses manifestos, mas por forma que tendam, quanto possível, a exprimir a verdade.
E, por outro lado, reprimir-se o cancro do comércio negro com severas medidas e pesadas sanções e, sobretudo, evitar-se esse comércio ilegal e fraudulento, e principalmente evitar-se as suas causas, descobrindo-se as fontes abastecedoras desse comércio pernicioso ao bem comum, apontando-se à execração pública, ao pelourinho da ignomínia, os fautores e exploradores desse comércio, e, estejam onde estiverem, correndo com eles sem piedade, como quem escorraça um animal daninho, e tudo por forma que refluam ao comércio local, para uma melhor distribuição, as grandes quantidades de géneros que fogem ao manifesto ou que por outras vias ou por outras formas afluem ao comércio ilegal e clandestino.
Há que prestar rasgada justiça à forma actuante como a Intendência Geral dos Abastecimentos vem reprimindo os delitos contra a economia, mas, sobretudo mais do que reprimir, o que urge é evitar.
Mais do que curar dos efeitos o que urge é atacar as causas a fundo, sem tergiversações, sem contemplações, sem piedade.
Urge pois que o Governo, e especialmente a Intendência Geral dos Abastecimentos, tome ou afine ajustadas e severas medidas, sobretudo para evitar os males evidentes que advêm, para as classes menos favorecidas, dessas situações de irregularidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E urge também que, reprimidas ou evitadas elas, o Governo possa e deva proclamar ao País que foram efectivamente tomadas as medidas necessárias e capazes de acabar de vez com as possibilidades de abastecimento desse nefando comércio ilícito.
E este o novo e último apelo que faço à ilustre Assembleia e, por meio dela, ao Governo da Nação, agora e sempre movido pelas duas únicas forças que impelem os meus actos: imperativo de justiça; desejo intenso de colaborar, de servir.
Sr. Presidente: vou terminar e já me alonguei demais para poder merecer a benevolência da Câmara.
Era mais grato ao meu espírito ou mesmo às minhas naturais inclinações tratar, embora sem ser literato, qualquer problema literário ou principalmente qualquer problema jurídico.
Mas, acima das nossas preferências ou das nossas inclinações, há que olhar e meditar sobre as realidades prementes da vida.