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716 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 90

Logo ao dar os primeiros passos temos de arredar um obstáculo posto no nosso caminho, que, não obstante, se diz desimpedido: concepção austríaca do dinheiro «neutral».
A escola de Viena, o grande reduto do neo-liberalismo, continua proclamando que a moeda tem uma posição de indiferença no curso dos fenómenos económicos. Ou, se não tem, devia ter, de maneira que estivesse longe dos conflitos e mantivesse a sua função de denominador comum dos valores, para além dos movimentos dos bens e serviços.
Quer dizer: a moeda não pode ser amiga nem inimiga, nem mesmo aliada - há-de ser, terá de ser, neutra.
Daqui se tiram consequências de lógica pura: os homens do Governo não hão-de intervir nos domínios da moeda. Intervirão apenas no sector das mercadorias, se quiserem manter a sanidade monetária e a elasticidade do crédito.
Concepção de origem liberal, de estrutura liberal, servida de estudos exactos, ela não se acomoda às realidades de hoje nem às aspirações actuais. Não podemos ficar nas aparências lógicas das análises puras.
Digam os que padecem com a perda do poder comprador da moeda se o dinheiro, em vez de neutral, não parece, às vezes, inimigo.
Digam os que acastelaram sobrelucros e fizeram guindes cabedais em todas as guerras se o dinheiro não foi seu amigo e aliado, se não foi mesmo o seu instrumento de combate e vitória.
E digam os que lutaram com rendimentos cada vez mais insuficientes se foi apenas a escassez dos mercados o seu grande adversário. O dinheiro não é neutro!
Quando o director de um banco central manda para a circulação uma nota recém-estampada, fresquinha de tinta, sabe ao certo que, para além de um limite, ela irá beneficiar uns e prejudicar outros.
Sabe que o seu mágico poder nos mercados pode subir e descer, fazendo-o quebrar a solidariedade nacional, em proveito de alguns mais felizes.
Talvez próximo das concepções austríacas, vemos agora posta a ideia de que nos bate à porta um movimento de deflação. Esta é o movimento antagónico de inflação, e tanto pode significar descida do nível geral de preços como simples contracção monetária. Alguns preços desceram, como outro dias dissemos.
A procura de meios para pagamentos no mercado internacional, derivada de repatriações de capitais, de investimentos e de importações maciças em larga escala, também se faz notar.
Pode haver mudança de tendência no nível da taxa de desconto.
Parece que alguns bancos, no sentido de confirmar a baixa, restringiram a oferta de crédito.
Diga-se de passagem que não louvo esta última táctica. Se forem atingidas empresas em reconversão, se forem apostas dificuldades às iniciativas criadoras, se não estiverem restauradas as existências, a banca, que está pletórica e é demasiadamente prudente, pode ter seguido caminho cauteloso, mas errado.
Lembremo-nos de que o major Douglas mostrou como os bancos podem agravar os desregramentos económicos. Se criam créditos nas quadras prósperas, agravam sem necessidade a crise próxima. Se o restringem no momento em que se tornava necessário fornecê-lo, iniciam a mesma crise.
Mas voltando ao assunto:
A deflação natural é formulada muito cautelosamente no lúcido relatório do Banco de Portugal, nos seguintes termos:
A medida que se forem abrandando ou suprimindo os rígidos condicionamentos da economia de guerra, há pouco terminada, os preços hão-de procurar o seu nível económico, o qual denunciará iniludìvelmente a evolução da economia de paz em cada país.
Enquanto a produção não retomar o seu ritmo normal e enquanto o comércio internacional se não intensificar, será muito difícil contrariar a alta de preços ou estabilizá-los, mesmo que se adoptem as mais severas medidas financeiras e monetárias (relatório do conselho de administração do Banco de Portugal, gerência de 1945, p. 12).

Tenho a impressão de que o relatório apresentado pelo Ministro das Finanças reduz a hipótese da deflação natural às suas relativas proporções.
As reservas monetárias do País, constituídas e mobilizadas durante a guerra, serão, em parte, consumidas no mercado internacional - em compras de bens de capital e apetrechamentos; em suprimentos aos nossos abastecimentos deficientes.
Caberão aqui as repatriações de capitais estrangeiros p o êxodo provável dalguns nossos.
Não devemos, realmente, confiar muito hoje no «deus-dará». Já na outra guerra a economia tinha perdido o seu belo e tradicional carácter de auto-regulamentação.
Direi ainda que não só a economia se não mostra auto-regulamentadora como não será auto-reparadora de agravos, estragos e sacrifícios verificados.
Eu ponho assim a questão: a deflação, mesmo quando verificável em plenitude, não é capaz de nos dar a reposição das situações anteriores.
Quem perdeu . . . perdeu! Quem sofreu . . . não esquecerá facilmente os seus males! Os sedentos de justiça não verão inteiramente compensadas as suas injustiças!
Quer dizer: a deflação natural não será senão um capítulo e é incapaz de restituir o que se perdeu ou ir cobrar o que alguns obtiveram em demasia. Por concepção, estudo, reflexões, não creio na virtude da deflação natural e inclino-me a crer que ela deve ser seguida, vigiada, fiscalizada...
Canalizada, até!
A concepção do dinheiro «neutral» enferma de um grande defeito: conduz logicamente a que se assista no desenvolver de uma crise, de braços cruzados, e tudo se lhe afigura estranho, a não ser a imagem da própria inércia.
A grande função da banca consiste em canalizar a poupança para o investimento, aumentando assim o rendimento nacional e tornando a vida melhor aos milhões de portugueses.
Será caso único no Mundo imaginar-se que ser banqueiro consiste em guardar ciosamente a porta do cofre, amontoando milhões e não emprestando aos iniciadores e criadores da riqueza nacional ou aos intermediários da função útil.
Sei, Sr. Presidente, que o banqueiro não ê um acrobata operando prodígios, mas também não é, afirmo, um amador, sempre colado às tábuas, com medo do que vem.
O banqueiro é mais alguma coisa do que claviculário. Já me referi ao reparo feito pelo major Douglas. Qualquer de nós, dispondo de terras inexploradas ou de utilização rudimentar, não se limitará a guardar ciosamente os seus capitais; irá aplicá-los ali, investi-los utilmente. As grandes disponibilidades da banca hão-de ser dirigidas para os recursos inexplorados e para as terras do ultramar.
Não é preciso medidas drásticas - tente-se uma mobilização amigável dos capitais depositados, assentando em planos bem estudados e tecnicamente rigorosos.