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3 DE MARÇO DE 1947 713

Não foi certamente sem motivo que a leitura do relatório do Ministro das Finanças se assimilou no meu espírito aos belos trabalhos do Prof. Rist - como eles, claro, objectivo, analítico, imparcial.
No último volume, sobre Mecanismos económicos elementares, onde predominam as descrições monetárias, Rist arvora o seguinte dístico: «não proponho nada, não suponho nada, exponho simplesmente».
Esta atitude cientificamente ortodoxa vivifica, por igual, o relatório. Ele ascende a esclarecimento completo, escrito desaipaixonadamemte; nem por um momento pretendeu avançar até uma apologética, contraditória de outras orientações, nem se consumiu numa defesa de ideias próprias. O relatório espõe magnificamente o que se passou.
Não teoriza, não presume, facilita e esclarece o trabalho da Câmara, a quem pertencia a palavra.
Só por apressada crítica se notará a falta de uma teoria monetária, destas que abrem caminho a discussões. Mas até essa existe - a do rendimento.
Muitos portugueses se comprazem no sonho que o poeta oriental comparou na beleza às rosas frescas desmaiando sobre uma taça de ouro.
Deixo aos portugueses que, como o Dr. Bustorff, estremecem e se revêem na imagem desvanecida dos seus filhos a visão empolgante de um Portugal maior e melhor que a geração actual transmitirá como herança sagrada. Deixo-os entregues ao seu sonho.
Mas dirijo-me à consciência dos outros portugueses.
Proponho que balancem de um lado os custos sociais da inflação dos anos que passaram, dos sacrifícios, maçadas, inquietações, aborrecimentos, e prejuízos mesmo, e do outro as vantagens que no ponto de vista de nação representam largas disponibilidades sobre todas as praças e fábricas do Mundo.
Pesem as agruras resultantes da alta dos preços, mas pesem também as possibilidades de aquisição de navios, máquinas, turbinas, engenhos, abastecimentos mesmo, que nos fornecem as actuais disponibilidades.
Tem graça e não ofende que alguns críticos da política monetária, pouco iniciados nos mistérios cambiais, relatem ter comido barato na Itália e na Bélgica e ter auferido grandes diversões em cidades francesas.
Pergunto: se estivéssemos na posição anterior à guerra - Deus me livre de invocar o quadro vizinho da reforma financeira de 1928-1931 e aqui pintado com algumas fortes pinceladas -, não seria com dificuldade, por conta-gotas e morosamente que obteríamos o apetrechamento que o País requer? Quanto custa um só paquete? Acaso os sacrifícios teriam sido vãos?
Valeu a pena?
Deixo estas dúvidas à consciência de muitos.
Se saíssemos da guerra como entrámos, havíamos de comprar material ferroviário, navios, turbinas, máquinas a crédito -ou duas ou três coisas a pronto- em condições onerosas, sem poder discutir com o fornecedor, e talvez, quando chegasse a hora de liquidar, houvesse câmbios desfavoráveis a multiplicar os encargos. Entre os custos actuais e passados e os benefícios à vista ou futuros é preciso dar um balanço como pórtico de toda esta questão. As agulhas e o quadrante da política monetária são-nos dados pela estatística. Através dela podemos tomar conta dos movimentos económicos e seguir como funciona o circuito - mercadorias, serviços, moeda, ganhos e salários.
Se queremos distribuir, regular, dar corda, dirigir, saber onde estamos - saber para onde nos encaminhamos - temos de consultar o relógio monetário pelo seu mostrador; e as agulhas e números são-nos dados pela estatística.
Já no tempo de D. Pedro V se liam por aqui números e séries. Agora - note V. Ex.ª, Sr. Presidente - quase não podemos dar um passo sem eles. Mas eu, na medida do possível, desejo poupar a Câmara a esta exibição.
Não aqui.
Que nos dizem os ponteiros da relojoaria monetária sobre o poder comprador interno da moeda portuguesa há poucos anos a esta parte?
Quanto ao exterior, já sabemos que o relógio parece que parou em todos os quadrantes o meridianos. O escudo manté-se direito nas praças do Mundo e a sua sombra toma o rumo norte, direito também.
Internamente?
Parece que Fisher tem agora aqui regimento, em vez de alguns soldados. Irving Fisher, o qual não perdeu de moda nem é quantitativista puro -pois que na sua fórmula cabem inúmeros factores e até os psicológicos- mostra como o poder comprador da moeda e o nível dos preços são funções recíprocas, ainda que esta reciprocidade não seja perfeitamente algébrica.
Se o nível geral doa preços, dado pêlos múmeros-indices, sobe, a moeda e os cheques aumentaram ou andam mais velozes. Se desce, a quantidade da moeda pura e escriturai desce ou perde velocidade.
Justificam-no, primeiramente, nada menos de 2:000 anos de experiências monetárias.
Justificam-no as várias inflações do nosso tempo . . .
A técnica dos nossos índices, enquanto não caminhar para maior homogeneidade de dados, causa-nos grandes perplexidades e pode conduzir a demonstrações indesejáveis.
Citarei só este facto fundamental: entre os preços por atacado e de retalho não há a homogeneidade precisa para um confronto, nem são as mesmas as mercadorias iniciais, nem os anos básicos. Quer dizer: estamos quase inibidos de saber que entre o produto vendido pela empresa, negociado pelo armazém e adquirido pelo consumidor há tais e tais diferenças. Vejam como é quase impossível saber o peso enorme dos intermediários, a não ser que nos contentemos com algumas percentagens oficiais.
Claro que não é preciso chegar ao refreamento, preconizado por Bowley, de eliminar dos índices as mercadorias sujeitas a causas ou variações especiais. Por isso sou forçado a tomar somente alguns números de 1939 a esta parte para evidenciar os fenómenos por ele acusados.
Se pegar nos números fornecidos pelo Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, que agora publica magníficas sínteses comparativas, relativas a notas em circulação, e os alinhar com os índices simples do conjunto dos produtos alimentares, que começam em 1939, posso ver como eles se desenvolvem sob uma acção comum e a moeda parece repuxar o custo da vida e levá-lo na sua esteira consigo, para cima, tendo por vezes paralelismo de movimentos. Mas os preços apresentam a compreensível resistência em acompanhá-la, o que resulta do predomínio dos preços oficiais nos índices.
Também a estatística nos mostra que o credor hipotecário, que em 1938 colocava os seus haveres à taxa de 7,04 por cento, em 1945 obtinha apenas 6,44 por cento de remuneração.
O portador da dívida pública, que em 1938 auferia um interesse real de 3,79 por cento, em 1945 obtinha apenas 2,84 por cento. Falo só no aspecto dos rendimentos e poupo à Câmara a verificação das descapitalizações.
O obrigacionista, que em 1938 obtinha 6,17 por cento, encontrava-se em 1945 com 4,04 por cento apenas.