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24 DE MARÇO DE 1947 999

riqueza com que Deus nos dotou cá na terra, que é a ternura, o carinho dos nossos,
Sr. Presidente: toda a gente sabe que o povo, na sua ignorância, Contribui largamente para que esta terrível doença se vá alastrando cada vez mais assustadoramente; ninguém ignora que a falta de higiene, especialmente das classes pobres, é um factor poderosíssimo da sua propagação; que uma espécie de fatalismo absurdo, subordinando tudo ao que Deus antecipadamente determina, tem destruído famílias inteiras, onde um caso único, isolado a tempo, se poderia ter curado, evitando assim aquela tremenda catástrofe.
Toda a gente sabe também, Sr. Presidente, que nos tristes anos que ultimamente temos atravessado a crise da alimentação de quase toda a Humanidade e, em muitos países, especialmente nos assolados pela guerra, o difícil problema da habitação e do aquecimento, além de tantos outros factores que seria longo enumerar, vão ceifando, sem dó nem piedade, vidas cujo fio a Parca não teria, por certo, pensado em cortar tão cedo.
Se é verdade que entre nós o Estado se não tem poupado a sacrifícios para atenuar todas estas calamidades
- como o provam as sábias providências que tem tomado no sentido de nos virem de fora os alimentos de primeira necessidade e como no-lo mostram também as inúmeras casas dos bairros económicos, que dia a dia cada vez se estão alargando mais -, não é menos certo que, para o que é necessário fazer, muito pouco há ainda, e que é bem preciso que todos demos a nossa colaboração para essa grande obra humanitária que é o socorro às classes pobres no debelamento da tuberculose.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Não são mal formadas as almas de todos aqueles que têm aproveitado pequenas migalhas dos nossos ordenados para debelar tão grande mal, nem as dos que procuram aumentar o fundo das receitas do Estado que são destinadas ao tratamento e à sanatorização dos tuberculosos pobres por qualquer modo ao seu alcance.
Após as minhas simples considerações do ano passado recebi de toda a parte do País telegramas e cartas de várias espécies, desde os que se limitavam a simples agradecimentos às que se reduziam a queixas e a súplicas.
Sensibilizada, fui procurar S. Ex.ª o então Ministro do Interior, junto de quem advoguei, o melhor que pude e soube, a justa causa desses desgraçados: chamei-lhe, em especial, a sua esclarecida atenção para o caso, que me parecia desumano, de se fazerem sair dos hospitais e sanatórios os internados que, embora curáveis, tivessem atingido quatro anos de internamento.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Na minha mente agitada ferviam os exemplos de desgraças que me tinham contado, como a de um infeliz qualquer que, ao fim de três anos e meio de internamento, se tinha submetido a uma torocoplastia. Como V. Ex.ªs sabem, muito melhor que eu, essa delicada operação faz-se em várias sessões, e só ao fim de alguns meses se considera pronta. Ora nesse meio tempo tinha saído o decreto que reduzira ao máximo de quatro anos o período de internamento dos tuberculosos pobres, e o desgraçado teve de vir para a rua ainda com um dreno.
Como se não pôde apresentar ao trabalho, porque não estava em condições de o poder fazer, perdeu o lugar, sem ter ainda direito à aposentação. Num estado melindroso como era o seu, estes abalos todos provocaram-lhe a morte.
A conselho do Sr. Ministro, todas essas cartas foram para a Direcção Geral da Assistência, onde os diferentes pedidos ficaram registados, para que na devida oportunidade fossem atendidos dentro do possível.
Toda essa documentação foi depois enviada para o Ministério - desde a súplica para um trabalho moderado após a cura, ao menos durante alguns meses, para aclimatação ao antigo ofício, ao pedido de um rigoroso exame bacteriológico dos internados, onde a vigilância dos enfermeiros não fosse ludibriada por doentes pouco escrupulosos que, roubando a um seu irmão na desgraça o ensejo de entrar no sanatório, estando eles já quase absolutamente curados, não hesitam em fazer passar por sua a expectoração de um companheiro carregada de bacilos!...
Triste prova de um feroz egoísmo humano, que toca as raias da mais cruel desumanidade!...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em princípio, V. Ex.ª tem razão em discordar da limitação a quatro anos do tempo em que o Estado dá assistência aos funcionários tuberculosos.
Pela legislação actual, o funcionário tuberculoso que ao fim de quatro anos não estiver em condições de retomar o serviço é aposentado, e se não tiver ainda atingido o direito à aposentação receberá uma pensão ou subvenção suficiente, creio eu para atingir o equivalente à aposentação. Aquela limitação de tempo, porventura em certos casos realmente desumana, explica-se pela necessidade de acudir a todos e para haver mais possibilidade do internamento. E evita a eventualidade de surgir um ou outro caso de "profissional da doença".

A Oradora: - E exactamente. Procurei informar-me junto da Direcção Geral da Assistência e tratei desse assunto o ano passado.
Sr. Presidente: já não fazia tenção de tornar a abordar este problema, não porque o achasse indigno disso, mas porque tenho a certeza de que o Estado há-de procurar resolver, com o maior carinho, esta causa, de que depende a sua própria vida. Atrás de cada tuberculoso que se não cura vão famílias inteiras, e vemos a cada passo que pessoas ricas, cuja mesa não chegou mesmo a ressentir-se do estado a que a guerra e os maus anos de lavoura nos foram reduzindo, têm também os filhos contagiados, porque uma criada, que não sabiam doente, os trouxe nos braços, enchendo-os de bacilos, ou porque a professora que os ensinou teve o cuidado de ocultar a sua doença, que a não deixaria ganhar o pão.
Pois, como ia a dizer, Sr. Presidente, não tencionava voltar a este assunto; contudo fui aqui procurada na Câmara por um pobre rapazinho que me pediu que advogasse a sua causa, órfão de pai e mãe, é o único apoio de uma irmã; mostrou-me o resultado da análise da sua expectoração, das suas radiografias; disse-me que já tinha tido hemoptises; que o seu estado era curável se fosse internado a tempo, mas que há dois anos à espera de vaga a sua saúde ia declinando dia a dia, aterrorizando-o a ideia de que depois poderia chegar-lhe a vez quando já a não pudesse aproveitar.
Impressionada pela exposição desse rapazinho ainda tão novo, fui logo no dia imediato ao Instituto da Assistência Nacional aos Tuberculosos informar-me do