874-(2) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 103
aliás, quanto mais sugestiva, mais comunicativa, mais deslumbrante), perverte a inteligência, degrada a sensibilidade, incita ao crime, mina e corrói, pouco a pouco, não apenas a armadura moral dos povos, mas a sua personalidade nacional, a sua alma colectiva. É sobretudo para corrigir, quanto possível, esse factor de corrupção e de desnacionalização que as nações, mesmo as menos opulentas e poderosas, procuram «proteger o seu cinema. Nós, povo latino e cristão, rico de história, de tradições e de personalidade, temos o dever de o fazer também.
Qual- a natureza dessa protecção urgente? Quais os seus métodos? Os Estados que protegem o cinema fazem-no estimulando a produção nacional; procurando tecnicamente melhorá-la; subsidiando-a; orientando-a, sem prejuízo do seu livre e espontâneo desenvolvimento; facilitando as operações de crédito que têm de constituir a sua indispensável base financeira; contribuindo, pela progressiva construção de mais cinemas, para o alargamento do mercado interno; coordenando a acção de todos os organismos interessados - produção, distribuição, exibição -, porque o futuro do cinema depende da harmonia e da prosperidade de todos eles; aliviando, na medida em que o permitam os superiores interesses do Estado, os encargos tributários que pesam sobre a indústria cinematográfica; defendendo a genuinidade do filme nacional; dirigindo a sua propaganda; assegurando as suas possibilidades de expansão e de colocação nos mercados internacionais. Nos Países em que o cinema não constitui, como na Rússia e na Checoslováquia, indústria «Io Estado, ou a cujo favor se não realizaram, como nos Estados Unidos da América, vastas mobilizações do capital privado (Organização Hayes e outras), o problema de solução mais difícil - porque se trata de uma indústria cara - é o financiamento da produção. «Que maravilhas maiores ainda o cinema teria oferecido ao Mundo se não vivesse - diz com razão Arnheim - acorrentado a sistemas económicos?». Entretanto, em alguns países, os poderes públicos lançaram mão de formas de subvenção e ritmais largos meios de protecção, técnica e administrativa, que notavelmente contribuem para estimular a iniciativa particular e que encontram justa compensação em serviços que, por seu turno, o cinema presta ao Estado. O Governo Português definiu a sua posição tão delicada matéria, não talvez como desejaria, mas como as circunstâncias lhe permitiram fazê-lo. Esta Câmara assim o reconhece, e por isso não propõe outras soluções, que seriam porventura inoportunas. Encontrando-se perante um diploma já ratificado, embora com emendas, limita-se a esclarecê-lo, a procurar melhorá-lo, sem prejuízo do que nele há de essencial, a informar a sua doutrina, a tornar, aqui ou além, mais clara e mais precisa a sua redacção - cumprindo, antes de tudo, o dever de acentuar que a crítica, elevada e construtiva, feita ao presente diploma na Assembleia Nacional muito facilitou o trabalho desta Câmara.
Dividimos a nossa exposição em seis partes: A Licença de exibição (capítulo I); 2.ª Criação do Fundo do cinema nacional e sua administração (capítulo II); 3.ª Definição de filme português e defesa da sua genuinidade (capítulos III e IV); 4.ª Regime de contingentes e exploração (capítulos V, VI e VII); 5.ª Serviços cinematográficos do Estado e disposições gerais (capítulos VIII e IX); 6.ª Conclusões.
1.ª - LICENÇA DE EXIBIÇÃO (capítulos I e II).
O artigo 1.° da proposta de lei em exame preceitua que a exibição em Portugal de e qualquer filme» fica dependente de licença passada pela Inspecção Geral dos
Espectáculos. O artigo 2.º fixa a taxa dessa licença, «paga por uma só vez» e variável com a categoria e espécie de cada filme (desde 10.000$ para os filmes de fundo, «destinados a ser incluídos em programas de estreia como principal atracção do espectáculo», até 100$, taxa devida pêlos pequenos filmes de actualidades). A matéria destes dois artigos suscita dúvidas que convém esclarecer.
Quais são, na realidade, os filmes sujeitos ao pagamento da licença de exibição? O artigo 1.° diz: «qualquer filme»; por conseguinte, todos, não importa qual. As pessoas menos conhecedoras destes assuntos poderiam depreender dos propósitos proteccionistas enunciados no relatório preambular do decreto-lei n.° 36:062 que só os filmes estrangeiros pagam licença. Não é assim. Pagam-na também, em igualdade de condições, os filmes nacionais. Mas - perguntar-se-á - como se compreende que se tribute aquilo mesmo que se pretende proteger? Em primeiro lugar, a taxa não pesa sobre os produtores; onera a distribuição e. indirectamente, a exibição. Em segundo lugar, se os filme? portugueses não pagassem taxa, o aumento, que se prevê, da produção nacional determinaria inevitavelmente o progressivo empobrecimento do denominado Fundo cinematográfico nacional, criado pêlos artigo? 3.° e 4.° da proposta. Em terceiro lugar, se os filmes nacionais fossem isentos do pagamento da licença de exibição, automaticamente o seriam também, pela força de compromissos internacionais já assumidos, os filmes importados de determinado ou determinados países produtores. Todos os filmes que se exibam em Portugal, nacionais ou estrangeiros, estão, pois, sujeitos à taxa fixada no artigo 2.° Mas - objectar-se-á ainda -, sendo assim, a tributação abrange os filmes produzidos pelos serviços cinematográficos do exército; os filmes científicos necessários às Universidades e escolas superiores: e, de maneira geral, todos os filmes didácticos que o ensino moderno prevê e adopta. Teria sido esse o pensamento do legislador? Parece que sim. se considerarmos a doutrina do artigo 23.° da proposta, no qual se preceitua que «os filmes produzidos pêlos serviços cinematográficos dependentes de organismos oficiais ficam sujeitos às disposições deste diploma». Convém, entretanto, distinguir. Evidentemente, todo e qualquer serviço do Estado que recorra, para a produção dos seus filmes, ao Fundo nacional criado pela proposta em exame tem de sujeitar-se, como qualquer outra entidade beneficiária, às condições em que a assistência financeira lhe é concedida; isso não significa, porém, que a exibição do filme ou filmes nesse regime produzidos obrigue necessariamente ao pagamento de licença, a não ser quando os mesmos filmes se destinem a exploração comercial e hajam, para esse efeito, de entrar, como qualquer outro, na circulação geral dos organismos distribuidores. Afigura-se pois a esta Câmara conveniente esclarecer que não devem considerar-se abrangidas pela expressão «qualquer filme» aquelas produções que não se destinem a exploração comercial.
Não é geralmente conhecida a organização da indústria cinematográfica, no complexo jogo dos seus organismos produtores, distribuidores e exibidores. Aliás, esse jogo difere de país para país, conforme a posição que o Estado assume perante o cinema e o ponto de vista do qual são considerados os seus aspectos políticos, sociais, estéticos, económicos e financeiros. Pessoas insuficientemente informadas supuseram, perante o disposto nos artigos 1.° e 2.°, que cada cinema de estreia pagaria 10.000$ de licença por cada filme de fundo que exibisse. Não sucede assim. A expressão «taxa de licença paga por uma só vez» seria suficientemente esclarecedora se não pudesse interpretar-se também no sentido de «cobrança integral da quantia no acto de on-