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1004 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 111

O Sr. Mário de Figueiredo: - O aparte não visa as afirmações de V. Ex.ª É uma nota à margem...

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, a gentileza do esclarecimento.
Estou a recordar agora, de momento, um caso de certa semelhança com este, no que respeita à expectativa geral.
Vale a pena contá-lo a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, pelas indicações úteis que dele resultam no campo da vida pública.
Em 1932, num período político agudo, depois do ter o assunto estudado, na mão, como governador substituto do Funchal, propus-me dar o golpe de misericórdia na questão do Seminário da Madeira, que se complicara em vários sentidos e parecia constituir o que pode chamar-se uma questão perigosa.
O Ministro da Justiça de então, Doutor Manuel Rodrigues, estadista e professor de saudosa memória, autor do decreto-lei, de 19227, que ordenara a entrega imediata à diocese do Funchal do grandioso edifício do seu seminário (Palácio da Encarnação), sob a impressão das informações e do ambiente, hesitou no primeiro instante, como era absolutamente natural, em dar-me carta branca para resolver o assunto, como deu, afinal, com a sua superior e penetrante observação política.
Na Madeira foram várias as pessoas que me procuraram para dissuadir-me da ideia, convencidas de que eu arriscava a vida com semelhante resolução.
Nada disto mo impressionou, Srs. Deputados. O sentimento das verdadeiras realidades e daquilo que eu julgava uma obrigação moral e política primacial dominou as falsas ideias e conjecturas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fiz a entrega à diocese do seu seminário, depois de resolver algumas questões preliminares delicadas. Não houve atentados nem desordens. Ao contrário: manifestações públicas vibrantes de aplauso e agradecimento ao Governo, Sr. Presidente.
Uma coisa são as atmosferas mais ou menos superficiais de cada momento, outras a consciência nacional e a opinião pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas afirmações, ainda que espontâneas, sugeridas na ocasião, sem relação directa com o problema que estou apresentando à Assembleia, têm a maior oportunidade, suponho, neste período de crise moral e confusão de ideias.
Apoiados.
De resto, Sr. Presidente, sou daqueles homens que aceitam com resignação ou até com gosto e coragem todas as consequências dos seus actos e atitudes sempre que correspondam a indicações superiores do bem comum ou simplesmente da sua personalidade.
Cada um de nós tem de algum modo marcadas as suas reacções e orientação nas coisas deste Mundo.
Entendo mesmo que certos convencionalismos falsos, contrários a exigências vivas do espírito humano e de uma vida social de verdadeiro conteúdo cristão, podem considerar-se já, apesar de tudo, como sombras do passado.
Posso dizer aqui a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, com a mesma firmeza e sinceridade, o que - não há muitos meses - disse ao Sr. Ministro da Guerra, na Madeira, num discurso na recepção da Câmara Municipal do Funchal, em expressões mais ou menos semelhantes:
Conheço os vários caminhos e processos da vida, mas nenhuma dúvida tenho de que só vale a pena vivê-la nobremente: sob a inspiração de um ideal superior e de harmonia com a nossa própria personalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se não houvesse verdadeira conveniência política em considerar desde já as primeiras e desencontradas impressões sobre a iniciativa tomada, poderia dizer-se com razão, Sr. Presidente, que estas minhas palavras eram excessivas e bastante pessoais.
A importância da questão e as ideias erradas que a sua discussão suscita, em geral, tornam-nas, todavia, mais que oportunas: necessárias.
O contrato de colónia, Sr. Presidente, apresenta-se na Madeira em modalidades bastante variadas - conforme os costumes de cada região, a natureza e o valor das culturas e outras circunstâncias de facto, algumas mesmo, cada vez mais raras, de significado meramente pessoal ou de tradição familiar.
Na sua forma fundamental típica pode, no entanto, fixar-se em breves palavras.
Convém talvez que eu a ponha a V. Ex.ªs desde já.
O senhorio é o proprietário da terra e, em geral, da água de rega. É em princípio - mas na prática difícil e precariamente - quem orienta e fiscaliza a exploração agrícola.
O colono ou caseiro, que é a expressão consagrada no meio, é o dono e possuidor das culturas e benfeitorias agrícolas e urbanas. É quem, com os seus, trabalha a terra e vive geralmente nela.
Um e outro contribuem, em metade cada um, pura determinadas despesas da exploração, como as das águas, adubos, insecticidas, e repartem de igual modo entre si os produtos da terra, com algumas restrições de importância em favor do caseiro.
O senhorio pode, judicialmente, por simples conveniência ou razões próprias de direito, dar por findo o contrato e obter o despejo, mediante aviso prévio e o pagamento das culturas e benfeitorias existentes.
O caseiro, por seu lado, pode onerar ou ceder tudo quanto possui.
São estas, Srs. Deputados, as posições dos dois parceiros agrícolas, postas do forma directa e sumária.
Pouco dizem por si sós, evidentemente, que nos dê uma indicação segura a respeito das complexas realidades da economia agrícola da Madeira, vista em relação aos seus elementos primários, ao comércio e indústria regionais, aos consumidores e demais valores humanos, sociais e económicos que a questão abrange.
Não é este, porém, o momento mais oportuno para eu desdobrar perante V. Ex.ªs as considerações que me decidiram a levantar o problema.
Afigura-se-me em todo o caso conveniente lembrar a V. Ex.ªs, antes de mais, como já afirmei nesta mesma Assembleia, a propósito de outros assuntos, que os prédios rústicos da Madeira oferecem aspectos característicos inconfundíveis, resultantes das condições naturais, que têm de reputar-se irredutíveis.
São quase todos, em dada forma, construídos pêlos agricultores, Srs. Deputados.
Os acidentes dos terrenos, de excepcionais declives, dos mais caprichosos perfis, a sua natureza geológica, o regime das chuvas, numa palavra, as condições mesológicas da Madeira, as exigências das suas principais culturas - a bananeira, a vinha e a cana de açúcar -, obrigaram o agricultor a levantar palmo a palmo, por assim dizer, os férteis terrenos daquela afamada ilha, em arranjos difíceis e muito dispendiosos: com seus muros de suporte, de socalco em socalco, seus tanques, seus caminhos calcetados, suas levadas, suas pequenas