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470-(2) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83

a aprovação do seu projecto, e a resolução, portanto, de alguns problemas do inquilinato, não prejudicará, antes facilitará, a elaboração do Código da Locação.
Não tem, pois, a Câmara Corporativa nenhuma objecção a fazer à aprovação do projecto na generalidade. Resolvem-se problemas e facilita-se a resolução de outros, o que é já muito. E, porque se trata de um projecto que visa apenas a resolução de algumas questões e a interpretação de algumas disposições legais, a Câmara Corporativa, integrada no pensamento que o inspirou, põe de lado, por não virem a propósito, todas as críticas de que ele é susceptível na generalidade, baseadas na falta de unidade, na falta de sistematização, na junção de disposições de direito substantivo com disposições de processo e de direito fiscal, ou na circunstância de se aumentar a legislação do inquilinato com mais um diploma, para entrar na apreciação de cada um dos seus preceitos e pronunciar-se sobre a sua oportunidade e conveniência.

CAPITULO I

Formação do contrato

2. Admissibilidade do contrato verbal de arrendamento. - O corpo do artigo 1.º do projecto, admitindo o contrato verbal de arrendamento de prédios urbanos, altera o regime estabelecido no artigo 44.º do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, que exige, em princípio, o escrito particular com a assinatura do senhorio e do inquilino, como condição de validade ou de existência do contrato.
Esta matéria da forma tem sido objecto de constantes remodelações legislativas, e elas, só por si, quase explicam o alcance da reforma projectada e os uns que se pretendem obter.
O Código Civil não exigia nenhuma formalidade externa para a validade do contrato, deixando apenas ao domínio da legislação administrativa a determinação da forma do arrendamento dos bens do Estado e de quaisquer estabelecimentos públicos (artigo 1604.º). Foi o decreto de 12 de Novembro de 1910 que veio estabelecer uma solução diametralmente oposta, considerando, no artigo 2.º, necessário título autêntico, ou autenticado nos termos do artigo 2436.º do Código Civil 1. Esta solução ainda foi consagrada, nas suas linhas gerais, pelo decreto n.º 4:499, de 27 de Junho de 1918 (artigo 2.º).
O artigo 44.º do decreto n.º 5:411, ainda hoje em vigor, exige, como se disse, que o arrendamento seja feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino, exceptuando apenas os arrendamentos de quantia inferior a 2$50 cada mês, não sujeitos a registo, os quais podem ser feitos verbalmente.
A solução deste decreto revelou-se inconveniente num aspecto. Foi logo descoberto um processo prático e simples de os senhorios evitarem a aplicação do regime desfavorável do inquilinato. Em vez de reduzirem a escrito os seus contratos, celebravam-nos verbalmente e ficavam, assim, com a possibilidade, a todo o momento, contra as prescrições legais, de obterem o despejo do prédio, reivindicando-o em acção ordinária. Ao arrendatário era vedado invocar a sua posição de inquilino desde que não exibisse o título escrito exigido naquele artigo 44.º
Contra esta prática abusiva reagiu a lei n.º 1 :662, de 4 de Setembro de 1924, prescrevendo no seu artigo 4.º que «os arrendamentos de prédios urbanos serão, não: obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável a negligência, coacção, dolo ou má fé do senhorio».
Ainda, porém, se verificou que o problema não ficava inteiramente resolvido. Se, por um lado, se evitava que, em prejuízo do arrendatário, o senhorio usasse de coacção, dolo ou má fé, deixava-se este desprotegido quando a falta fosse imputável ao arrendatário. E as consequências podiam ser igualmente danosas, desde que se impunha neste caso o recurso à acção ordinária para se obter o despejo. O senhorio não podia obtê-lo por meio de acção própria, desde que não exibisse o título escrito, e o arrendatário podia muitas vezes evitar a procedência do pedido feito em acção ordinária, provando a existência de um arrendamento.
Contra este inconveniente reagiu o decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, ainda em vigor, preceituando no artigo 1.º: «Os arrendamentos de prédios urbanos serão, não obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatários.
Ficou, assim, estabelecido o princípio de que qualquer dos sujeitos da relação pode invocar o contrato, desde que a falta de título seja imputável à parte contrária, não sendo preciso, mesmo, fazer-se a prova de negligência, coacção, dolo ou má fé, como se exigia nu lei n.º 1:662, em relação ao senhorio. Afastou-se, pois, mais um inconveniente, mas criaram-se as mais duvidosas situações e os maiores embaraços aos tribunais, do que é reflexo a jurisprudência vária e hesitante dos últimos tempos neste domínio.
É que não se notou que, afinal, se regressava à regra da oralidade do contrato adoptada no Código Civil, pois, de futuro, os tribunais só poderiam atender à falta de título escrito quando essa falta fosse imputável a ambos os contraentes conjuntamente, o que, precisamente, tem embaraçado a justiça e a rectidão dos julgamentos.
Posta a questão nestes termos, parece indicado um destes caminhos: ou o regresso à solução pura do decreto n.º 5:411, ou a solução do projecto. O primeiro tem os inconvenientes que já apontámos, e a prática dos tribunais revela exuberantemente a necessidade de o afastar.
Passemos ao segundo:
Num ponto de vista de pura lógica jurídica parece condenado o sistema da oralidade. Não assim se se reconduzisse o contrato de arrendamento à sua primitiva natureza, de acto de onde emanam simples relações obrigacionais, mas sim se se atender à eficácia complexa, quase de natureza real, que tem no nosso País, como, de resto, na generalidade dos países estrangeiros. Na prática, o senhorio aliena perpetuamente uma parcela do seu domínio, dada a renovação que lhe é imposta, e o arrendatário adquire um direito real, que as leis têm reconhecido ao ponto de atribuírem a este o encargo de uma parte da contribuição predial, que é um imposto que incide sobre os rendimentos do prédio. Ora não se concebe, em princípio, que um contrato de natureza real sobre bens imobiliários possa ser realizado verbalmente. A regra é até a de se exigir escritura pública como único meio de se assegurar a seriedade e a autenticidade na manifestação de vontade.
É esta, fundamentalmente, a razão por que desde longe se vem exigindo no nosso direito uma forma escrita, e, todavia, não considera a Câmara Corporativa inteiramente procedente o raciocínio.

1 Estabeleciam-se todavia excepções em relação aos contratos realizados em freguesias onde não houvesse notários públicos e aos arrendamentos de pequeno valor (§§ 1.º o 2.º do artigo 2.º).