874-(4) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 103
cinematográfico, mas a produção a cuja protecção o mesmo Fundo se destina, prefere, por mais rigorosas, as denominações de a Fundo do cinema, nacional» ou de «Fundo nacional do cinema». Também se não denominaria «escultural», ou «arquitectónico», um fundo consignado à protecção ou subsídio da arquitectura ou da estatuária). No artigo 4.° e suas alíneas descrevem-se as receitas do Fundo, uma das quais é, como acaba de ver-se, a «licença de exibição de filmes». O artigo 5.3, seus números e parágrafos tratam da aplicação a dar às disponibilidades do Fundo criado (subsídios aos produtores; caução de créditos; estímulo e aperfeiçoamento da produção; criação da cinemateca nacional). Nos artigos 6.°, 7.° e 8.° estabelecem-se as condições a que devem obedecer a concessão de subsídios e a caução de empréstimos. O artigo 9.° determina que, enquanto o Fundo do cinema nacional não dispuser de receitas suficientes, o Comissariado do Desemprego poderá «continuar a financiar» a produção nacional, sujeitando porém a concessão dos seus créditos ou subsídios às condições que regulam o novo regime de «protecção.
Suscitou dúvidas a entrega da administração do Fundo ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, já porque este organismo se encontra sobrecarregado pela acumulação de muitos e variados serviços; já porque se considerou o cinema, pela vastidão dos seus problemas e pela riqueza da sua substância educativa, social, económica, estética e política, como menos pertinente no quadro de actividades e funções de um organismo especialmente destinado a superintender nos serviços de informação, propaganda e turismo; e, sobretudo, porque não se compreendeu a razão (nisto particularmente insistiram alguns Srs. Deputados por que da obra da orientação, protecção e fomento do cinema português se excluíram o Ministério da Educação Nacional e os organismos corporativos interessados. Quanto à definição da competência do Secretariado para a função técnica e administrativa que é chamado a desempenhar, esta Câmara reconhece que naquele organismo existe já uma secção de cinema, para o desempenho de uma função prevista no seu próprio estatuto; que o Secretariado tem acompanhado, com vivo interesse, o movimento de criação e de expansão do cinema nacional; e que nalguns países europeus é ao Ministério da Informação que estão subordinados os organismos ou serviços - quaisquer que eles sejam - destinados a orientar, coordenar, fiscalizar e proteger a indústria cinematográfica e a produção nacional. Assim sucede na Grã-Bretanha; assim sucede em França, cujo Centro Nacional de Cinema, recentemente criado (Outubro de 1946), funciona «sob a autoridade do Ministério encarregado da Informação»; assim sucede na própria Checoslováquia, onde o Ministério da Informação centraliza os serviços da cinematografia nacional, hoje inteiramente nas mãos do Estado. Mas - cumpre acentuá-lo - os aspectos «informativos» do cinema, que sem dúvida o aproximam da imprensa e da radiodifusão, não devem fazer esquecer os seus aspectos «educativos», por mais que eles tenham sido contestados (educação estética, vulgarização dos conhecimentos científicos, formação moral e cívica), nem, designadamente, o seu valor como instrumento didáctico. São, para facilitar a solução do problema, e até que se crio um organismo autónomo, os serviços do cinema houverem de continuar entregues ao Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (ao qual, aliás, já antes da publicação do decreto-lei n.° 36:062 estavam afectos), esta Câmara considera necessário não deixar de assegurar a intervenção do Ministério da Educação Nacional quer na acção geral orientadora do cinema português, quer na administração do Fundo criado pelo artigo 3.º daquele diploma. E não só a do Ministério da Educação Nacional, mas ainda - porque vivemos em regime corporativo - a dos organismos corporativos interessados, quer dizer, daqueles que representam, ou vierem a representar, a indústria cinematográfica e os técnicos do cinema. Assim, a Câmara Corporativa sugere que o Secretariado exerça a administração do Fundo do cinema nacional por intermédio de um conselho responsável - o Conselho do Cinema -, de que farão parte, além do secretário nacional da informação, que presidirá, dois delegados da Junta Nacional da Educação, um pertencente à secção de belas-artes e o outro à de educação moral e cívica; um delegado do grémio ou grémios que representam ou venham a representar a indústria cinematográfica portuguesa; um delegado do sindicato ou sindicatos que representam ou venham a representar os técnicos de cinema; o inspector dos espectáculos; o chefe da secção de cinema do Secretariado, que servirá de secretário. Pode alguém objectar que, considerando certos autores o cinema como «cultura popular» e incluindo-se a chamada «cultura popular» na competência do Secretariado, a participação da Junta Nacional da Educação não é indispensável. Não pensamos assim. Semelhante participação não só está prevista no estatuto da Junta, mas, se há organismo a que possa atribuir-se, entre nós, a representação do universo de valores da cultura, esse é, sem dúvida, a Junta Nacional da Educação. Além disso, poderá o cinema definir-se restritamente como forma de cultura popular, não sendo produto espontâneo da alma do povo e não se destinando apenas às classes menos cultas, mas, como fenómeno sui generis, geral e universal, a um tempo às elites e às massas, quer dizer, a toda a humanidade? Não residirá precisamente nesse ecumenismo, nessa universalidade prodigiosa, a força e a glória do cinema, realidade que desafia e anula todas as tentativas de definição e de classificação? E o que significa, no jogo das ideias gerais, a expressão «cultura popular»? Toda a gente sabe o que quer dizer «educação popular», «arte popular», «música popular»; mas como compreender a expressão restritiva «cultura popular», se a cultura, por definição «culto dos grandes valores humanos» (quanto se tem abusado desta palavra!), é, afinal, na deslumbrante variedade do seu conteúdo, uma só?
Além dos aditamentos consequentes da criação do Conselho, outros são de recomendar na redacção e na economia do capítulo II (artigos 3.° a 9.° da proposta. Desde que, no artigo 4.°, alínea á), se descrevem como receita do Fundo as «subvenções, subsídios e créditos concedidos por entidades oficiais», conviria que a matéria do artigo 9.° figurasse como § único do referido artigo 4.°, porquanto nele se regula a forma por que uma dessas entidades - o Comissariado do Desemprego- poderá continuar a financiar a produção cinematográfica nacional, enquanto o Fundo não dispuser de receitas suficientes. No n.° 1.° do artigo 5.° diz-se que as disponibilidades do Fundo serão «aplicadas a subsidiar as entidades produtoras de filmes portugueses que com regularidade exerçam a respectiva actividade». Esta disposição restritiva não parece de manter. Não estava decerto no espírito do legislador a intenção de proteger apenas determinado grupo de produtores; o que tem de proteger-se é, de maneira geral, a produção nacional. Nem, aliás, semelhante interpretação se harmonizaria com a doutrina do n.° 5.° do mesmo artigo, que reconhece a necessidade de «revelar valores novos». Propõe esta Câmara, pois, a eliminação das palavras «que com regularidade exerçam a respectiva actividade». As expressões «cultura» e «cultural» são por vezes usadas em termos de que pode resultar confusão. No n.° 5 do artigo 5.°, definindo a natureza e espécie dos pequenos filmes que convém proteger, enumeram-se as produções