874-(6) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 103
a importação de filmes estrangeiros falados em língua portuguesa. Esta Câmara, atendendo, por um lado, a que o diploma em estudo se propõe proteger por todos os meios, mesmo os indirectos, a produção nacional, e, por outro, a que a dobragem, mesmo quando tecnicamente perfeita, é artìsticamente condenada pelas maiores autoridades do cinema mundial, nenhuma dúvida suscita quanto à doutrina dos artigos 12.° e 13.° Quanto à preferência a dar pelos distribuidores aos laboratórios nacionais na denominada sobreimpressão das legendas e ao pagamento da taxa complementar de 1.000$ por cada 300 metros quando a referida sobreimpressão seja mandada fazer fora do País (artigo 15.°), nada opõe também.
No que respeita ao artigo 16.° (formato de 16 milímetros), esta Câmara considera-o deslocado no capítulo IV e, porventura, na economia do decreto-lei n.° 36:062, agora convertido em proposta de lei; reconhece que os aspectos do problema são predominantemente políticos; e, nestes termos, julga conveniente que, enquanto fie não legislar sobre o assunto, o uso do formato de 16 milímetros fique dependente, para cada caso, de autorização do Governo.
4.ª - REGIME DE CONTINGENTES E EXPLORAÇÃO (capítulos V, VI e VII).
A Câmara concorda em que se estabeleça para o espectáculo cinematográfico nacional o regime de contingentes. Trata-se de medida que não constitui novidade, porque a adoptam quase todos os países estrangeiros interessados em proteger a sua produção. O artigo 17.° fixa a proporção mínima de uma semana de espectáculo cinematográfico português para cada cinco semanas de espectáculo cinematográfico estrangeiro, ou seja 1/4: dois meses por ano. Em França, o contingente de exibição regulado pelo acordo Blum-Byrnes garante para o filme francês, em cada trimestre e em cada cinema, quatro semanas de exibição, ou seja 1/3: quatro meses por ano. Na Itália, por acordo de 15 de Janeiro de 1946 entre os organismos produtores, distribuidores e exibidores, foi assegurado para os filmes nacionais, em cada ano, um mínimo de sessenta dias, ou seja 1/6.: dois meses por ano. Em Espanha a exibição está contingentada na proporção de um programa espanhol para cada seis semanas de programas estrangeiros. O mesmo na República Argentina. No Brasil, três filmes de fundo nacionais para cada período de quatro meses. Isto é, nove programas brasileiros por ano. O contingente português é inferior a todos os outros e sensivelmente igual ao que acaba de estabelecer a Itália, ainda mal acordada do pesadelo da guerra. Mas, se é certo que nenhuma dúvida ocorre a esta Câmara, quer quanto à política de contingentes, quer quanto ao contingente fixado, alguns esclarecimentos parecem entretanto necessários no que respeita ao disposto na parte final do artigo 17.° Nele se preceitua, como aliás era óbvio, que os cinemas estão dispensados de cumprir a obrigação do contingente quando a produção nacional efectiva de cada ano não assegurar o seu cumprimento. Parece, porém, à primeira vista que o disposto mais adiante, no artigo 27.°, contradiz esse preceito, obrigando os mesmos cinemas a completar o contingente com os filmes portugueses produzidos nos últimos cinco anos, alguns dos quais - como se disse na Assembleia Nacional e se escreveu na imprensa - deixaram muito a desejar sob todos os pontos de vista. Não foi, porém, essa a intenção do legislador, embora a insuficiente redacção dos dois artigos favoreça o equívoco. Temos de distinguir entre os cinemas de estreia de Lisboa e Porto e os restantes cinemas de reexibição do País. Evidentemente, os cinemas de estreia não podem cumprir o contingente de filmes nacionais senão quando haja filmes portugueses novos. Nenhuma disposição legal os obriga, nem essa é a sua função, a reexibir filmes nacionais antigos. Semelhante obrigação cabe apenas aos restantes cinemas do País, os quais, para lhe dar cumprimento, podem livremente escolher entre os filmes portugueses estreados antes da publicação do decreto-lei n.° 36:062. E ninguém os obriga a escolher os piores. Convém ainda lembrar que muitos cinemas da província dão apenas um ou dois espectáculos por semana, porque não têm público para mais. Para efeito do cumprimento do disposto no artigo 17.° e seus parágrafos, cada espectáculo ou cada dois espectáculos (consoante a função é semanal ou bi-semanal) representam uma semana de contingente. É, porém, necessário que isso fique devidamente esclarecido na lei.
Não tem esta Câmara qualquer observação a fazer quanto à doutrina dos artigos 18.°, 19.° e 20.° Não sucede o mesmo respectivamente aos artigos 21.° e 22.° Parecem justificados alguns reparos feitos pelo Grémio Nacional dos Cinemas à doutrina destes dois últimos artigos. Houve, sem dúvida, filmes portugueses cujas condições de aluguer nos cinemas de estreia atingiram a percentagem de 50 por cento da receita bruta fixada como mínimo no artigo 21.°; mas houve outros -afirma aquele organismo corporativo - que foram alugados por percentagem inferior. Nos espectáculos diurnos paga-se pelos filmes nacionais metade da percentagem fixada para os espectáculos nocturnos. A grande maioria dos cinemas de província e de bairro trabalhou a preço fixo. Entende esta Câmara que as condições de aluguer dos filmes portugueses não podem ser determinadas por decreto, mas tratadas entre o Secretariado Nacional da Informação e os organismos corporativos interessados, com a maleabilidade que tão delicada matéria requer. O mesmo deverá fazer-se quanto u fixação das percentagens sobre a receita máxima acima das quais o exibidor não poderá retirar do programa um filme português (artigo 22.°).
5.ª - SERVIÇOS CINEMATOGRÁFICOS OFICIAIS E DISPOSIÇÕES GERAIS (capítulos VIII e IX).
Como atrás ficou dito, entende esta Câmara que os filmes produzidos pelos serviços oficiais só devem ficar sujeitos às disposições da presente proposta de lei: 1.° quando esses serviços recorram para a produção dos seus filmes ao Fundo do cinema nacional; 2.° quando os mesmos filmes se destinem a ser explorados comercialmente. Só no primeiro caso se justifica que as produções cinematográficas dos serviços oficiais (Universidades, academias, escolas superiores, serviços militares, agrícolas, coloniais) fiquem sujeitas à acção fiscaliza dor a e orientadora exercida, nos termos do § único do artigo 7.°, pelo Secretariado Nacional da Informação. Só no segundo caso é admissível que os filmes dos serviços oficiais paguem taxa de licença.
6.ª - CONCLUSÕES.
Em conclusão, esta Câmara é de parecer:
1.° Que o Estado deve proteger e estimular a produção do cinema nacional, tendo especialmente em vista a sua função social e educativa, os seus aspectos estéticos e a defesa dos altos valores morais da cultura;
2.° Que o cinema português, pela qualidade e êxito de algumas obras já produzidas; pelo volume dos capitais que na sua produção se invertem (17:000 contos, só em 1946, em nove filmes realizados); pelo labor das oficinas e do laboratório existentes (representativos de valor superior a 25:000 contos), constitui realidade digna de ser protegida;