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19 DE MARÇO DE 1947 907

Assim fala ela minha terra o grande poeta Correia de Oliveira, para logo acrescentar, em comovedora, devoção e impressionante ternura:
Ó vila de São Frei Gil
Onde eu andei em menino
Quem sabe, Terra! as cadeias
Que lançaste ao meu Destino.

Por lá andou também o primeiro rei a curar-se dos seus males e na acta das Cortes de Lamego figura o nome de Vouzela como cidade entre os das dezasseis terras que à igreja de Santa Maria de Almacave enviaram procuradores.
Não desejo, Sr. Presidente, pedir a V. Ex.ª e à Câmara o sacrifício de me acompanharem no desenrolar minucioso da história da minha terra, mas seja-me permitido registar um ou outro passo da sua longa vida, como indispensáveis peças do processo, para o julgamento sereno e justo da injustiça que lhe foi feita, da afronta que representa aos sentimentos patrióticos, quo constautemente invocamos, a forma como ela foi tratada.
Já no tempo da fundação da nacionalidade, como disse, Vouzela era terra de importância material e de categoria política.
Em 1436 era a capital do concelho de Lafões, que se estendia quase de Viseu a Aveiro.
Quatro séculos passados, em 1834, foi criado o concelho de S. Pedro do Sul e em 1836 o de Oliveira de Frades.
Depois disso muitas alterações se verificaram na estrutura administrativa da região de Lafões e todas elas definindo a supremacia de Vouzela em relação às outras terras desse maravilhoso recanto do nosso País.
Em 1867, apenas trinta anos passados depois da criação dos concelhos de S. Pedro do Sul e de Oliveira de Frades, a Junta Geral do Distrito, convocada para tratar da divisão administrativa, propôs a extinção daqueles concelhos e que um só se formasse, com sede em Vouzela. Em Dezembro desse mesmo ano só foi extinto, contudo, o de Oliveira, de Frades e anexado, quase na sua totalidade, ao de Vouzela.
O constitucionalismo veio encontrar o concelho de Lafões formando uma só comarca, com sede em Vouzela.
Em 1890 foi criada a comarca de S. Pedro do Sul e em 1906 a de Oliveira de Frades.
Em resumo: a minha terra teve dois filhos - S. Pedro do Sul e Oliveira de Frades.
O primeiro atingiu a sua maioridade em 1890. É uma região rica, progressiva - o Brasil de Lafões. O segundo, Oliveira de Frades, faz-me lembrar, pela forma como da terra-mãe se separou, em 1906, aquele pedaço da nossa Pátria que um dia cedemos em dote de princesa ...
Vouzela ficou triste com o afastamento desses filhos, embora orgulhosa de um e de outro; e, velhinha, agarrada, aos seus pergaminhos de oito séculos, aos seus castelos, mais apagadamente recolhida na sua casa solarenga, continuou a ser o alíobre mais rico de Lafões em servidores da Pátria no exército, na cátedra, m magistratura, enfim, em todos os planos da vida nacional-, sem pensar alguma vez que os que viessem depois teriam de ir aprender português ao Brasil ou a ser fidalgos à índia ...
E quem a olhasse de longe, continuando a mesma vida de sempre, com a serena dignidade de velha castelã, entre sonhos e lendas, sem ambições e sem ódios. soberanamente indiferente perante o crescente poder do rei-milhão, poderia dizer que a Vouzela seriam aplicáveis aquelas palavras de desalento de Afonso Lopes
Vieira, que tão bem definiram um momento da penosa caminhada da nossa Pátria:
«Portugal é uma peça de porcelana preciosa que um dia caiu ao chá o e se partiu em mil pedaços. Nós ficámos a mirar num caco a peça antiga».
Na segunda década deste século os males que afectaram a nossa Pátria também atingiram Vouzela.
Invadida por elementos do exterior, aquela mansão de paz e de beleza, aquela terra de sonho e de lendas, sofreu a miserável sementeira das mesmas desgraça? que tanto apoucara durante anos e anos o nome Portugal perante o Mundo. E os filhos de Vouzela. à semelhança de todos os portugueses espalhados pêlos vários cantos da Terra, acabrunhados, esmagados pelo peso do infortúnio, olhando os padrões milenários, sagrados, daquela terra bendita -a sua igreja românica, os seus castelos em ruínas, as pedras gastas - pelas legiões de Boina-, erguiam a alma para o monte do castelo, pedindo à padroeira da Pátria. Nossa Senhora da Esperança, que deles se amerceasse. que sobre ele? deixasse cair um olhar de bênçãos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chegou a hora do ressurgimento. Soou a hora da Revolução Nacional. Febrilmente Vouzela continua a sua trajectória histórica: não há em muitas léguas em redor melhor pousada do que ali; há luz e água e esgotos em todas as habitações; constroem-se hotéis; rasgam-se estradas; enfim, a paz e o trabalho voltam àquele torrão abençoado, povo voltaram também a Portugal inteiro.
O Palácio da Justiça é o mais belo de toda a região de Lafões; a sua velha igreja, monumento nacional de puro estilo românico, surge em todo o seu esplendor; vêem-se, a cada instante, almas de artistas, vindos de toda a parte, debruçados nos panos das muralhas, na ponte romana sobre o Zela, a recolherem, aqui e além, pedaços de beleza daquela terra de encantamento. As pedras da estrada, que os soldados dos Césares trilharam, voltam a ser mais preciosas do que o metal arrancado às entranhas das serras - e o viandante, que d« Viseu se dirige para o sul ou de Aveiro acompanha o curso do Vouga, vê ao longe, durante a noite, todas as noites, a muitas léguas de distância, uma coroa de luz projectada no céu, impressionante afirmação de fé glorificando a Mãe de Deus, Nossa Senhora do Castelo de Vouzela - Nossa Senhora da Esperança.
Pois bem! É precisamente neste momento, em que todos os portugueses voltam a encontrar a rota que Vouzela sofre o maior infortúnio da sua longa vida de séculos; é precisamente nesta hora, em que Portugal, de pergaminhos na mão, diz ao Mundo que sabe de onde vem, e, por isso, conhece o seu destino, como farol da civilização latina e cristã, que Vouzela recebe o golpe; profundo, sangrento, de ver extinta a sua comarca. Porquê?! Porquê?! Repito: porquê?! Com que direito?! Então os mesmos que alicerçam no culto do passado a razão de ser da sua vida. do seu labor, das suas aspirações, dos seus sonhos de devoção patriótica, vão ferir uma terra em que cada pedra tem uma lenda, cada pedaço de chão uma história?!
Que incoerência é esta?!
Em 1926 foi extinta a comarca de Vouzela!!!
Brada aos céus tamanha afronta!
Não desejo, neste momento, tratar da chamada questão comarca. Quero falar só da minha terra.
Com que direito é que são invocados os nossos pergaminhos de séculos, se invocam os nomes dos santos e dos heróis de Portugal, para afirmar nossos direitos, de pátria livre e senhora dos seus destinos, quando Vou-