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19 DE MARÇO DE 1947 911

Acordaram, assim, como que numa delegação de mandato.
O relatório há dias apresentado por essa comissão, e que constitui o objecto do debate de hoje, é, em meu conceito, nada mais nada menos do que o documento de prestação das contas que os nossos mandatários nos devem, a nós, mandantes, pelo encargo que tivemos a honra de lhes cometer.
Está, portanto, a comissão de inquérito a prestar as suas contas.
À Assembleia cumpre aprová-las ou rejeitá-las, louvá-las ou opor-lhes censura e concluir perfilhando as conclusões do relatório ou trazendo ao assunto quaisquer sugestões novas.
Pela minha parte, abusando involuntariamente da paciência de V. Ex.ªs, visto que apenas há algumas horas deixei esta tribuna, inicio a discussão fazendo os comentários e apontando as faltas que passo a resumir.
Num assunto desta monta convém, antes de irmos mais longe, determinar com matemática exactidão qual o âmbito do mandato, isto é, onde chegaram os poderes que a comissão exerceu por nossa delegação.
Esses poderes constam expressivamente da proposta de cuja aprovação proveio a dita comissão de inquérito.
E foram eles:
1.º Investigar os vícios do funcionamento dos elementos da organização corporativa;
2.º Procurar as causas do ambiente político que os cerca;
3.º Indicar aqueles vícios, havendo-os, para que sejam corrigidos; e
4 º Referir estas causas, para que sejam eliminadas.
Por conseguinte, à comissão de inquérito não foram conferidos quaisquer poderes de execução.
À comissão de inquérito não foi cometido o encargo de incriminar, julgar e punir.
Os poderes da comissão de inquérito ficaram reduzidos à competência restrita para investigar e apontar vícios e causas, de modo a poderem ser corrigidos.
De nenhuma incriminação de natureza pessoal, de nenhum julgamento preciso e concreto, apontando réus e aplicando-lhes sanções, a comissão foi incumbida.
Nesta conformidade, entendo do meu dever louvar desde já o critério perfeitamente modelar e compreensivo dos poderes que lhe cabiam, manifestado pela comissão de inquérito no importante, no bem elaborado relatório apresentado - corajoso documento que vai ser objecto da minha apreciação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem de outra forma podia ser! Se tivéssemos tomado diversa atitude negaríamos ab initio a própria essência da instituição dentro da qual exercemos o nosso mandato, iludiríamos a função de uma assembleia parlamentar como esta.
Mais! Trilharíamos um caminho pelo qual nenhum homem de bem avança os seus passos, qual seja o de acusar pessoas que não podem aqui defender-se, incriminar indivíduos praticamente impedidos de levantar a voz no próprio meio em que as acusações eram formuladas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cometeríamos a cobardia de atacar pelas costas e amordaçados indivíduos porventura culpados, mas sem garantias de defesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Bem andou, por conseguinte, a comissão de inquérito mantendo-se num critério de pura objectividade, actuando por forma que bem merece o aplauso rendido, sincero e veemente de todas as consciências bem formadas.
Não vá, todavia, supor-se que na atitude que estou definindo procuro criar restrições, opor limitações ao ajuste de contas daqueles que pêlos seus actos realmente devam prestá-las.
Falo claro e procuro ser entendido facilmente. No meu conceito e suponho que no de todos V. Ex.ªs, o ajuste de contas não compete à Assembleia Nacional - que não é um ... «tribunal do povo».
Mas ficou aberta a porta, reunido o material, organizado o corpo de delito, na posse dos quais o organismo competente agirá, assegurando a liberdade de defesa indispensável a todos os acusados, admitindo controvérsias e esclarecimentos que aqui não tinham viabilidade.
E não se dirá que a Assembleia Nacional receia que assim se proceda. A tal respeito o relatório é categórico!
Efectivamente, como se desempenhou a comissão de inquérito do mandato que lhe confiámos? Seguindo o exemplo - tantas e tantas vezes repetido em assembleias políticas com as quais aquela em que nos encontramos não quer ter nenhuma espécie de afinidade-, de tudo encaminhar sorrateiramente para a solução do abafarete?
De modo nenhum!
A comissão de inquérito facilitou a apresentação de todas as acusações, viessem de onde viessem, ainda mesmo que caracterizadas pelo aspecto infamante da denúncia anónima; principiou por convidar todos os indivíduos, todas as entidades fossem elas quais fossem, amigas ou inimigas, adversários ou simpatizantes, que tivessem censuras a opor aos organismos corporativos ou de coordenação económica; concedeu-lhes um largo prazo para exercerem esse direito; recorreu à imprensa, correndo ao encontro de certas almas menos corajosas, desculpando e estimulando com generosa benevolência o descaroável recurso à denúncia anónima; aguardou que decorressem os prazos fixados; mesmo depois do respectivo decurso, permitiu que fossem entregues, recebidas e apreciadas todas e quaisquer queixas que os interessados quiseram formular e, não contente com o exposto, dirigiu-se directamente aos organismos de coordenação económica, aos organismos corporativos, formulando dois questionários: um, questionário administrativo, outro, questionário económico-social, a fim de com a maior amplitude poderem dizer não só da sua acção, mas, acima de tudo, das suas intenções.
Não se encontra na história das assembleias políticas exemplo de tão fervoroso anseio de devassar um assunto e esclarecê-lo nos seus mínimos detalhes!
Com o material recolhido e através uma série de subcomissões que funcionaram como filtros através dos quais foi possível separar o que interessava à comissão de inquérito para elaborar o seu relatório, este foi organizado com o alevantado desassombro que há pouco tive ocasião de classificar em termos que jubilosamente vejo merecerem o aplauso de V. Ex.ªs
A liberdade de acusar foi tal e tamanha que por parte do público se estabeleceu a confusão, que a comissão de inquérito anotou e me parece muito oportuno destacar, mercê da qual houve quem supusesse que a Assembleia Nacional se propusera criar com a comissão de inquérito uma nova «muralha das lamentações» junto da qual todos iriam carpir as suas mágoas. E foi assim que a comissão foi bastas vezes solicitada para intervir em questões relativas ao ensino, às alfândegas, & administração geral do Estado e até aos tribunais, pedindo-se-lhe a reforma de sentenças que se reputavam injustas!
Por pouco a comissão não se viu sujeita a ter de decidir queixas acerca do funcionamento de sociedades particulares ou dissídios entre indivíduos mal-avindos e que não estavam dispostos a recorrer aos meios judiciais