470-(4) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 83
critura pública, e não todos os arrendamentos comerciais ou industriais2.
Pois é precisamente esta última a solução que o projecto consagra. Não importa que o arrendamento seja comercial; o que importa é ter estado o prédio afectado há menos de um ano a comércio on indústria. E, assim, necessário aproximar este n.º 2.º do projecto, do artigo 1.º do decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, que hoje substitui o citado decreto n.º 17:331.
Preceitua este artigo: «A escritura de traspasse ou o documento de novo arrendamento de prédio ou parte de prédio urbano ocupado por estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências, os consultórios ou escritórios de profissões liberais e bem assim os locais onde se tenha exercido comércio, indústria ou profissões liberais há menos de um ano continuam sujeitos à taxa do imposto do selo de 5 por cento».
Mostra-se assim o carácter puramente fiscal da segunda excepção à oralidade do contrato de arrendamento, e seria, por isso, até de levantar o problema da supressão desse n.º 2.º, se esse simples facto não importasse imediatamente a suposição de que se pretendia revogar em parte este artigo 1.º do decreto n.º 27:235, deixando de se exigir a escritura pública como meio de assegurar o pagamento da taxa do imposto do selo de 5 por cento. E fiscais são também as disposições dos §§ 2.º e 3.º do artigo 1.º do projecto, e esta última dificilmente poderia ser eliminada, como se verá adiante.
É de parecer, pois, a Câmara Corporativa de que o n.º 2.º do projecto deve manter-se, mas não concorda que se não considere obrigatória a escritura pública para todos os arrendamentos destinados ao comércio ou u indústria.
Não é difícil apreender o sentido evidentemente lógico da tese do projecto. Foi, na verdade, o artigo 3.º do decreto n.º 17:331 que, pela primeira vez, veio exigir, no nosso direito, escritura pública para certos arrendamentos, desviando-se dos princípios gerais relativos à forma do contrato3. Mas fê-lo, não por motivos especiais inerentes ao destino comercial do arrendamento, mas por motivos puramente fiscais. Pretendia-se, como acima se disse, evitar a fuga da taxa do imposto do selo de 5 por cento, criada pelo artigo 2.º do decreto n.º 16:732, de 13 de Abril de 1929. O mesmo sentido tiveram e têm os decretos n.º 27:154, de 13 de Outubro de 1936, e n.º 27:235, de 23 de Novembro do mesmo ano. E, possivelmente, o mesmo se poderá dizer dos Códigos do Notariado de 1931 e de 1935.
Dir-se-á, portanto: desde que se assegure, através de uma escritura pública, o pagamento da taxa nos casos em que ela é devida, devem manter-se os princípios gerais nos outros casos, porque, de facto, não existem maiores dificuldades de prova nos arrendamentos para comércio ou indústria do que nos restantes arrendamentos.
São várias as objecções que se podem fazer a este raciocínio.
Bem ou mal interpretados os Códigos do Notariado, o que é certo é que desde 1931 se vive na convicção da obrigatoriedade da escritura pública em todos os arrendamentos para comércio ou indústria, e o sistema não tem sido mal recebido nem tem suscitado dúvidas, embaraços ou fraudes de qualquer ordem, a não ser pelo que respeita ao problema da aplicação ou não aplicacão, nestes casos, do artigo 1.º do decreto-lei n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, problema que adiante será referido.
Este o primeiro aspecto a considerar. Mas há outros de maior relevo e importância.
Se a figura arrendamento, de uma maneira geral, se apreende facilmente na vida jurídica, por não se confundir com outras situações, já não pode dizer-se o mesmo dos arrendamentos para comércio ou indústria postos em confronto com os arrendamentos destinados a outros fins. Postos de parte os casos em que ao arrendamento para comércio e indústria corresponde uma loja aberta ao público ou uma fábrica, e alguns outros, muitas vezes não há, na verdade», realidades facilmente verificáveis, e podem os interessados ter de cair nas contingências de uma prova testemunhal, para definir posições profundamente diferentes e profundamente graves. O arrendatário comercial pode traspassar o estabelecimento e sublocar o prédio, o que não acontece nos outros casos; pode exercer o direito de preferência; a sua posição transmite-se mortis causa em condições muito mais favoráveis, etc. É por isso que as rendas são, em geral, mais elevadas, em correspondência com a situação mais gravosa para o senhorio. Tais arrendamentos são verdadeiros negócios, e nem sequer se justifica que gozem daquela protecção económica que é devida aos arrendamentos que se destinam a satisfazer a necessidade primária da habitação. Tudo o que se disse a respeito das cláusulas acidentais do contrato pode, no fundo, dizer-se a respeito dos arrendamentos comerciais.
Um outro aspecto ainda a atender diz respeito ao próprio assentimento do senhorio. Trata-se de um acto mais grave para o seu património, e é razoável que se exija não só prova concludente do consentimento, como se assegure, com a intervenção do notário, seriedade na celebração do contrato.
Esta é uma razão que parece ser decisiva, se se fizer o confronto entre os arrendamentos comerciais ou industriais e os arrendamentos sujeitos a registo. Estão sujeitos a registo, segundo a alínea e) do § 2.º do artigo 949.º do Código Civil, os arrendamentos por mais de um ano, havendo adiantamento de renda, ou por mais de quatro, não o havendo. A escritura pública é exigida nestes casos em consequência das razões acima apontadas. Ora não pode duvidar-se de que é muito mais gravoso um arrendamento para comércio do que um arrendamento a longo prazo. A longo prazo são, afinal, hoje todos, sendo mínimas as faculdades que advêm ao senhorio em consequência do termo do prazo contratual, ao passo que os direitos de preferência, os direitos de traspasse ou os direitos latos de transmissão mortis causa só os têm os arrendatários comerciais ou industriais4.
É de parecer, pois, a Câmara Corporativa que aos dois casos referidos no § 1.º do artigo 1.º se acrescente o dos arrendamentos para comércio ou indústria; e bem assim o dos arrendamentos para profissões liberais, a que a lei actual faz referência destacada, mas que entram na mesma ordem de considerações.
4. Consequências da falta de escritura. - Dispõe-se no § 1.º do artigo 1.º que os arrendamentos nele referidos constarão obrigatoriamente de escritura pública para que tenham existência jurídica. Faz-se uma afirmação com as mais graves consequências jurídicas. Não se tendo definido o alcance da inexistência jurídica em matéria de contratos de arrendamento, será certo que os
2 Vide Dr. Castro Pita na Rev. de Dir. de Est. Soc., ano 2.º, p. 73 (nota).
3 Dizia esse artigo 3.º: «Os novos arrendamentos serão, como os traspasses, reduzidos sempre a escritura, sem o que não podarão os respectivos contratos ser invocados nem admitidos em juízo ou perante qualquer autoridade ou repartição pública».
4 No projecto Pinto Loureiro exigia-se escritura pública para todos os arrendamentos comerciais e industriais (artigo 96.º).