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16 DE JANEIRO DE 1947 257

Portugal, continental e insular, excede um tanto a média europeia dos cegos: para uma população de 7.772:152 habitantes dá-nos o censo de 1940 11:891 cegos de ambos os sexos, o que se representa pela permilagem de 1,54. Em censos anteriores (anos de 1911 e 1920) apuraram-se permilagens de 3,14 e 3,68, que parecem ter de atribuir-se a erros de notação. As mesmas razões poderão explicar ter-se apontado anteriormente sor maior o número de cegos mulheres que o dos homens, quando se julga mais conforme com a realidade distribuir a cegueira em partes iguais pelos dois sexos.

Outros números censuários completam o panorama. No continente os distritos que contam maior número de cegos são os do Viana do Castelo e de Aveiro, em que as permilagens se expressam por 2,01 e 2,16 - mais do dobro da média europeia; os, de menor número de cegos são os de Portalegre e de Évora, com 1,24 e 1,14 por mil, respectivamente. Nas ilhas adjacentes é o distrito da Horta que a todos os outros - mesmo aos do continente- excede, pois se inscreve com 2,75 por mil.

Por capitais de distrito, os mais altos números pertencem, naturalmente, a Lisboa e ao Porto - centros de verdadeira atracção urbanística -, contando aquela í:005 cegos e esta 446; nas ilhas, ao Funchal, com 185.

A distribuição por idades cresce, obviamente, com os anos de vida: começa por 5 por conto até aos 10 anos, conserva-se entre os 7 e os 8 por cento dos 10 aos 40, para depois dos 50 galgar bruscamente para a ordem dos 63 por cento.

E de que vivem os quase 12:000 cegos portugueses?

Se nos ativermos ao censo de 1940, a distribuição por actividades é esta: 7,8 por cento trabalham; 45,8 por cento, ou seja 5:477, estão a cargo da família; 17 por cento, ou 2:023, vivem de esmolas; 5,4 por conto, quer dizer 644, estão a cargo da Assistência e os restantes 2:356 figuram na rubrica «Outros meios de vida».

À vista do tais indicações poderia supor-se que o problema dos cegos em Portugal estava notavelmente diminuído de importância, limitando-se aos 2:000 que vivem de esmolas, já que os restantes - por trabalho próprio, amparo de família, socorro da Assistência ou outros meios de vida - estariam arrumados.

Mas não é assim, e por duas razões. A primeira é a de que, no meu entender, das rubricas do censo de 1940 «A cargo da família» e «Outros moios de vida» não pode concluir-se que os 8:600 cegos que elas abarcam tenham o amparo devido.

O censo é mais arrolamento do que devassa; tem de contentar-se em larga medida com as respostas dadas aos questionários, não apurando da verdade das informações, que bem podem, no caso sujeito, encobrir o receio - compreensível no meio pobre de recursos e de ilustração onde se recruta a grande massa dos cegos - de que, conhecida a verdade, o Governo venha, um dia, arrebatar o «ceguinho» ao seu meio e à sua liberdade, para o internar num asilo.

Quando se atacar o problema dos cegos terá de fazer-se um inquérito rigoroso que ponha a Administração perante números-realidades; e não será difícil alcançá-lo desde que se faça compreender aos cegos ou às suas famílias o fim a que as averiguações se destinam.

A segunda razão por que o problema não diminuiria de importância - mesmo que os números referidos fossem expressão de certezas - é a do que o cego tem a possibilidade, o dever e o direito de trabalhar, não podendo constituir um peso morto para a família ou para a sociedade.

Ainda duas reflexões a respeito dos números que o censo de 1940 faculta. Vivem do seu trabalho menos de 8 por cento dos cegos-uns 920. Mas que espécie de trabalho praticam? Que remuneração média faculta ele ao cego trabalhador? Eis dois pontos importantes. Estou

seguro de que, se esquadrinharmos o assunto, havemos de chegar à conclusão de que nem o trabalho a que os cegos se dedicam é o mais adequado às suas possibilidades nem o mais remunerador dentro delas.

Sabemos todos que ainda hoje em Portugal a maioria dos cegos que trabalham esmola pelas ruas e feiras a troco de música que executam, tendo ainda de repartir com pessoas de boa vista, que fornecem o condimento da cantiga, o produto da jorna diária. Quando os acompanhantes não são crianças de pouca idade, expostas a todos os perigos e inconvenientes das peregrinações do cego músico.

A Assistência tem a seu cargo - diz-nos o censo da 1940 - 644 cegos. Presumo que neste número se incluem os asilados.

Neste particular direi: sendo vinte e dois os distritos do continente e ilhas, apenas em cinco continentais e um insular há asilos ou asilos-escolas para cegos, e todos nascidos da beneficência privada. Contam-se seis em Lisboa, três no Porto, dois em Évora e um em Coimbra, em Portalegre e no Funchal - ao todo catorze.

Este o quadro dos cegos.

E como vai resolver-se o problema? É evidente que não me cabe a mim dizê-lo; o Governo de Salazar o dirá a sou tempo. Mas estou certo de que há-de adoptar a solução mais adequada. O meu propósito, ao pedir hoje a palavra, foi apenas o de agitar o problema, que bom merece a atenção pública, e referir o que me foi dado conhecer no país vizinho, já que tenho por muito acertada a solução que ali teve.

Podem resumir-se deste modo os princípios a que obedece a assistência dispensada pela Organización Nacional de Ciegos: o cego é uma unidade social que pode, devo e tem o direito de trabalhar; se a falta de vista lhe veda certas profissões e modos de vida, ficam-lhe ainda abertos muitos outros em que pode ganhar o suficiente para se manter dignamente.

Para que o cego os possa conquistar tem de facultar-se-lhe o ensino conveniente, tomando-o na idade pré-escolar, levando o até onde a sua condição social, faculdades, aptidões e mais circunstâncias aconselhem, facultando-lhe depois ocupação ou trabalho.

A par da obra educativa, tendente a colocar cada cego em condições de se bastar a si mesmo, há que, desenvolver uma intensa acção profiláctica da cegueira, dando combate aos males de que ela mais frequentemente provém - a oftalmia purulenta dos recém-nascidos, o mal luético e o tracoma-, e tornar extensivas aos cegos todas as modalidades assistenciais de que desfrutem os trabalhadores com vista.

Portanto: não mais cegos pedintes, cegos ociosos ou inactivos; asilados, só os inválidos; assistidos, todos pela medida do comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não era, todavia, possível, ao instituir-se em Espanha, em meados de Dezembro de 1938, a organização nacional dos cegos, fazer regressar todos os que não desfrutavam de vista à idade pré-escolar e encaminhá-los para os diferentes graus de ensino; mas tornava-se indispensável facultar ao maior número possível os meios de vida suficientes para a sua mantença por meio do trabalho.

Os aptos foram colocados em diversas indústrias, a quem se impôs a obrigação de empregarem certa percentagem de cegos, pois muitas há em que o seu trabalho pode ser utilizado; a organização, por sua parte, foi montando fábricas dotadas de equipamentos modernos - de produtos químicos, de caramelos, de escovas e outros produtos -, em cujo pessoal os cegos entravam na pró-