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24 DE MARÇO DE 1947 1007

No artigo 81.°, alínea b), do decreto n.° 5:786, de 10 de Maio de 1919, encontrei a seguinte disposição, que me dizem figurar já na legislação de 1902:

Os jornais, impressos, manuscritos sem carácter epistolar, as amostras, caixas, encomendas postais que não puderem ser entregues, os objectos de ouro ou prata, as pedras preciosas encontradas em cartas ou maços cintados e quaisquer outros objectos de valor encontrados em correspondência serão vendidos, constituindo o produto da venda receita da Caixa de Auxilio dos Empregados dos Correios e Telégrafos.

Sr. Presidente e ilustres colegas: tão estupenda disposição, que - ia jurá-lo - só é conhecida do pessoal dos correios, expõe o público à perda completa de quaisquer valores que, por ignorância, descuido próprio ou de emissário a quem houver de confiar o despacho da correspondência e ainda, porque se dá muitas vezes o caso de não poder aguardar muito tempo nas bichas que frequentemente se formam junto das repartições competentes, comete a temeridade de os confiar aos serviços dos correios apenas com a franquia corrente e sem a precaução de os expedirem como valor declarado.
Importa não esquecer que de tão revoltantes apreensões podem resultar prejuízos avultadíssimos.
Tal a hipótese de se expedirem pelo correio, e sem valor declarado, títulos ao portador, cujo valor pode subir a centenas de contos, uma autêntica fortuna, porventura todos os haveres de quem carecesse de os remeter à Casa da Moeda, para a indispensável selagem, ou a corretores, banqueiros e outras pessoas para serem negociados ou se verificarem outras operações correntes.
Sr. Presidente: a legislação aduaneira, salvo casos muito excepcionais, quando se verifique tentativa de desvio ao pagamento do que é devido ao Estado, manda aplicar a multa correspondente, cobrar os direitos, mas ordena se devolva o artigo ao seu legítimo dono.
E nesta hipótese trata-se, sistematicamente, de tentativa de prejudicar o Estado em importância quase sempre elevada e o transgressor só muito raramente procede por ignorância.
Mas no caso em questão o prejuízo do Estado seria mínimo, isto é, a insignificantíssima diferença entre a franquia corrente e a relativa a valor declarado.
Por outro lado, o transgressor não procede de má fé, pois ninguém se abalançaria à contingência da perda de grandes valores se previamente tivesse conhecimento do risco em que incorreria, isto é, o da sua apreensão definitiva, que, no fim de contas, outra coisa não seria que o confisco terminantemente proibido pela Constituição.
Esta inconcebível penalidade, além de inconstitucional, está em flagrante desproporção com o insignificantíssimo prejuízo que para o Estado resultaria da substituição de uma franquia por outra e com a intenção de quem, desta forma, confiadamente entrega à Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones os seus valores.
E nem ao menos é prevista a intervenção dos tribunais.
Que se aplique uma multa, compreende-se, mas proporcional à importância da franquia que deixou de ser paga, como no caso de cartas encontradas sem o selo correspondente.
Contudo, a aplicação, neste caso banalíssímo do gravíssimo princípio da responsabilidade ilimitada, que pode determinar o confisco de grandes valores em pedras preciosas, notas, títulos ao portador, não pode admitir-se por mais tempo.
Só muito transitoriamente e em casos de emergência como o que agora se verifica com a crise de subsistências é que se explicaria a apreensão de um artigo desviado do abastecimento público.
Salus populi...
Sr. Presidente: quando tive de rever, julgo que em 1930, o Código da Estrada, verifiquei ser ilimitadas a responsabilidade em que se incorria pelo prejuízos e danos derivados de acidentes de viação.
As companhias de seguros não cobriam tais riscos senão até determinada quantia.
Desta forma, o proprietário de um veículo estava sempre na contingência da ruína, em resultado de indemnizações que tivesse de pagar por qualquer acidente, para as quais não havia qualquer limitação.
Mas neste caso a fixação da indemnização cabia aos tribunais.
Contudo, na alínea a) do artigo 138.° do Código da Estrada, no capítulo intitulado "Reparação civil", pode agora ler-se a limitação por mim introduzida, nos termos seguintes:

A indemnização respeitante a todos os prejuízos ou danos derivados do mesmo acidente não poderá exceder 200 contos, excepto quando se provar que da parte do responsável pela indemnização houve intenção criminosa, porque em tal caso responderá este, nos termos da lei geral, por todas as perdas e danos que tiver causado.

E na alínea d) do referido artigo determina-se:

As pessoas ou entidades civilmente responsáveis pela indemnização a que este Código se refere poderão transferir a sua responsabilidade para quaisquer companhias de seguros devidamente autorizadas.

Sr. Presidente: volvidos cerca de dezassete anos após a publicação daquele diploma, mantenho a opinião de que assim é que está certo.
Pena tenho eu de que então, isto é, quando a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones estava sob a alçada do Ministro do Comércio e Comunicações, ninguém tivesse chamado a minha atenção para o decreto n.° 5:786, em vigor, onde se continha a tal doutrina do confisco, a que estou a referir-me.
Dentro do critério que me levara a fixar um limite à responsabilidade até aí ilimitada nos casos de acidentes de viação, eu teria substituído aquela inadmissível disposição por outra que, defendendo com justiça o devido aos serviços do Estado, não sujeitasse o público a surpresas tão perigosas.
Sr. Presidente: a explicação de que tão descabida disposição legal, obrigando, sob pena de confisco, toda a correspondência contendo valores a ser expedida como valor declarado, constitui precaução contra possíveis tentações, não colhe; e até seria atentatória da dignidade da corporação.
Se tal fosse de admitir, que não é, a violação da correspondência em proveito próprio exporia o responsável a graves sanções.
Outras, porém, seriam as consequências para o seu autor da abertura de correspondência com a franquia corrente e confisco dos valores contidos, não em proveito próprio mas a favor da Caixa dê Auxílio dos Empregados dos Correios e Telégrafos.
Apuradas as coisas e feitas às contas, a pessoa que confiadamente entregara a sua correspondência com os seus valores à corporação dos correios, telégrafos e telefones acabaria, em qualquer das hipóteses, por ficar sem eles.