3 DE MARÇO DE 1947 715
Primeiramente tomos arrastados no torvelinho da guerra - o relatório do Ministro das Finanças é nítido e definitivo a este respeito: as matérias-primas que sobem, os materiais e os produtos que não sabemos nem podemos produzir e que entram com maiores preços, as saídas de produtos nacionais que o estrangeiro romunera pelo seu nível e que introduzem aqui quantidades novas e enormes de meios de pagamento, tudo isso foi alavanca.
Em seguida, por uma circunstância que sòmente os comunistas poderão censurar, o Governo pretendeu salvar uma parte da grande herança de liberdade económica, para manter a elasticidade do sistema, para não apoquentar o português, recalcitrante sempre perante regulamentações, e porque entre o sistema «que estava» e o que as necessidades impunham havia que prestar alguma confiança ao «que estava».
Também culpa de nós todos -a formação social do português, a sua têmpera, a sua disciplina não o fadaram para a organização completa nem para o racionamento. A crítica ao sistema e ao funcionamento entre nós estava antecipadamente feita - já o escrevi.
Não me venham apontar o que se conseguiu na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos-nós somos nós, orgulhosamente nós, com virtudes castiças, mas com proverbiais defeitos.
Por um lado a táctica de combate à declinação do poder de compra somente poderia obter-se por uma política altamente empenhada em tal fim. E a política económica, por demasiadamente complexa, decerto que não pôde escravizar-se a este fim singular. Tolhido mesmo entre intuitos antagónicos, como era acalorar o produtor e aliviar o consumidor, tinha de lutar com vários braços e, em diferentes lados, desempenhar-se de tarefas que ao mesmo tempo se excluíam. Mas a verdade é que se havia escassez de certos produtos alimentícios era necessário recorrer a terras menos férteis, tentar culturas e indústrias não muito recomendáveis economicamente - e assim os preços haviam de ser estimulantes o bastante, e nem sempre o foram; e deviam encontrar-se formulados com antecedência precisa sobre a respectiva campanha económica, o que nem sempre se fez.
E ainda no aspecto técnico da político de preços: Nós temos regimes gerais de fracções mínimas e condicionamentos: cito o regime dos concelhos fronteiriços, dos hotéis e das pastelarias.
Temos regimes complexivos no açúcar, no pão, nas conservas e nas carnes - este último deve requerer meses de aprendizagem às autoridades económicas para poderem fazer exame e passar.
Temos preços firmes - nas ervilhas, arroz, etc. Temos preços tabelados de venda ao público - no sal, figos, conservas, marmelada e queijos...
Temos preços marcados de atacado e de retalho - nos legumes, massas, sabões e - até nos preços.
Temos preços tabelados na produção e no comércio do azeite, batatas e bacalhau -repare-se como andam juntinhos até na regulamentação!- e nos óleos... Temos preços máximos - na farinha de trigo em rama, no milho e no centeio, na sardinha, no milho colonial, na lenha e toros...
Temos preços acompanhados; de pesos específicos no trigo...
Temos preços mínimos também.
Temos preços que variam nos centros urbanos e fabris.
Temos intervenções laterais que alteram a mecânica dos preços - os subsídios aos produtores, as intervenções na venda de peles do rebanho nacional. Temos reservas de produtos.
Temos guias, quer para transporte, quer para abastecimento.
E agora intervém um raciocínio económico - para vigiar e reprimir a acção do poder de compra nos mercados era necessário responder com uma política - unitária de preços que, sobretudo, os segurasse por cimos. Era preciso obter limites superiores justos, mas inultrapassáveis.
Isto não se fez; decerto não pôde ser feito.
Mas há mais: as transacções com o mercado internacional, que haviam de completar a política interna, estavam, sujeitas a tendências dispersivas e fragmentárias. Vejamos:
Licença do Ministério do Comércio e Indústria, através do Conselho Técnico Corporativo;
Licenças simples do Ministério da Economia;
Licenças passadas pelo Instituto Nacional do Pão, pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários e pela Junta Nacional dos Lacticínios da Madeira;
Licenças passadas pelas Junta Nacional do Azeite, Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau, Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama, Comissão Reguladora do Comércio de Carvão, Comissão Reguladora do Comércio de Metais, Comissão Reguladora das Oleaginosas e Óleos Vegetais, Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, Junta de Exportação do Café Colonial e Junta Nacional do Vinho.
Vi várias vezes importadores disporem de farinha, massas alimentícias carregadas em Nova-Iorque c a descarregar em Lisboa, quando o País se debatia com falta de ambas, impossibilitados de fornecer o consumo interno por não estarem previamente inscritos num Grémio.
É certo que, para evitar movimentos desnorteados mas transacções, as alturas teriam de ser relativas, proporcionadas aos custos, vias devia ter-se nivelado melhor.
Quer ver-se ?
De 1939 a Outubro de 1946 os preços dos géneros agrícolas flutuaram assim: legumes, de 116 para 644; produtos de origem animal, de 93 para 240; batatas, de 140 para 643; milho, de 98 para, 237; azeite, de 100 para 216; vinho, de 93 para 380; trigo, de 105 para 189.
Acrescento agora um produto que entra em 34 por cento da despesa com a alimentação em Portugal:
Peixe (conjunto), de 107 para 557 (Setembro de 1946).
Portanto, todos os preços subiram no conjunto, o que corresponde a fatal declinação do poder comprador da moeda, mas, ao passo que alguns duplicam apenas, como o azeite ou o trigo, que ainda fica aquém, outros, como a batata, quase quintuplicaram, e outros, como OM legumes, andam próximos do multiplicador 6.
A força, da própria economia natural, as alterações do gosto do consumidor e a dispersão dos preços mostravam que não fora possível segurar a declinação do poder de compra por igual; somente uma economia de guerra de completa mobilização ou um regime totalitário disporiam de tão mágico poder!
Somente uma política espantosamente repressiva, dos preços, pelo Ministério da Economia, e uma política despótica dos salários, pelo Subsecretariado das Corporações, teriam o condão de se opor à ascensão do custo da vida. Ela não podia ser tentada; se o fosse haveria uma grande revolução; direi mais: haveria, pelo menos, tantas como de 14 de Maio ao 28 do mesmo! Mas, discutindo-se a política do Ministério das Finanças, este capítulo encontra-se fora do âmbito do aviso prévio.
Os que viveram na paz e sossego, além das graças que devem ao Altíssimo, não podem raciocinar como se tivessem passado por baixo da metralha.