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5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(5)

intérpretes se louvarão de futuro nos ensinamentos da escola clássica francesa, que apresenta, ao lado das duas sanções que podem atingir um negócio jurídico - nulidade absoluta e nulidade relativa -, uma terceira - a inexistênciab-, cujas consequências são estas: o acto não pode produzir qualquer efeito de direito, pois tudo se passa como se ele não existisse materialmente.
Ora, é de crer que não esteja nas intenções do autor do projecto eliminar, ;por exemplo, a possibilidade de redução de um arrendamento sujeito a registo a um arrendamento anual ou semestral quando não conste de escritura pública. À própria economia do projecto repugna essa solução. Desde que se admite o contrato verbal e desde que a prova do arrendamento passa a poder fazer-se quase só através do recebimento das rendas e do facto de habitação, não há motivo para destruir toda a juridicidade do acto apenas porque oralmente se convencionou que o contrato duraria por quatro ou mais anos.
É precisamente a propósito de hipóteses como esta que o comum da doutrina alude à figura da redução dos negócios jurídicos, atribuindo-lhe este alcance: se o negócio a que os contraentes dão vida só parcialmente infringe a lei, importa aproveitar dele o que não vai do encontro à mesma lei. Quer dizer: o negócio passará a valer menos, reduz-se nos seus efeitos, até se acomodar dentro dos limites que lhe são permitidos. Mantém-se, é claro, o mesmo tipo de figura negocial. E nisto se distingue precisamente a redução da conversão dos negócios jurídicos.
Em termos mais ou menos explícitos acordam os autores todavia em não admitir a redução do negócio e este resultado chocar com a vontade presumível de uma ou de ambas as partes. O contrato deverá ser totalmente nulo, afirma-se, se, não podendo valer em toda a linha, puder razoavelmente presumir-se que as partes teriam preferido não celebrar negócio algum a ter de contentar-se com uma simples validade parcial. É, porém, um ponto em que os autores e as legislações enveredam por duas posições antagónicas. Uns afirmam, em princípio, a invalidada de todo o acto e só permitem a redução se puder presumir-se que os interessados não teriam deixado de celebrar o contrato reduzido. É a posição do Código Civil Alemão (§ 139.º) e a de quase todos os tratadistas tedescos5.
A doutrina tradicional considera, porém, como regra a validade da parte no negócio não afectada (utile per inutile non vitiatur), com ressalva dos casos em que se demonstre que as partes teriam preferido a nulidade total. E esta a posição do Código Austríaco (§ 878.º) e a do Código Suíço das Obrigações (artigo 20.º, § 2.º). E é esta também a solução que foi dada a este problema no projecto Pinto Loureiro6.
Parece, no entanto, à Câmara Corporativa que não deve, nesta matéria de arrendamentos sujeitos a registo, aceitar-se qualquer destes doia pontos de vista, e antes impor júris et de jure a redução do negócio, como o fazia o Código Civil, no § único do artigo 1601.º, no caso de o usufrutuário ter arrendado por tempo que excedesse o do seu usufruto7. É que há uma fortíssima presunção, não obstante a eficácia do contrato ficar limitada quanto ao tempo, de que os contraentes não deixariam de o celebrar; e permitir a prova do contrário seria admitir uma fonte de dúvidas e de conflitos. De resto, mesmo supondo-se falta de vontade de manter o arrendamento no caso de redução, o que só muito excepcionalmente acontecerá, os inconvenientes nunca serão grandes porque o inquilino tem sempre a faculdade, dentro de um prazo curto, de pôr termo ao contrato.
Mas há ainda razões especiais para, dentro do sistema sugerido pela Câmara Corporativa, aceitar sempre a redução.
A estipulação de um prazo longo funciona como uma daquelas cláusulas do negócio que não devem poder ser provadas senão por escrito. Ora, a lógica desta solução leva a considerar como inexistente a própria cláusula, e não o contrato, se este não consta do documento exigido por lei. É preciso também não deixar aberta uma porta a fraudes destinadas a afastar o regime legal rio arrendamento e a protecção devida aos arrendatários. Na solução, pelo menos aparente, do projecto bastaria celebrar o contrato por escrito particular (para se evitarem dificuldades futuras de prova) e atribuir-lhe a duração de cinco anos para que, considerado inexistente o acto, o senhorio pudesse a todo o momento obter o despejo do prédio por meio de uma acção de reivindicação.
O problema põe-se diferentemente quanto aos arrendamentos para comércio ou indústria. Este último argumento já não colhe. De parte a parte se discutem agora interesses patrimoniais. Não se procura a satisfação de uma necessidade primária, e, por isso, cada um dos interessados pode muito mais livremente defender a sua posição e os seus direitos exigindo a escritura como prova do contrato.
Isto não quer dizer, porém, que haja necessidade de proclamar, mesmo para este caso, a inexistência jurídica do acto, eu que essa declaração tenha os resultados desejados.
Com a afirmação categórica feita no § 1.º deve ter-se tido em vista a resolução de um problema que é certamente um dos que mais têm ocupado nos últimos tempos os tribunais e os autores - o da aplicação, neste caso da exigência de escritura, da doutrina do artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, que (preceitua: «Os arrendamentos de prédios urbanos serão, não obstante a falta de título escrito, reconhecidos em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário».
Há quem sustente que este princípio só não tem aplicação nos casos em que, para efeitos fiscais, se exige a escritura pública; há quem entenda que em caso nenhum é aplicável; há quem, inversamente, sustente que sempre deve ser aplicado, e têm aparecido ainda soluções intermédias, que atendem à data em que o contrato foi realizado.
Como pelo projecto só se exige escritura no caso em que é necessário evitar a fuga ao imposto do selo, a questão ficou muito simplificada, pois se identificaram as duas primeiras soluções.
Mas desde que a Câmara Corporativa se pronunciou acima no sentido de que deve manter-se a exigência da escritura em relação a todos os arrendamentos destinados ao comércio ou indústria, para ela a questão permanece em toda a sua complexidade, e nesses termos tem de ser apreciada.
Como já dissemos, a possibilidade de suprir a forma escrita, imputando-se a falta de título a um dos sujeitos, surgiu em 1924 (lei n.º 1:662), num momento em que ainda não se exigia escritura pública para os arrendamentos comerciais ou de locais destinados ao comércio ou indústria. Essa exigência só aparece em 1929 (decreto n.º 17:331). Tratava-se, portanto, de um prin-

5 Cf., por todos, Ennecoerus, Tratado (§ 169.º, IV, n.ºs 1 a 7).
6 § único do artigo 65.º: «Se for celebrado por título particular um arrendamento que devia constar de escritura pública, far-se-á a redução ao tempo necessário correspondente aos arrendamentos para que & suficiente o título particular, salvo se for manifesto que o contrato se fez em razoo do prazo nele estipulado».
7 § único do artigo 1601.º: «O usufrutuário por tempo limitado não pode fazer arrendamento por tempo que exceda o do seu usufruto; porém, se o fizer, não ficará de todo nulo o arrendamento, mas só pelo que toca ao tempo que exceder à duração do usufruto».