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3 DE MARÇO DE 1947 709

Levava no meu manto de peregrino o delicado cântico de João do Ameal e no mesmo manto levava também a lírica em prosa que Maria Osswald, a dona portuguesa, entoou no altar do imolado. E nos meus ouvidos ressoavam as homílias do jovem Luís Moreira, que na curta trajectória da sua vida soube fazer vibrar em peitos de portugueses a devoção e o amor por esse grande arauto da expansão universalista da alma nacional, que a luz da igreja católica vai elevar à santidade dos altares. Porque a cultura cristã abrange mundos de sonho e de ideal, que transcendem os limites das fronteiras nacionais. E quando um povo, pêlos feitos dos seus heróis, inscreve no fito dos seus objectivos o ideal de aspirações tão super-humanas relega a um canto obscuro as suas realizações terrenas para viver na eternidade das gerações dos povos que teve a glória de contactar, de amar e de iluminar.
E na contemplação da estátua desse pagem macerado, que trocou as delícias da Corte pela auréola de martírio que o exalta para a eternidade, a mensagem de João de Brito jorrou luminosa na minha alma de pecador.
Sr. Presidente: João de Brito é a criação genuína da alma indómita do povo português, que em avatares variados cintila de quando em quando, em refulgências que fazem o espanto do Mundo. É a alma da Pátria que, em permanente ebulição criadora, com fulgores que lhe são próprios, com métodos que são exclusivamente seus, ressurge vezes sem conta no curso da história! Guarnece-a de quinas Afonso Henriques, tece-a de flores Santa Isabel, unge-a de bênçãos o Santo Condestável e arroja-a para o largo ignoto e insondado o Infante de Sagres. E, levada nas asas da fama, ela é a alma aventureira das conquistas e descobertas e ela é a alma amorável e sonhadora da cristianização do Mundo.
Portugueses de aquém e de além-mar que me ouvis, essa cristianização, que foi o fito máximo a que se devotaram, pela qual morreram os vossos avós em mares ignotos, em plagas inóspitas de um mundo até aí ignorado, quer dizer a irmanação, a fraternidade das almas humanas: é este o primeiro cântico da mensagem de João de Brito aos filhos da sua terra.
A grandeza de Portugal reside na universalidade da sua expansão espiritual. Quem não quiser seguir essa trajectória que lhe marcou a estrutura da sua alma rasga a história do seu País e viola e criminosamente trai a consciência da sua Nação!
Ao meu espírito de indiano que está impregnado da prece dos seus ascetas, que murmuram: «Senhor, dai-me, como dádiva suprema, aquela parcela de riqueza que desdenha todas as riquezas do Mundo», não me deslumbram os feitos dos guerreiros que avassalam os mundos; seduzem-me, porém, as epopeias de amor que conquistam os corações dos povos.
Fui encontrá-las nas ruínas de Baçaim; fui encontrá-las no esplendor espiritual do Padroado, de que materialmente nos não restam hoje mais do que uns pobres farrapos esparsos; fui encontrá-las nesse jardim encantado que é a ilha de Ceilão, onde a obra do missionarismo português foi continuada por um conterrâneo meu, o beato padre José Vaz, que as cristandades de Goa anseiam por ver elevado à santidade do altar.
E ireis vê-las no Extremo-Oriente - Malaca, Singapura, ilhas da Oceania, terras da China, costas do Japão - resistindo aos vaivéns do destino, numa floração fecunda de amor e de fé, porque em terras do Oriente, onde os arautos das quinas foram encontrar povos estabilizados na grandeza de civilizações por vezes de requintada opulência, a imagem de Portugal não imprimiu às terras descobertas nem a riqueza da língua nem o esplendor do seu fausto externo, mas muito particularmente a pureza da espiritualidade da doutrina dos seus missionários.
É necessário que o povo de Portugal saiba compreender esta faceta psicológica da alma oriental: em terras do Oriente que foram nossas, em terras do Oriente que ainda hoje nossas são, o traço princeps que as liga a Portugal nem sempre é Luís de Camões, é porém uma mutação diversa da alma portuguesa, é S. Francisco Xavier!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Vi milhares de hindus, desde o ária alourado do Kashmir às tribos drávidas do Sul, ciosos das suas crenças, acotovelando-se na peregrinação sagrada aos tanques de Hardwar; vi as correntes de romeiros que, de sandálias nos pés e o corpo adornado de pinturas sacras, vão mergulhar as cinzas dos seus mortos no Ganges, que banha a cidade de Benares. E vi a vaga de piedade que na velha cidade de Goa reúne a infinita mole dos seres humanos à volta do corpo mirrado de S. Francisco, que as minhas funções oficiais me obrigavam a ser um dos primeiros a contemplar na paz serena do seu sarcófago venerado.
E -oh milagre de amor e de fé, soberana, dominadora, universal!- foi somente à roda desse túmulo que eu vi hindus, cristãos, parses e mouros, homens de todas as crenças, sectários de todas as religiões, irmanados no mesmo sentimento de convicção da sua insignificância, implorando em soluços em volta desse corpo mirrado uma graça para as suas almas tocadas pela dor e prestes a sucumbir ao peso do infortúnio!
Nearest to the great when we are great in humility, disse-o Tagore! Este milagre de fraternidade universal, do nivelamento de grandes e pequenos perante a grandeza do Infinito, foi o Portugal missionário quem o soube realizar em terras do Oriente!
S. Francisco Xavier é o símbolo desta primeira fase da evangelização lusitana. Tinha algo de insólito, como insólitas eram as durindanas dos guerreiros lusos. A sua doutrina continha transcendências luminosas de uma fé monoteísta que se foi espalhando pelas vastas costas do Oriente como a chama que ateia o incêndio nas searas secas.
Mas a gloriosa ascensão do nosso poder temporal ia declinando! O cativeiro filipino ia-nos despojando da maior parte das nossas conquistas de além-mar. E a palavra santa dos evangelizadores já não tinha a escorá-la o brilho da espada, que tanta vez lhe serviu de esteio.
Foi nessa quadra da história portuguesa que a alma, de Portugal concebeu uma nova fase de expansão, procurando elevar-se pêlos confins do Imaterial e estender a influência espiritual de Portugal a cumes não sonhados pela conquista da Espada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É a esta segunda fase de evangelização que pertence o Santo João de Brito.
Findou o século das descobertas; está velada com unia névoa de infortúnio a fase luminosa das conquistas heróicas. Mas a alma de Portugal não pode confinar-se às barreiras do Atlântico e o novo avatar da sua expansão é esse anseio de missionarismo para levar a mensagem da fraternidade em Cristo às terras de além-mar.
Na índia, na China, nas Celebes, nas Molucas, os missionários portugueses, abraçando as directrizes do padre Nobile, adaptando-se inteligentemente aos hábitos da terra, envergando trajes locais, usando a indumentária do respectivo país, construindo templos cristãos em estilo local, eliminando por completo qualquer traço de aparência externa que os possa diferenciar das populações nativas, com cujos ascetas e sanyassis procuram irmanar-se para melhormente apelar à alma dos povos,