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914 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 106

Meus senhores: os homens, seja qual for o regime no qual exerçam as suas actividades, têm os seus egoísismos, as suas paixões, os seus vícios, os seus defeitos.
Era inevitável, por conseguinte, que no funcionamento destes organismos se encontrasse a projecção destas faltas inerentes à natureza humana.
Mas por isso que o sen apuramento não é para aqui, passamos adiante.
Ouvimos há pouco ao nosso ilustre colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo que em vários organismos da espécie, embora os respectivos dirigentes não tivessem remuneração avultada ou não tivessem sequer remuneração, a verdade é que os encargos de instalação, funcionamento o recrutamento de pessoal originaram despesas e criaram encargos que era forçoso satisfazer. E então esses organismos meteram-se no caminho vicioso de se sobreporem aos agremiados, substituindo-os e entregando-se eles próprios à preocupação de realizarem transacções directas, de que obtinham lucros. Foi um erro de função, é um atentado contra os princípios...

O Sr. Carlos Borges: - É um abuso.

O Orador: - Sem dúvida. E não pode continuar.

Por outro lado verificou-se em algumas organizações uma outra situação ainda mais grave, e, mais de que grave, defeituosa e indecente pelo egoísmo que revela.
Foi quando, agremiados determinados comerciantes ou determinados industriais, a circunstância de possuírem um selo branco os convenceu de que podiam contar com a protecção incondicional do Estado, e que era chegada a oportunidade de aplicarem aquele velho preceito popular que aconselha quem sobe a que parta o degrau inferior.
Agremiaram-se e fecharam as portas; agremiaram-se e monopolizaram a actividade; agremiaram-se e proclamaram que dali por diante mais ninguém comerciava naquela espécie de comércio, mais ninguém podia exercer aquela espécie de indústria - a não ser eles, eles, os escolhidos, eles, os eleitos de um pretenso corporativismo à sua imagem e semelhança.
Mataram completamente o principal valor do estabelecimento comercial ou do organismo industrial - a clientela. Entraram na solução da mais cómoda preguiça; sucedesse o que sucedesse, produzissem bem ou mal, sabiam que os riscos da competência estavam ilaqueados pêlos compartimentos estanques em que se haviam conseguido encerrar.
E então todos os concorrentes que apareceram e todas as pessoas dispostas a colaborar passaram a ser escorraçadas, proibidas de comerciar, postas de parte.
Fez-se mais. Com a guerra, e a pretexto do mau funcionamento dos organismos corporativos, criaram-se os organismos de coordenação económica, que invadiram as actividades e funções dos organismos corporativos. Enxertaram-se nesses organismos de coordenação económica delegados do próprio Executivo. Com esta simplicidade de processos inverteu-se radicalmente a doutrina que informa o sistema corporativo da nossa Constituição e criou-se o aspecto de que o Estado passava a intervir, mandando, pondo e dispondo a seu bel-talante.
Sejamos justos.
Com a responsabilidade do próprio Estado, por indicação dos Ministros, com a intenção formal de que assim fosse por parte daqueles que ocupavam as cadeiras do Poder?
De nenhum modo.
Pela tal exacerbação de funções, pelo delírio das funções, pela repetição da fábula da rã, por excesso de vaidade, muitas e muitas vezes por um desvairado e orgulhoso pretensiosismo dos que se orgulhavam de possuir a verdadeira razão, a solução única. A imposição da sua vontade seria o único remédio salvador!
Acredito que fossem óptimas as intenções, Mas, como há- dias disse, de óptimas intenções está o inferno cheio.
E agora chegámos a um ponto sobre o qual a comissão de inquérito passou mais do que levemente e que, todavia, para mim, que vivo dia a dia perto daqueles que exercem actividades comerciais, industriais ou agrícolas, constitui a principal razão de queixa da forma como exercem as suas funções certos organismos corporativos e certos organismos de coordenação económica.
Refiro-me à idolatria, ao abuso, ao desatino, à mania da papelada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A numerosos colegas nossos ouvi referências ao que ocorre na vida do muitos lavradores do Norte.
Todavia não existe cotejo possível entre o que decorre na lavoura e o que se exige do comércio ou da indústria.
Se o mal do próximo atenua o próprio, a lavoura deve sentir-se consolada.
O que se passa na vida do comerciante o a do industrial da capital é muito mais doloroso.
Ainda quando determinado comerciante exerce a sua actividade restritamente em relação a um único produto, trata apenas com os organismos da especialidade e a sua maceração é relativa; mas quando o comerciante, por a sua actividade abranger mercadorias de várias origens, tem de negociar em matérias que se relacionam, por exemplo, com a Comissão Reguladora do Comércio de Metais, com a Junta de Exportação do Algodão Colonial, com a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, etc., então a vida desse homem decorre por forma a recomendar a aquisição de um colete de forças que lhe domine um ataque de loucura furiosa, de prever se não findam as aberrações da ... papelada burocrática.
Pedi a um amigo, que exerce a sua actividade precisamente num negócio desta última espécie, que me fornecesse exemplares de todos os papéis que tem de assinar para fornecer a sua clientela. Tenho-os aqui. Excedem a dúzia e meia!
Tem de assinar estes papéis para exportar produtos químicos. Enche estes, mais estes e preenche mais aqueles. Dá-os brancos, cor de rosa, esverdeados, azul pálido ou amarelos.
Quase ... um arco-íris!
Com os exportadores do vinho do Porto a tragédia e semelhante ...
Houve que publicar uma volumosa agenda, recheada dos infinitos papéis a preencher.
V. Ex.ª compreendem que não há boa vontade, não há coragem de bem servir, não há simpatia por um regime político, não há intenção de colaborar com um Governo - que todos sentem e sabem que se dedica ao bem da Nação -, não há qualidades morais, não há espirito de sacrifício que bastem para evitar um momento de desânimo ou de indignação contra a mania revoltante de ocupar o tempo de cada qual em verdadeiras ninharias, quando existem 9:337 empregados de organismos corporativos que tinham muito bom tempo e obrigação de executar estes trabalhos.
Importa, por consequência, remeter os interessados ao seu campo de acção e à sua actividade perfeitamente definida.
O decreto n.º 29:099, de 14 de Novembro de 1938, que a comissão invoca no sen relatório, já pretendeu acudir a semelhantes anomalias.