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718 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 95

me parecem de relevo, sem a intenção, contudo, de fixar doutrina nem apontar soluções explícitas para questão que é muito delicada e grave.
Julgo que a crise de agora não se originou apenas nas vicissitudes da guerra. Não é apenas o reflexo das actividades desordenadas que se desenvolveram entre nós nesse período, pelo menos na parte relativa a certos produtos.
Era inevitável, em face das circunstâncias, haver sobressaltos económicos e fortes impulsos tendentes a enfraquecer o valor intrínseco da moeda em relação ao custo da vida. Se porém, houvessem sido tomadas medidas mais eficazes e enérgicas no sentido de atenuar os seus efeitos, talvez fosse possível evitar que o índice de preços subisse tão alto e, dadas as características da nossa vida social, talvez não fosse impraticável trazê-lo, gradualmente, até quase à paridade, ou muito próximo dela, nos anos que se seguissem ao conflito.
Para esclarecer o que acabo de expor, em fornia tão elementar quanto seja permitido pela complexidade de assunto que envolve tantas variáveis, alguma» de natureza psicológica, desfiarei o rosário dos principais factos de ordem financeira e económica que caracterizaram a vida portuguesa nos últimos tempos, porque, em meu fraco entendimento, eles estão encadeados com a situação actual.
E fá-lo-ei sem intento de criticar ou de louvar, numa forma desapaixonada e imparcial, como convém a matéria difícil e delicada. O próprio comentador pode bem interpretar os factos em sentido que não seja o mais perfeito.
Suponho que a terrível situação financeira herdada pelo Estado Novo se encontrava debelada por voltas de 1934 ou 1935. Nessa altura já estava em progressão crescente e acentuada a posição cambial, e portanto eram positivos os saldos da balança de pagamentos Havia sido benéfica a resolução tomada de ingressar na área do esterlino e o escudo mantinha facilmente a paridade com a libra, que dominava essa área, O nível de preços adquiria, pouco a pouco, posição estável depois dos abalos da crise de 1929-1931 e a época de parcimónia, clarividência e de vigoroso pulso em matéria financeira encetada em 1928-1929 criara condições de estabilidade e confiança.
Era minha opinião nessa altura, expressa aliás em documentos oficiais e públicos, como um contraprojecto apresentado a esta Assembleia sobre reconstituição económica, que, uma vez neutralizada a crise financeira, o primeiro passo a dar deveria tender ao desenvolvimento dos recursos materiais do País. Diversas razões aconselhavam o desvio de todas ou quase todas as disponibilidades financeiras para esse objectivo e não vaie a pena enumerar agora aquilo que por mim e por outras pessoas foi dito e escrito sobre o nível de vida e os recursos internos.
Mas, além da necessidade de coordenar e desenvolvei a produção, havia ainda outro aspecto importante a considerar, que era o do meio circulante.
Das causas mais influentes na inflação de preços sobressaem, como é sabido, balança de pagamentos positiva, insuficiência de produtividade económica em relação aos meios monetários a circular ou, o que é o mesmo, desequilíbrio entre o meio circulante e a produção, e, finalmente, saldos negativos orçamentais liquidados por valores fiduciários sob a forma de crédito ou moeda. Há outras causas, mas as duas primeiras que acabo de citar, visto a última ter sido felizmente eliminada, tiveram grande influência nos acontecimentos do nosso País nos últimos dez anos; e, para simplicidade e boa compreensão, é a elas que me referirei mais vezes neste pequeno e singelo golpe de vista sobre a vida nacional.
Era sólida a posição cambial da última década, com balança de pagamentos quase sempre positiva, e o orçamento apresentava saldos importantes. O Governo havia transferido para o público uma parte do numerário imobilizado na dívida flutuante - liquidara-a a dinheiro. Aumentara assim o potencial circulante, que ainda se desenvolvera mais por ser fácil o crédito depois da crise bancária de alguns anos antes. Haviam, por consequência, sido criadas algumas condições propícias à inflação. E como se faziam esforços, e bem, no sentido da baixa na taxa de juro, mais se reforçavam as tendências para a abundância do meio circulante.
Tudo indicava, por isso, o começo nessa data de um período intenso de produção económica -uni desvio dos quantitativos disponíveis das receitas para despesas reprodutivas- para despesas que, absorvendo os excessos de meios monetários, criassem os instrumentos de fomento que viessem servir de contrapartida à abundância do meio circulante derivado da balança de pagamentos positiva, de crédito fácil e de outras causas.
Lançar no mercado grossas somas de dinheiro para obras públicas sem reprodutividade afigurava-se-me então perigoso, porque, além de outros motivos, ia anuviar ainda mais os presságios já sombrios de uma possibilidade inflatória por ir criar ou auxiliar o desenvolvimento de poder de compra sem contrapartida apreciável em bens de consumo no presente ou em futuro próximo.
A mão-de-obra disponível, geradora desse poder de compra, deveria ser, em meu entender, usada essencialmente em planos de fomento reprodutivos, e seria até vantajoso iniciar aqueles que dentro do mais curto espaço de tempo produzissem efeitos.
Julgo que o programa de obras públicas -e não discuto agora a utilidade, mas refiro-me apenas à sua produtividade-, acentuado grandemente nos últimos anos da última década, desenvolveu de maneira apreciável as tendências para a inflação que já existiam. O índice de preços ia subindo, apesar das grandes colheitas de trigo que até levaram a exportar cereal em 1936. Supunha-se haver subida nesse índice apenas por virtude do reflexo de fenómenos estrangeiros -da guerra de Espanha, que aliás também nela influiu, assim como os presságios de uma guerra que vieram a confirmar-se anos depois-, mas o factor despesas improdutivas teve nele influência sensível, e muito maior haveria tido se não fora o recurso à importação.
E, com efeito, em 1938 a posição cambial foi deficitária, sinal das grandes importações que, na verdade, tiveram lugar.
No princípio da guerra pairava sobre o País o espectro da inflação de preços; ela já existia de facto, como mostra o índice, por grosso, e era apenas ofuscada ou mascarada em suas maiores consequências pela facilidade de contrabalançar com importações a pressão exercida pêlos excessos de meios monetários, derivados de crédito fácil, de forte posição cambial e, em escala perceptível, de poder de compra estéril que resultava de quantias gastas em obras e outras despesas adiáveis, sem contrapartida na produtividade do País.
Sr. Presidente: o exame da situação económico-financeira de 1939-1940 e anos seguintes mostra que a teoria quantitativa, com todas as suas limitações ou reservas, podia explicar sintomas de próxima e grave inflação. Intensificava-se o período de despesas improdutivas e acentuava-se em escala larga o saldo da balança de pagamentos. Para liquidar os excessos de cambiais que afluíam ao Piais, o banco emissor emitia notas, que entravam logo na circulação ou iam avolumar os depósitos, e parte das receitas absorvidas pelo Estado por meio de impostos revertia para a circulação sob a forma